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O PRIMEIRO DUALISMO PULSIONAL

2.6. Sobre o narcisismo: algumas considerações

Sobre o narcisismo: uma introdução (1914) é um dos mais importantes textos

escritos por Freud e compõe um dos pilares teóricos para o entendimento do conceito de pulsão. O texto define o lugar do narcisismo no desenvolvimento sexual, na medida em que aprofunda o conhecimento das relações entre o eu e o objeto. O texto representa o momento de substituição do dualismo pulsional inicial, na medida em que Freud passa a distinguir a libido do eu da libido do objeto. As elaborações teóricas em torno do assunto marcam a oposição em relação ao objeto de investimento. A libido do eu designa a libido investida no eu e a libido objetal designa os investimentos sobre objetos externos. Assim, autoconservação representa o amor a si mesmo, eliminando o dualismo entre as pulsões sexuais e as pulsões do eu. A partir de agora, a pulsão é tomada como sexual. Em 1920 Freud introduz um segundo dualismo pulsional – pulsão de vida e pulsão de morte – mantendo-se dualista até o fim da vida. Nesse novo dualismo, as pulsões de vida abarcam as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação, enquanto a pulsão de morte representa a tendência de retorno ao estado inorgânico.

No bastidor teórico, a escrita do texto intenciona demonstrar o quanto o conceito de narcisismo oferece uma resposta à querela orquestrada por Jung, que defende a existência de uma libido não sexualizada, e por Adler, com seu protesto masculino.

Logo na primeira página Freud reserva para o narcisismo “um lugar no curso regular do desenvolvimento sexual humano” (Freud, 1914, ESB, p.89). O criador da psicanálise não situa o narcisismo como uma perversão, “mas como o complemento libidinal do egoísmo da pulsão de autoconservação” (Ibidem, p. 90). Mas, o que vem a ser esse auto-erotismo primordial que Freud supõe existir? Trata-se de uma libido que

constitui os objetos de interesse, mas que, tal qual pseudópodes, se prolonga, se reparte. Tais investimentos libidinais dão o passo do progresso pulsional e das elaborações do sujeito em torno do mundo. Tal concepção é bipolar, na medida em que, de um lado temos o sujeito libidinal e, do outro, o mundo. Até esse momento da elaboração teórica Freud deixa de fora tudo aquilo relacionado a outro registro, que não o registro do desejo do sujeito.

Em O seminário, livro 1 (1953-1954), Lacan refere que tal concepção falha, uma vez que, ao generalizar tanto a libido, ela é neutralizada – coisa que Freud não queria. A esse respeito, Lacan assinala:

A libido ganha seu sentido, ao contrário, por se distinguir das relações reais realizantes, de todas as funções que nada tem a ver com a função do desejo, de tudo que toca as relações do eu e do mundo exterior. Ela nada tem a ver com outros registros instintivos que não o registro sexual, com o que toca, por exemplo, o domínio da nutrição, da assimilação, da fome, na medida em que serve à conservação do indivíduo. Se a libido não é isolada do conjunto das funções de conservação do indivíduo, perde todo o sentido (LACAN, 1953-1954, p.135).

Da tentativa de compreender o que acontece com a libido nas parafrenias – demência precoce e esquizofrenia -, Freud se depara com uma questão: “que acontece à libido que foi afastada dos objetos externos na esquizofrenia?” (Freud, 1914, ESB, p.91). O desenrolar da pesquisa freudiana o conduz à conceituação do narcisismo como um processo secundário. Torna-se necessário saber se a libido não vai além daquilo que foi estabelecido como núcleo central no registro sexual. Será a megalomania característica dos estados esquizofrênicos que apontará o caminho. Freud afirma que essa megalomania “surge às expensas da libido objetal” (Ibidem, p. 91). Afastada do mundo externo e dirigida para o eu, a libido assim estabelecida chancela o narcisismo. “Mas a própria megalomania não constitui uma criação nova”, assinala Freud (Ibidem). A megalomania é uma manifestação de uma condição existente previamente, conclui o autor, e o possibilita afirmar o narcisismo como um processo secundário, superposto ao narcisismo primário – esse obscurecido por processos primários.

A partir disso, e dada à necessidade de estabelecer bases conceituais distintas das proposições junguianas relativas à neutralidade da libido, Freud marcha firme para a distinção entre libido do eu e libido do objeto. Em O Seminário, Livro1, Lacan (1953-1954, p.136) assinala a questão da equivalência entre a libido do eu e libido do objeto, apesar da distinção estabelecida por Freud: “Como podem esses dois termos serem rigorosamente distinguidos se se conserva a noção da sua equivalência energética, que permite dizer que é na medida em que a libido é desinvestida do objeto que ela volta a se reportar no eu?”. Para o analista francês, essa é a questão que possibilita Freud afirmar o narcisismo como um processo secundário. O eu tem de se desenvolver e a esse respeito Lacan assinala que “uma unidade comparável ao eu não existe na origem, resta reconhecer que, lá no início, o que há são pulsões auto-eróticas” (Idem). O eu se constitui num determinado momento de sua história, momento esse fundado na relação imaginária.

No texto de 1914, Freud deixa clara a intenção de justificar o conceito de narcisismo, de modo que o recurso à esquizofrenia cumpre a função de lançar luzes sobre o investimento libidinal na psicose, e assim esclarecer a libido do eu e a libido do objeto.

Freud faz um paralelo entre os povos primitivos e as crianças, e com o que ocorre na megalomania, destacando a onipotência de pensamentos, a função taumatúrgica das palavras e a forma mágica de lidar com o mundo externo. Lacan (1954, p. 138) afirma que “o de que se trata, para Freud, é de apreender a diferença de estrutura que existe entre a retração da realidade que constatamos nas neuroses e a que contatamos nas psicoses”.

A esse respeito Freud escreve:

Assim, formamos a ideia de que há uma catexia libidinal original do eu, parte da qual é posteriormente transmitida a objetos, mas que fundamentalmente persiste e está relacionada com as catexias objetais, assim como o corpo de uma ameba está relacionado com os pseudópodes que produz (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.91-92; AE, v.14, p.73).

Freud registra que esse aspecto da libido era fator desconhecido em suas pesquisas iniciais com neuróticos, razão da importância desse estudo para o estudo da pulsão. Na primeira parte do texto, Freud estabelece pela primeira vez a distinção entre libido do eu e libido do objeto.

[...] no tocante à diferenciação das energias psíquicas, somos levados à conclusão de que, para começar, durante o estado de narcisismo, elas existem em conjunto, sendo nossa análise demasiadamente tosca para estabelecer uma distinção entre elas. Somente quando há catexia objetal é que é possível discriminar uma energia sexual – a libido – de uma energia das pulsões do eu (FREUD, 1914, ESB, v.14, p. 92; AE, v.14, p.74).

A citação freudiana fundamenta o narcisismo como sendo um processo secundário a um estado primevo.

No prosseguimento do texto, Freud se questiona se há uma relação entre o narcisismo e o estado libidinal inicial, denominado de auto-erotismo. Com relação a essa questão, escreve:

[...] uma unidade comparável ao eu não pode existir no indivíduo desde o começo; o eu tem de ser desenvolvido. As pulsões auto eróticas, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao auto erotismo – uma nova ação psíquica – a fim de provocar o narcisismo (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.93; AE, v.14, p.74).

Freud é acometido por um segundo questionamento: por que distinguir uma libido sexual de uma libido não sexual? Então deriva os conceitos de libido do eu e libido do objeto do estudo aprofundado da neurose (histeria e neurose obsessiva) e da psicose. Mais uma vez a clínica é o solo firme onde Freud assenta seus postulados teóricos. “A diferenciação da libido numa espécie que é adequada ao eu e numa outra que está ligada a objetos, é o corolário inevitável de uma hipótese original que

estabelecia distinção entre as pulsões sexuais e as pulsões do eu” – escreve Freud (Ibidem, ESB, p.94).

Ainda na primeira parte do texto de 1914, Freud ratifica a hipótese de que, desde o princípio, o que há é a pulsão em seu estado inorgânico puro, bruto, imortal. Freud, movido por um espírito investigativo único, afirma que na ausência de dados teóricos relativos à pulsão, cabe-lhe dar novos passos no sentido de uma hipótese que possibilite uma conclusão lógica – “até que ela se desintegre ou seja confirmada” (Ibidem, p. 94). Então explicita três pontos a favor da dualidade constituída desde o início entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais. Primeiro, afirma que tal separação corresponde à distinção popular estabelecida entre fome e amor. Segundo, aponta razões biológicas a favor da dualidade pulsional, declarando a existência dúplice do sujeito, destacando a via voluntária no atendimento das próprias finalidades, e a outra, “como um elo numa corrente” (Idem), involuntária.

O indivíduo considera a sexualidade como um dos seus próprios fins, ao passo que, do outro ponto de vista, ele é um apêndice de seu germoplasma, a cuja disposição põe suas energias em troca de uma restituição de prazer. Ele é o veículo mortal de uma substância (possivelmente) imortal – como o herdeiro de uma propriedade inalienável, que é o único dono temporário de um patrimônio que lhe sobrevive (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.94-95; AE, v.14, p.76).

A dualidade pulsional reflete aquilo que Freud indica como função dúplice do sujeito. A citação também deixa claro que o que há de imortal no homem, o que é conservado, o que é veiculado, que não tem fim, é a pulsão. Desse modo, é a pulsão que confere humanidade ao sujeito. A esse respeito, Lacan sublinha que “um indivíduo não é nada perto da substância imortal escondida no seu seio”43. Segundo o analista francês, tal substância imortal é o que se perpetua e o que representa o que existe enquanto vida. O homem é, assim, o suporte filogenético dessa substância imortal.

O terceiro ponto abordado por Freud relativo à distinção das pulsões do eu das pulsões sexuais, é o biológico. A então leitura biológica das substâncias químicas como responsáveis pelas operações sexuais é substituída pela ação de uma força psíquica especial. Ou seja, Freud define a função da pulsão no desenvolvimento e atuação sexual do ser humano.

Na segunda parte de Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), Freud assinala que é o estudo das parafrenias o melhor acesso para a compreensão do narcisismo, muito embora não seja esse o ponto primordial no qual se deterá. As linhas iniciais dessa segunda parte tratam da repartição da libido quando o sujeito é acometido por afecções orgânicas. Em suas palavras, “o enfermo retira suas catexias libidinais de volta para seu próprio eu, e as põe para fora novamente quando se recupera” (Freud, 1914, p.98). Na fase de desinvestimento libidinal dos objetos, a libido e o interesse do eu têm o mesmo destino, sendo impossível a sua distinção.

Freud observa que o adoecimento e a formação dos sintomas na neurose está vinculado ao represamento da libido objetal. O que não inviabiliza o represamento da libido do eu nos estados de adoecimento. Lacan (1953-54, p. 154) faz uma referência a essa passagem do texto freudiano, assinalando que “é quase indiferente que uma elaboração da libido se produza sobre objetos reais ou imaginários”. A diferença irá aparecer posteriormente como decorrência do represamento libidinal. Freud indaga por que tal represamento é experimentado como desagradável (Freud, 1914, ESB, p.101). A barragem da libido se assemelha à construção de um dique, que gera uma elevação da carga libidinal necessariamente. “O desprazer é sempre uma expressão de um grau mais elevado de tensão”, afirma Freud (Idem). O fator decisivo na geração do desprazer não está relacionado à magnitude absoluta do acontecimento material, mas à função dessa magnitude. Se o homem sai do narcisismo, o que o leva a ultrapassar os muros narcísicos e ligar a libido a objetos? – questão da qual se encarrega Freud, cuja resposta encontra fundamento em Heine:

Krankheit ist wohl der letzte Grund Des ganzen Schöpferrangs gewesen; Erschaffend Konnte ich genesen,

Erschaffend wurde ich gesund44.

(Heine, Neve Gedichte, Schöpfungslieder VII)

Quando a catexia do eu com a libido excede em quantidade, “num último recurso” – escreve Freud (Idem), é preciso voltar a amar a fim de evitar o adoecimento, ou seja, voltar a ligar a libido a objetos amorosos.

Freud toma a vida erótica do homem e da mulher como outra maneira de abordar o narcisismo. Assinala que nas crianças de tenra idade, os objetos sexuais derivam das experiências de satisfação vinculadas às funções vitais que servem às finalidades autopreservativas. Sobre o assunto, escreve:

As pulsões sexuais estão, de início, ligadas à satisfação das pulsões do eu; somente depois é que elas se tornam independentes destas, e mesmo então encontramos uma indicação dessa vinculação original no fato de que os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e proteção: isto é, no primeiro caso, sua mãe ou quem quer que a substitua. Lado a lado, contudo, com esse tipo e fonte de escolha objetal, que pode ser denominado de ‘anaclítico’ ou de ‘ligação’, a pesquisa da psicanálise revelou um segundo tipo, que não estávamos preparados para encontrar. Descobrimos, de modo especialmente claro em pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu alguma perturbação, tais como pervertidos e homossexuais, que em sua escolha ulterior dos objetos amorosos elas adotaram como modelo não sua mãe, mas seus próprios eus. Procuram inequivocamente a si mesmas como um objeto amoroso, e exibem um tipo de escolha objetal que deve ser denominada ‘narcisista’ (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.103-4; AE, v.14, p.73).

44“Imagina-se Deus dizendo: a doença foi sem dúvida a causa final de todo anseio de criação. Criando, pude recuperar-me; criando, tornei-me saudável”.

Freud (1914) escreve, letra a letra, que “um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais primitivos – ele próprio e a mulher que cuida dele” (p.104). Lacan (1954) afirma que “ele próprio” quer dizer “sua imagem”.

Ao esmiuçar a gênese dos tipos de escolha objetal, Freud afirma a existência de um narcisismo primário em todos os sujeitos. Vimos que as primeiras satisfações sexuais são auto-eróticas e cujas finalidades são a conservação de si. Vimos também que as pulsões do eu só adquirem autonomia numa etapa posterior. A criança ama primeiramente quem satisfaz suas pulsões do eu, devido às circunstâncias que a livram da morte – tipo de escolha anaclítica. O tipo de escolha narcísica ocorre nos sujeitos cujo desenvolvimento libidinal foi perturbado.

Freud promove considerações a favor da existência do narcisismo primário, notadamente verificado na reedição do próprio narcisismo no modo como os pais tratam seus filhos. Sobre o assunto Freud diz que “o amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renovado, o qual, transformado em amor objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior” (Freud, 1914, p.108). Lacan (1954) corrobora que isso acontece pelo efeito de sedução e fascínio provocado pelo tipo narcísico de escolha objetal.

Na parte final do texto de 1914, Freud introduz uma nova questão: o que acontece com a libido do eu no adulto normal? O autor rejeita a hipótese de que a libido no adulto se confunde nos investimentos objetais, tendo em vista o recalque. Freud lembra que as pulsões são recalcadas quando entram em conflito com as exigências culturais. Em O seminário, livro 1 (1953-1954), Lacan grafa que “o recalque emana do eu nas suas exigências éticas e culturais” (p. 156). No texto freudiano lê-se:

O recalque [...] provém do eu; poderíamos dizer com maior exatidão que provém do amor do próprio eu. As mesmas impressões, experiências, impulsos e desejos aos quais um homem se entrega, ou que pelo menos elabora conscientemente, serão rejeitados com a maior indignação por outro, ou mesmo abafados antes que entrem na consciência. A diferença entre os dois, que encerra o fator condicionante do recalque, pode ser facilmente expressa em termos que permitem seja ela explicada pela teoria da libido. Podemos dizer que o primeiro homem fixou um ideal de si mesmo, pelo qual

mede seu eu real, ao passo que o outro não formou qualquer ideal desse tipo. Para o eu, a formação de um ideal seria o fator condicionante do recalque (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.110-111; AE, v.14, p.90).

Isso significa as impressões, impulsos, excitações, enfim, os ideais erigidos para si, os quais poderão ser objeto de rejeição para outra pessoa. Estamos diante da diferença de ideais que existe entre os sujeitos. O ideal absorve o amor outrora dirigido ao eu. Nos termo de Freud (1914), “esse eu ideal é agora o alvo do amor de si mesmo desfrutado na infância pelo eu real” (p. 111). Lacan afirma que “o narcisismo desviado para seu novo eu ideal que se encontra em posse de todas as preciosas perfeições do eu, como o eu infantil” (Ibidem, p. 156). Circunstâncias que ratificam a incapacidade de renunciar a uma satisfação libidinal obtida. Daí a justificativa para o deslocamento do narcisismo para esse novo eu ideal, que tal qual o eu infantil, é possuidor da perfeição narcísica. No texto freudiano está disposto que “ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância” (Freud, 1914, ESB, p. 111). Então procura resgatá-la na forma de seu eu ideal. “O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal” – afirma Freud (Idem).

Freud assinala que a formação de um ideal do eu é confundida com um dos destinos da pulsão – a sublimação. Freud escreve que “a idealização é possível tanto na esfera da libido do eu quanto na esfera da libido do objeto” (Ibidem, p.111). Lacan (1954) assinala que Freud, ao escrever isso, volta a colocar as duas libidos no mesmo plano. “A sublimação continua a ser um processo especial que pode ser estimulado pelo ideal, mas cuja execução é inteiramente independente de tal estímulo”, afirma Freud (Ibidem, p.112). Na medida em que a idealização aumenta as exigências do eu, no mesmo passo são aumentadas as possibilidades de recalque. Nesse contexto, a sublimação, enquanto um dos destinos pulsionais, oferece uma possibilidade de satisfação de tais exigências idealizadas, sem que haja recalque. Nas palavras de Freud, “a sublimação é uma saída” (Idem).

Ao longo do texto Freud faz uma alusão a uma instância psíquica especial que assegure a satisfação narcísica oriunda do ideal do eu. Hipótese que conduz a ideia do supereu. Sobre essa instância psíquica vigilante o autor assinala que não se trata de uma

descoberta, pois “[...] podemos tão-somente reconhecê-lo, pois podemos supor que aquilo que chamamos de nossa ‘consciência’ possui as característica exigidas” (Ibidem, p. 122). Ou seja, a consciência cumpre essa função. Freud identifica a finalidade dessa instância psíquica com a censura, e que tal vigilância atua perpetuamente no sonho, sendo o seu guardião. Lacan (1954) afirma que aquilo que Freud refere por essa instância abarcada pela censura é uma instância que fala; portanto, simbólica.

O ideal do eu impõe severas condições à satisfação libidinal por meio de objetos, tendo em vista a vigilância do supereu, que proíbe a satisfação com determinados objetos. Freud assinala o afastamento do eu do narcisismo primário rumo a uma forma ideal, destacando que é para o ideal do eu que retorna o amor de si mesmo. “Tornar a ser seu próprio ideal, como na infância, no que diz respeito às tendências sexuais não menos do que às outras – isso é o que as pessoas se esforçam por atingir como sendo sua felicidade” – afirma Freud (1914, ESB, p.118). Esse é o ponto onde Freud alude ao eu ideal para dizer que é para ele (eu ideal) que se dirige o amor de si. Nesse contexto o ideal sexual pode estar imbricado no tipo de investimento relacionado com o ideal do eu. O ideal sexual pode figurar como satisfação substitutiva onde as satisfações narcísicas estão proibidas. Nesse caso, prevalece o tipo narcísico de escolha objetal e tudo que falta ao eu é idealizado, afirma Freud (Idem). Nas palavras de Freud,

Esse expediente é de especial importância para o neurótico, que, por causa de suas excessivas catexias objetais, é empobrecido em seu eu, sendo incapaz de realizar seu ideal de eu. Ele procura então retornar, de seu pródigo dispêndio da libido em objetos, ao narcisismo, escolhendo um ideal sexual segundo o tipo narcisista que possui as excelências que ele não pode atingir. (FREUD, 1914, ESB, v.14, p.118; AE, v.14, p.97).