• Nenhum resultado encontrado

O MODO FREUDIANO DE ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA

1.5. De volta à Viena: primórdios clínicos

1888-1892. Freud passa uma temporada na França, sob a recomendação de Brücke, graças a qual conseguiu uma bolsa para estudar com Charcot, em 1885. De volta à Viena no ano seguinte, dedica-se ao estudo do hipnotismo e da sugestão. A partir de abril de 1886, retoma as atividades médicas em consultório privado na 7, Rathausstrasse, e passa a chefiar o Departamento de Neurologia da primeira instituição pública com atendimento infantil, dirigida por Max Kassowitz18. Freud esteve nessa função por dez anos, de 1886 a 1896, e alguns de seus casos clínicos datam desse período. Nesse departamento teve a oportunidade de desenvolver pesquisas científicas com crianças que sofriam de paralisia cerebral. De 1886 a 1892 Freud coletou duzentos e setenta e cinco dados neuropatológicos junto a crianças com diplegia19, cujas observações serviram de base para a publicação de monografias escritas entre 1888 e 1900. Freud era considerado uma autoridade em assuntos inerentes a paralisia cerebral infantil. Em 1896 encerra suas contribuições na instituição comandada por Kassowitz e passa o cargo à Emil Redlich. Em 1938 o Instituto de Kassowitz foi desfeito após a anexação da Áustria pelo Terceiro Reich20.

A experiência de Freud com a hipnose pode ser detalhadamente rastreada nas Obras Completas e ratificada no Estudo Autobiográfico (1925[1924]). Ainda estudante presencia uma exibição feita por Hansen, conhecido como o magnetizador, diante da qual fica impressionado21. Aos vinte anos tem conhecimento que Joseph Breuer, futuro colaborador, aplica a hipnose para fins terapêuticos. Aos trinta anos, em Paris, na clínica de Charcot lhe é mostrado que a sugestão hipnótica com finalidade terapêutica há muito gozava de reconhecimento e uso corrente. Freud registra quão maravilhado ficou diante dos feitos de Charcot.

18Kassowitz nasceu em 1842 e faleceu em 1913. Foi professor de pediatria na Universidade de Viena e especialista em fisiologia e patologia da formação do osso. Em 1883, descobriu um método para tratamento do raquitismo, utilizando fósforo no óleo de fígado de bacalhau.

19 Paralisia que afeta ambos os lados do corpo

20(fonte: https://answers.com/topic/institut-max-kassowitz). 21

(...) não perdi a ocasião de adquirir um conhecimento pessoal dos fenômenos do hipnotismo, que são tão surpreendentes e aos quais se dá tão pouco crédito, e, em especial, do “grand hypnotisme” descrito por Charcot. Com surpresa, verifiquei que nessa área determinadas coisas aconteciam abertamente diante de nossos olhos e que era quase impossível duvidar delas; assim mesmo, eram tão estranhas que não se podia acreditar nelas, a menos que delas se tivesse uma experiência pessoal (FREUD, 1956[1886], v.1, p.50; AE, v.1, p.13).

Em Um estudo autobiográfico (1925[1924], ESB, p.31) Freud assinala que, desde o princípio usou a sugestão hipnótica de “uma outra” maneira. Certamente a referência a estranheza do método de Charcot, grafado em seu Relatório sobre meus

estudos em Paris e Berlim (1956[1886], p.50), deve-se à influência de Breuer quanto ao

uso do hipnotismo na determinação da etiologia sintomática.

Roudinesco (1994, p.153) assinala que em 14 de setembro de 1886 Freud casa-se com Martha Bernays, de modo que era preciso estabelecer-casa-se como médico. Dado o novo imperativo pessoal, Freud experimentou diversos métodos para tratamento da neurose, dentre eles, eletroterapia, hidroterapia, repouso, para depois retomar o uso da hipnose. Em termos históricos, Freud procurava um novo método de tratamento para a neurose.

Há evidências histórico-teóricas quanto ao início de utilização do método catártico de Breuer. No verão de 1889, viaja para Nancy por algumas semanas com a finalidade de aperfeiçoar sua técnica hipnótica. Na autobiografia escrita em 1924, Freud registra que solicita que uma de suas pacientes, a qual era difícil de hipnotizar, o encontrasse em Nancy. Lá, Bernheim, conhecido por seus assombrosos experimentos com a hipnose, também não consegue hipnotizar Frau Emmy von N, codinome atribuído por Freud para Fanny Moser.

Essa paciente era uma histérica altamente dotada, uma mulher bem nascida, que me fora confiada porque ninguém sabia o que fazer com ela. Pela influência hipnótica eu lhe tornara possível levar uma existência tolerável, e sempre fui capaz de tirá-la da miséria de sua condição. Mas ela sempre recaía após breve tempo, e em minha ignorância eu atribuía isso ao fato de que sua hipnose jamais alcançara a fase de

sonambulismo com amnésia. Bernheim tentou então várias vezes provocar isso, mas ele também fracassou (FREUD, 1925[1924], ESB, v.20, p.29; AE, v.20, p.17).

Roudinesco (1994) afirma que foi com Frau Emmy von N. que Freud empregou, pela primeira vez, o método catártico. No livro Gènealogie (1994), a psicanalista francesa assinala que Freud atribui a Fanny Moser as seguintes palavras: “Ne bougez

pas! Ne dites rien! Ne me touchez pas!22 O tratamento de Frau Emmy von N. gerou em seu analista a dúvida frente à hipnose e quanto à postulação de Bernheim de que “tout

est dans la suggestion!”23.

Freud não abandona totalmente a hipnose, posto que o método catártico de Breuer exija previamente a hipnose da paciente. Mas o uso da hipnose não tarda a desapontá-lo. Em Cinco lições de psicanálise (1910 [1909], p.24) escreve: “Tornou-se-me logo enfadonho o hipnotismo, como recurso incerto e algo místico; e quando verifiquei que apesar de todos os esforços não conseguia hipnotizar senão parte de meus doentes, decidi abandoná-lo, tornando o procedimento catártico independente dele”. Apesar disso, Freud ainda utiliza a hipnose como parte integrante do método de Breuer.

No final de 1892 suspende o uso da hipnose na sua terapêutica, substituindo o sono hipnótico por algo que denominou de estado de concentração. Roudinesco (1994, p.157) assinala que em novembro desse ano Freud trata os casos de Fraülein Elisabeth von R., Frau Katharina e Miss Lucy. Estava em elaboração o método da associação livre.

A hipnose tem o seu lugar na história psicanalítica enquanto peça fundamental, pois com a técnica hipnótica Freud pode aproximar-se da histérica, que tanto presenteou a psicanálise. Há resquícios da técnica abandonada na prática analítica. Afinal, a posição e o dispositivo em que se efetua o tratamento analítico são remanescentes do método hipnótico, e que Freud fez questão de manter. Em Sobre o início do tratamento

– novas recomendações sobre a técnica da psicanálise (1913), Freud escreve:

22 Não se mexa! Não diga nada! Não me toque! 23

[...] tenho de dizer uma palavra sobre um certo cerimonial que concerne à posição na qual o tratamento é realizado. Atenho-me ao plano de fazer com que o paciente se deite num divã, enquanto me sento atrás dele, fora de sua vista. Esta disposição possui uma base histórica: é o remanescente do método hipnótico, a partir do qual a psicanálise se desenvolveu. Mas ele merece ser mantido por muitas razões (FREUD, 1913, ESB, v.12, p.176; AE, v.12, p.135).

As razões que Freud apresenta são de ordem pessoal, dada a atenção flutuante que a geografia do dispositivo analítico favorece, e por aquilo que Lacan irá se referir quanto às interferências imaginárias desnecessárias durante a sessão de análise.

Estima-se que Freud usou a hipnose por dez anos, no período situado entre 1886 e 1896. Em Recordar, repetir e elaborar (1914) grafa em definitivo o lugar devido à hipnose na história do movimento psicanalítico: “Ainda devemos ser gratos à velha técnica hipnótica por ter-nos apresentados processos únicos de análise sob forma isolada ou esquemática. Somente isto poder-nos-ia ter dado a coragem para criar situações mais complicadas no tratamento analítico e mantê-las claras diante de nós” (Freud, 1989/1914, p.194). Na Conferência XXVIII, intitulada Terapia analítica (1916-17,

ESB, p.538) expressa sentimento de gratidão ao método hipnótico: “Nós, psicanalistas,

podemos declarar-nos seus legítimos herdeiros, e não esquecemos quanto encorajamento e esclarecimento teórico lhe devemos”.

A hipnose serviu de instrumento de aproximação dos processos psíquicos, diante e a partir dos quais enigmas psíquicos bateram à porta de Freud, o qual se dispôs a investigá-los, para ver onde ia dar. Nessa longa estrada Freud fareja o enigma maior – a pulsão -, apontado pela sexualidade denunciada pela histérica.

1888. Freud traduz para o alemão De la suggestion et de ses applications à la

thérapeutique, de Bernheim. No prefácio à referida tradução escreve que o trabalho de

Bernheim “proporciona uma admirável introdução ao estudo do hipnotismo” (Freud,

ESB, 1888, p.123). Para o tradutor alemão o valor de De la suggestion reside na

desmistificação da hipnose, esclarecendo e correlacionando os fenômenos da vigília e do sono.

É interessante notar o valor principal atribuído por Freud ao texto de Bernheim, na medida em que é revelada a vinculação entre os fenômenos hipnóticos aos processos que ocorrem na vigília e no sono, “e no fato de trazer à luz as leis psicológicas que se aplicam a ambos os tipos de eventos” (Idem). A hipnose sai da esfera médica e é transposta para a alçada psicológica, constituindo a sugestão o seu núcleo e chave para a sua compreensão.

Freud destaca a importância terapêutica do método hipnótico, nesse momento encarado como o ideal de tratamento para os distúrbios nervosos. Assinala que o livro de Bernheim esclarece a inofensibilidade da terapêutica, sendo a hipnose um método “inócuo” (Freud, 1888, ESB, p.125), além de indicar duas correntes dentre os adeptos do hipnotismo. Uma vertente, a alemã, sustenta que os fenômenos hipnóticos têm a mesma origem, surgem de uma sugestão, de uma ideia consciente introduzida por um agente externo e aceita pelo hipnotizado como se tivesse surgido espontaneamente. A outra vertente, francesa, defendida por Charcot, sustenta que as manifestações hipnóticas são derivadas de modificações fisiológicas, referindo-se aos deslocamentos de excitações nervosas, sem a participação da ideia consciente. Destacam-se nessa segunda vertente, os fenômenos físicos ou fisiológicos, provenientes da hipnose, os quais darão corpo ao que se designa por grand hypnotisme. Tal expressão é aplicada aos fenômenos observados a partir da hipnotização de pacientes histéricos, teatralizado magistralmente por Charcot. Diferentemente das pessoas normais hipnotizadas, os pacientes histéricos evidenciam três fases, cada momento distinto em razão dos sinais físicos apresentados.

Se têm razão os adeptos da teoria da sugestão, todas as observações feitas no Salpêtrière ficam invalidadas; tonam-se erros de observação. A hipnose de pacientes histéricos não teria nenhuma característica própria; mas todo médico teria a possibilidade de produzir, nos pacientes que hipnotizasse, qualquer sintomatologia que desejasse. Com o estudo do grande hipnotismo não aprenderíamos que modificações sucessivas se efetuam na excitabilidade do sistema nervoso, decorrentes de determinadas formas de intervenção; iríamos apenas aprender quais as intenções que Charcot sugeriu (de uma forma da qual nem ele tinha consciência) às pessoas submetidas a essas experiências – coisa inteiramente irrelevante para nossa compreensão da hipnose e da histeria (FREUD, 1888, ESB, v.1, p.126-127; AE, v.1, p.84).

A leitura que freudiana diante das duas vertentes é no sentido do alerta frente a possibilidade de falsificação do fenômeno histérico, além do risco de comprometimento na observação comportamental e da pretensa atribuição fisiológica para tais sintomas. Na verdade Freud assinala o descaso para com os fatores psíquicos presentes na histeria, tendo em vista estar convencido das leis que regem os fenômenos histéricos.

[...] devemos assinalar um excelente exemplo de como o descaso pelo fator psíquico da sugestão desorientou um grande observador e o levou à criação artificial e falsa de um tipo clínico, em decorrência da natureza cheia de caprichos e maleabilidades de uma neurose (FREUD, 1888, ESB, v.1, p.127; AE, v.1, p.84).

Freud acredita na objetividade da sintomatologia histérica e afirma serem justificadas as críticas de Bernheim. Escreve que “essas críticas revelar-se-ão importantes porque, em toda investigação futura da histeria e do hipnotismo, a necessidade de excluir o elemento sugestão será lembrada de modo mais consciente” (Freud, 1888, p.127). O texto freudiano se encaminha no sentido de salientar que a sugestão não tem o poder de produzir algo que não esteja presente na consciência. Nesse sentido, assinala que os pontos chaves da sintomatologia histérica estão livres da sugestão feita pelo médico, uma vez que os sintomas histéricos sugerem um mecanismo psíquico, mas não necessariamente o mecanismo da sugestão.

Do exposto, observamos Freud posicionado diante dos enigmas iniciais em torno da histeria. Ao invés de ceder aos embates teóricos da época e dos recursos à propriedade intelectual dos autores, Freud atém-se ao que considera essencial para o entendimento da neurose, ou seja, à existência de fatores psíquicos – muito embora não conhecidos, e à excitação dos processos nervosos. Tais aspectos serão vitais na construção teórica referente à pulsão.

1889. Freud faz uma resenha do livro de August Forel, intitulado Der

Hypnotismus, seine Bedeutung und seine Handhabung. No texto elaborado por Freud

aparece o termo ‘pulsão’. Ao comentar a segunda parte do livro de Forel, Freud destaca a passagem segundo a qual “por meio da sugestão sob hipnose é possível produzir,

influenciar, impedir (inibir, modificar, paralisar ou estimular) todos os fenômenos subjetivos conhecidos da mente humana e uma grande parte das funções objetivamente conhecidas do sistema nervoso” (Freud, 1889, ESB, vol. 1, p.152). Da citação de Forel, Freud depreende que a sugestão sob hipnose é capaz de atingir funções motoras e sensitivas do corpo, bem como funções psíquicas, influenciando sentimentos, “pulsões”, memória, vontade e outros aspectos. Ao que parece, o emprego do termo ‘pulsão’ integra algo de ordem subjetiva, mas é usado em oposição às funções corporais objetivas. Suelena Werneck, em dissertação de mestrado intitulada Pulsão e origens da

pulsão: a pré-história de um conceito, defendida em 1992, assinala que, nesse

momento, Freud já consagra à pulsão um lugar desvencilhado do domínio exclusivamente orgânico.

Em 1890, Freud escreve um artigo sobre hipnose para um manual médico, intitulado Tratamento psíquico. O texto faz uma referência rápida ao método catártico, mas sua importância reside no fato de marcar um momento de mudança nos caminhos a serem seguidos por Freud.

Vimos Freud travar contato com a obra de Bernheim, em 1885. O autor de De la

suggestion et de ses applications à la thérapeutique sustenta, a seu modo, que a

sugestão age pela palavra, conferindo à palavra o eixo motor do tratamento. Freud coaduna com tal ideia, mas dá um novo tom: é pela palavra que se dá o tratamento psíquico.

Tratamento psíquico quer dizer, antes, tratamento que parte da alma, tratamento – seja de perturbações anímicas ou físicas – por meios que atuam em primeiro lugar e de maneira direta, sobre o que é anímico no ser humano. Um desses meios é sobretudo a palavra, e as palavras são também a ferramenta essencial do tratamento psíquico (FREUD, 1890, ESB, v.7, p.267; AE, v.1, p.115).

Tratamento psíquico (1890) foi escrito para Die Gesundheit, obra popular de

medicina, e Freud considera que o leigo terá dificuldades para compreender como uma perturbação patológica do corpo e da alma se esvai por “meras palavras” (Freud, 1890,

As palavras de nossa fala cotidiana não passam de magia mais atenuada. Será preciso tomar um caminho indireto para tornar compreensível o modo como a ciência é empregada para restituir às palavras pelo menos parte de seu antigo poder mágico (FREUD, 1890, ESB, v.7, p.267; AE, v.1, p.115).

A palavra passa a ser tomada como o elo entre o dualismo corpo/alma. O texto traz à baila questões que estarão presentes ao longo de toda a obra de Freud, ou seja, a articulação corpo/representação, presente desde 1888.

Freud afirma que a medicina se manteve durante longo tempo infrutiferamente na dependência da filosofia da natureza. Segundo afirma, o advento das ciências naturais proporcionou avanços teóricos importantes e necessários, na medida em que foi possível compreender, a partir da química e da física, os processos vitais em sua funcionalidade, tornando-se possível identificar as origens patológicas a partir das modificações visivelmente constatadas nas partes do corpo.

Freud afirma que a medicina dispunha de razões para investigar as relações incontestáveis entre o físico e o mental, “mas nunca deixou de representar o anímico como determinado pelo físico ou dependente deste” (Freud, 1890, ESB, p.268). O criador da psicanálise defende a reciprocidade dos vínculos entre corpo e mente, e reconhece que a medicina fez ouvidos moucos a tais relações. “Eles pareciam temerosos de conceder certa autonomia à vida anímica, como se com isso fosse abandonar o terreno da cientificidade” (Idem).

Ao balizar seu caminho pela teoria e pela clínica, da neurologia à psicologia, e desta à psicanálise, influenciado pelo positivismo, Freud subverte a objetividade do saber psiquiátrico dos séculos XIX e XX. E mais, subverte o reducionismo médico e revela, originalmente, que a fonte de algumas patologias não se encontra em sinais visíveis e palpáveis. A partir de seu trabalho na clínica, relata vários exemplos de enfermos com patologias supostamente físicas, afirmando que, em todos os casos os sintomas estavam associados a excitações e preocupações, as quais, quando desapareciam, davam lugar à saúde, inclusive sem deixar vestígios. “Tem-se conferido a esse estado o nome de nervosismo (neurastenia, histeria), qualificando-o como uma doença meramente “funcional” do sistema nervoso” (Freud, ESB, p.269).

Freud salienta que, “pelo menos numa parcela desses enfermos, os sinais da doença não provinham de outra coisa senão uma influência modificada da vida anímica sobre seu corpo, devendo-se buscar no anímico a causa imediata da perturbação” (Ibidem, p.270). Dessa forma passa à condição de evidência inquestionável à relação recíproca entre corpo e alma – o que define o dualismo paralelístico de Freud. Nesse cenário, os afetos ilustram, com excelência, a coparticipação do corpo, verificados nas expressões faciais, alterações na circulação sanguínea e batimentos cardíacos, contrações musculares, vômitos, diarreias, enxaquecas, dentre outros quadros clínicos.

Os afetos, num sentido mais estrito, distinguem-se por um vínculo muito especial com os processos físicos, mas, a rigor, todos os estados anímicos, inclusive aqueles que estamos acostumados a considerar como “processos de pensamento”, são “afetivos” numa certa medida, e nenhum deles carecem de manifestações físicas e da capacidade de modificar os processos corporais. Mesmo enquanto se está tranquilamente pensando por meio de “representações”, correspondem ao conteúdo dessas representações várias excitações constantes, desviados para os músculos lisos e estriados (FREUD, 1890, ESB, v.7, p.272; AE, v.1, p.119).

Restava esclarecer o nexo incontestável entre corpo e mente. Até então, o órgão anímico incorporava o sistema nervoso. Em Um estudo autobiográfico (1925[1924]), Freud deixa claro que é a investigação fisiológica que define o passo de seu arcabouço teórico, na medida em que a observação da estrutura fornece as bases para a compreensão de sua funcionalidade. “A anatomia permanece a base topológica sobre a qual ele funda suas pesquisas”, afirma Werneck (1992, p.101). Será a clínica, ou mais precisamente, a histérica, que revelará as leis de regulação anátomo-fisiológicas, aspectos que passaram despercebidos por Charcot.

O conceito de pulsão dará conta do nexo patente entre as relações corpo e mente. No Tratamento psíquico (1890) o termo pulsão é usado em sentido comum, designando moções, forças que impelem o homem, em sentido amplo. O importante a destacar é que a ideia de pulsão (Triebkräfte) comparece como algo inerente a quantidade capaz de impulsionar o sujeito.

Mas não há nenhuma necessidade de recorrer a outra coisa senão os poderes anímicos para esclarecer as curas milagrosas. Nem mesmo nessas condições manifestam-se efeitos que possamos considerar inconcebíveis para nossa cognição. Tudo se passa naturalmente; de fato, o poder da fé religiosa recebe aí um reforço de muitas forças pulsionais tipicamente humanas (FREUD, 1890, v.7, p.274; AE, v.1, p.122).

Na sequência do texto, encontramos:

Tampouco os que não têm crença religiosa precisam renunciar às curas milagrosas. Para eles, o prestígio e o efeito das massas substituem completamente a crença religiosa. Há em todas as épocas tratamentos da moda e os médicos da moda, que exercem um domínio especial na alta sociedade, onde as forças pulsionais anímicas mais poderosas são representadas pelo esforço de exceder uns aos outros e imitar os aristocráticos (FREUD, 1890, ESB, v.7, p.274; AE, v.1, p.122).

Outro aspecto está presente no texto freudiano: o referente à problemática energética e o referente à teoria do sentido – que, na verdade, corresponde a questão da oposição corpo-mente. Aqui não há uma oposição entre o naturalismo e o pensamento de Freud. O que se percebe é que a pulsão, muito embora não elevada à categoria de conceito fundamental da psicanálise, tece o intertexto escrito por Freud. A noção de pulsão abre espaço para a produção de sentido, ascendendo, posteriormente, a algo distinto da ordem naturalística, ou seja, diferente de instinto.

O poder da sugestão confronta-se aqui com a força que criou e mantem os