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Pré-história do conceito de pulsão: e no caminho havia uma histérica

O MODO FREUDIANO DE ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA

1.4. Pré-história do conceito de pulsão: e no caminho havia uma histérica

“Não se deve jamais ler Freud sem ter as orelhas levantadas”

(Jacques Lacan, 1964)

Em 1888, Freud escreve um artigo intitulado Histeria em contribuição à enciclopédia Villaret, obra composta de dois volumes. Masson (1986)14, assinala que os artigos da Villaret não são assinados e, desse modo, não se tem certeza absoluta de quais artigos são de autoria de Freud. Vogel15 é convicto em sustentar que os artigos

Hysterie e Hysteroepilepsie devem ser atribuídos à Freud, por causa do estilo e

conteúdo16.

Em carta à Fliess, datada de 28 de maio de 1888, Freud faz referências às horas destinadas a diversos artigos escritos para a Villaret. Essa foi uma fase difícil, pois Freud trabalhava além da clínica, a qual, nesse momento, decrescia. “E a vida, como é do conhecimento geral, é muito difícil e complicada e, como dizemos em Viena, há muitos caminhos para o Cemitério Central” – escreve Freud a seu amigo correspondente (Masson, 1986, Carta de 28/05/1888, p. 22).

O texto freudiano discorre sobre o verbete Hysterie, onde são apresentados dados sobre a origem do termo, definição, caracterização somática, quadro evolutivo, tratamento e, ao final, um pequeno resumo.

A importância do artigo Hysterie para o estudo da pulsão deve-se ao fato de nele constar alusões ao que, mais tarde, Freud nomeará como princípio de constância. Em 1842, o físico Robert Meyer formula a noção de conservação ou estabilidade da energia, noção que será retomada e desenvolvida a partir de 1845 por Hermann von Helmholtz, fisiologista e físico alemão. A obra de Helmholtz tem lugar na história da descoberta do inconsciente, mas é preciso compreendê-la à luz dos percalços da fisiologia moderna, cuja sedimentação teórica ocorreu somente no final do século XIX. Helmholtz soube aliar o sentido filosófico às exigências de mensuração e quantificação em suas criações. Em 1847, o fisiologista e físico alemão publica a monografia Sobre a conservação da

força, onde apresenta ao conjunto do universo físico uma lei que se tornaria um

14

Cf. nota 2, p. 22. 15

Op. Cit. Masson, 1986, p. 22. 16

princípio fundamental da termodinâmica. Helmholtz foi aluno de Johannes Peter Müller, embriologista, o qual incentivava seus alunos a travar batalha contra o vitalismo, doutrina médica criada por Paul Joseph Barthez da Escola de Montpellier, “segundo a qual existe em cada indivíduo um princípio vital, distinto tanto da alma quanto do pensamento e das propriedades físico-químicas dos organismos vivos” (Roudinesco, 1998, p.777). Helmholtz, junto com Emil Du Bois-Reymond, Carl Ludwig e Ernst Wilhelm von Brücke, futuro professor de Freud, passam a combater o vitalismo defendendo a ideia de que “só as forças físicas e químicas, com exclusão de qualquer outra, agem no organismo” (Roudinesco, 1998, p.330). Dessa forma impuseram uma corrente mecanicista e organicista à neurologia e à psicologia, isolando a influência da filosofia.

Freud foi apresentado aos trabalhos de Helmholtz por Brücke e torna-se seu admirador, importando para a primeira tópica a concepção dinâmica da fisiologia daquela época (Roudinesco, Idem). Em 1873, Gustav Theodor Fechner, médico e filósofo alemão, teoriza sobre o princípio de conservação da energia. Em 1920, Freud retoma as concepções de Fechner em suas teorizações sobre o princípio de prazer e defende que o aparelho psíquico objetiva manter no nível mais baixo, e de forma constante, a quantidade de excitação nele presente. Dessa maneira elabora a dimensão econômica inicial de sua metapsicologia. Sabemos que as elaborações freudianas em torno da pulsão de morte levarão Freud a abandonar tal concepção em prol da discussão sobre os limites de dominação do princípio de prazer (Roudinesco, 1986, p.485).

Após essa digressão necessária para a contextualização científica em que se deram os primeiros passos freudianos, voltemos ao texto de 1888. Na caracterização geral da histeria, Freud alude a algo da ordem do exagero, seja no sentido de um desenvolvimento no mais alto grau, seja numa limitação exacerbada, enfatizando a mutabilidade do sintoma (Freud, 1888).

Juntamente com os sintomas físicos da histeria, pode-se observar toda uma série de distúrbios psíquicos nos quais, futuramente, serão sem dúvida encontradas as modificações características da histeria, mas cuja análise, até o momento, mal começou. Esses distúrbios psíquicos são alterações no curso e na associação de ideias, inibições na atividade da vontade, exagero e repressão dos sentimentos, etc. –

que podem ser resumidos como alterações na distribuição normal, no sistema nervoso, das quantidades estáveis de excitação” (FREUD, 1888, ESB, v.1, p.95; AE, v.1, p.54).

Nesse momento Freud conclui que “os pacientes histéricos funcionam com um excesso de excitação no sistema nervoso – excesso que se manifesta ora como inibidor, ora como irritante, deslocando-se com grande mobilidade dentro do sistema nervoso” (Ibidem). Ou seja, a histeria é encarada como uma anomalia do sistema nervoso fundamentada na “distribuição diferente de excitações” (Idem), e que o tratamento eficiente será aquele que conseguir atuar na distribuição das excitações provenientes das zonas histerógenas do sistema nervoso.

Nessa época era comum a internação de pacientes em sanatórios de modo a remover o indivíduo de seu contexto social, de tudo e de todos. O isolamento e a figura do médico protagonizavam os agentes curativos principais, associados a massagens, hidroterapia, eletroterapia, atividades físicas, além do repouso terapêutico. No texto de 1888, Freud recomenda o método de Breuer, o qual consiste em levar a paciente, sob hipnose, ao resgate de sua história pregressa à doença. Anderson17 assinala que a referência à técnica de Breuer diz respeito apenas a eficiência da sugestão em pacientes hipnotizados, sem abranger a elaboração teórica maior em torno da descoberta da ab-reação.