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Instrução: crie uma hipérbole do feminino através da caracterização exagerada: roupas, calçados, acessórios, bunda e peito postiços, maquiagem, peruca, cílios postiços, etc. Escolha uma música com bastante registro grave, em contraposição. Cante variando os timbres e brincando com as texturas da voz e dos movimentos. Desafine. Seduza o público, mas revele a ironia da abordagem do “belo”. O que é belo?

Gosto muito da ideia do prólogo como um convite íntimo que se faz ao público para a vivência de uma experiência em arte. Para mim, um prólogo não é uma introdução ao conflito principal da peça, como em uma dramaturgia clássica (em Shakespeare, por exemplo), mas uma ambientação do que está por vir no território da experiência artística como um todo: linguagem e temática são pinceladas ao público, em um convite ao devir da arte, nas fissuras entre ficção e realidade do acontecimento teatral.

A diva-drag é o prólogo do meu Pequeno Manual de

Inapropriações. É o começo de tudo, o primeiro contato com o

público.

Eu queria experimentar o trânsito entre registros distintos, de notas bem agudas a notas muito graves, em uma canção, brincando com as sonoridades das letras, desafinações e desconstruções rítmicas. Queria trabalhar com uma música popular, mas não pop, no sentido de produções musicais do momento, da moda passageira. Procurei canções cantadas por Elis, Gal, Maria Rita, mas eu também não queria uma letra muito emotiva, e as canções delas com as quais trabalhei tinham uma forte carga emocional. Minha ideia para esta canção era trabalhar com uma letra sutil, sem um grande apelo emocional, quase frívola. Ao mesmo tempo, queria uma melodia que utilizasse uma extensão ampla de notas. Lembrei então das divas do jazz.

Depois de me deliciar ouvindo muitas vozes potentes, me encontrei com Summertime, interpretada pela diva do jazz Ella Fitzgerald. A música é uma composição da ópera de George Gershwin, ópera Porgy and Bess, de 1935 122.

122 “Porgy and Bess é uma ópera do compositor americano George

Gershwin, com libreto de DuBose Heyward, e letras de Heyward e Ira Gershwin, executada pela primeira vez em 1935. Teve como base o romance Porgy, do mesmo DuBose Heyward, e a peça posterior de mesmo nome, que ele escreveu juntamente com sua esposa, Dorothy Heyward. As três obras lidam com a vida de negros americanos na localidade fictícia de Catfish Row (baseada em Cabbage Row) em Charleston, na Carolina do Sul, no início da década de 1920.”. Disponível em:

Gostei imediatamente da delicada melodia, inspirada em uma canção de ninar ucraniana123, e da letra sutilmente provocativa:

Summertime

Summertime and the livin' is easy

Fish are jumpin' and the cotton is high

Oh your Daddy's rich and your ma is good lookin'

So hush little baby don't you cry One of these mornings You're goin' to rise up singing Then you'll spread your wings

And you'll take to the sky But till that morning There's a nothin' can harm you

With you daddy and mamma standing by

Verão

É verão E a vida é fácil Os peixes estão pulando E o algodão está grande

Oh, seu pai é rico E sua mãe é linda Então acalme-se pequeno

Não chore Numa dessas manhãs Você vai acordar cantando

http://pt.wikipedia.org/wiki/Porgy_and_Bess. Acesso em 12 de fevereiro de 2015. 123 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Summertime_%28George_Gershwin%29. Acesso em 12 de fevereiro de 2015.

Então você abrirá suas asas E voará pelo céu Mas até esta manhã Não há nada que possa te ferir Com mamãe e papai por perto124

Imediatamente decidi que este poderia ser um bom convite ao público, ameno e supostamente descomprometido, e resolvi trabalhar a canção para o prólogo. Pensei logo na figura da diva, da hipérbole da beleza e sensualidade feminina, a mesma hipérbole que esconde a opressão contra a mulher125, que a aprisiona em um lugar idealizado, quase inalcançável, e por isso suscita tanto desejo em homens e mulheres.

Aprendi a melodia e a letra da canção ouvindo-a várias vezes pela internet e também no meu celular. Eu repetia letra e melodia, cantando ora com Ella Fitzgerald e ora sozinha. A interpretação de Ella era muito livre, brincando com melismas e com o ritmo. Os instrumentistas seguiam sua voz. Em contrapartida, eu estava sozinha em cena. Pensei em gravar a melodia em um celular, que eu pudesse manipular em cena, mas logo dispensei a ideia, porque isso me prenderia muito. Resolvi cantar à capela, sozinha. Montei a diva com minha melhor roupa de festa: um vestido godê longo verde- bandeira feito por minha mãe para o casamento de uma amiga (com écharpe e tudo), um par de sapatos de salto agulha berinjela (também usei no casamento), um par de luvas 3/4 vermelhas e uma peruca longa encaracolada também vermelha (que comprei para o conjunto), cílios postiços e maquiagem pesada.

Mas minha diva precisava também de peitões e de uma grande bunda, providenciadas primeiro com próteses de

124

Letra e tradução disponíveis em: http://www.vagalume.com.br/ella-fitzgerald/summertime-

traducao.html. Acesso em 12 de fevereiro de 2015.

125Em referência ao livro de Naomi Wolf (1992), O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.

lojas de festas (de plástico e e.v.a.). Brígida havia me sugerido este exagero, e eu gostei.

No ensaio aberto que realizei antes da estreia, em novembro de 2014, em uma sala de aula prática do prédio de cênicas da UDESC, a diva abriu a porta da sala de ensaio e foi até o corredor buscar o público: cantando, acariciando os rostos, sussurrando a letra no pé de ouvido de cada pessoa. Eu ainda pensava em uma diva contida neste momento, com movimentos sutis, e ainda cambaleava procurando coragem de desafinar (ou tentando não ser julgada por desafinar). Na conversa que sucedeu o ensaio, Sandra e Débora me aconselharam a abraçar a artificialidade sugerida pelo próprio figurino: pensar em movimentos marcados, como os da diva- desenho Jessica Rabbit, do filme Uma Cilada Para Roger

Rabbit126, por exemplo. E Fátima me incentivou a não ter medo de ser uma diva em um espaço decadente, já que o espaço cênico que eu utilizava era uma sala de aula prática de nosso prédio, nua, sem uma cenografia que tentasse transformá-la em outro espaço. Não era um espaço adequado para uma diva, e esse contraste me interessava muito, pois poderia auxiliar no deslocamento da representação deste papel.

Tratei então de exagerar mais nos ensaios. Mais movimentos expansivos, mais curvas, mais enchimento (na semana de estreia usei uma almofada no lugar da bunda postiça de plástico), mais desafinações, mais variação de timbre, mais maquiagem pesada nos olhos, mais pelos nas axilas (como me sugeriu Débora). Esta diva não poderia estar no auge de seu posto. Por isso, comecei a brincar com algumas desafinações na melodia, arrastando os sons de algumas letras e deslizado por entre frequências, e a explorar uma diversidade tímbrica durante o canto, passando da voz hipernasal à gutural. Brinquei também com os silêncios: eu queria tensionar a espera pela voz e pelo movimento que se

126 Título original: Who framed Roger Rabbit? Filme de 1988 dirigido

por Robert Zemeckis, baseado no romance Who Censored Roger

seguiria, estimular a atenção aguçada na escuta reduzida em devir.

Outra mudança significativa se deu a partir de uma sugestão de Fátima. Resolvi não mais receber o público fora da sala de apresentação para o início da peça, mas sim recepcioná-los na entrada do espaço, cantando sob uma luz oval de frente, de um refletor PC (plano convexo), que lembrasse a luz de um canhão utilizado antigamente em grandes shows. Enquanto o público entrava, a diva cantava.

Agora, fixa na marcação de luz, sem deslocamento no espaço durante a cena, eu perdera o contato direto com o público e o sussurro que a proximidade anterior me permitia, mas aproveitei para brilhar no holofote e continuar a cantar para quem entrava.

Percebi que o exagero de tudo, das curvas à maquiagem, das desafinações à amplitude da voz, levou-me a outro lugar. Não era apenas mais uma diva em desconstrução, tentando divar em uma sala de aula com paredes manchadas e mobiliário comprometido de uma universidade pública, era uma diva hiperbólica, uma diva-

drag127.

Essa diva assumiu um espaço queer para mim pelos diversos deslocamentos: de registros e timbres a movimentos e caracterizações exageradas da feminilidade (caricata). A cada mudança de vocalidade e ação da diva, uma proposta de desestabilização de identidade.

Os pelos crescidos das axilas ajudaram também a fomentar este território entre marcas de gênero no meu corpo vocal, pois durante toda a minha vida aprendi que só homens podiam ter pelos nas axilas. Na semana da estreia, meus pais e minha irmã vieram de Joinville (SC) para me ver. Depois da apresentação e da conversa com o público, fomos jantar. Em

127 A dragqueen - homem que se veste com roupas e acessórios

para montar uma personagem feminina para performances - exagera as características femininas, hiperbolizando as marcas de gênero. A diva-drag que eu abordo aqui faz menção à minha construção hiperbólica para esta cena, que procurou também expor a busca pelo glamour na caracterização e performance.

segredo, minha irmã fez a fofoca: minha mãe comentara com ela que eu deveria estar tão cansada por causa dos preparativos para a estreia da peça e do final do semestre letivo, que esquecera até de depilar o sovaco! O curioso é que para a minha família, além das axilas depiladas estarem ligadas à identidade de gênero da mulher (enquanto os pelos livres eram permitidos apenas para homens), o fato de não depilar as axilas trazia uma relação direta com a falta de higiene. Lembro-me de uma tia que sempre era o assunto principal deste tema lá em casa: ela nunca depilou as axilas, não via o porquê disso. Veio do interior, da lida com o campo, como toda a família, mas não aderiu a todas as modernidades da cidade. Então era peluda. E eu peluda fiz minha mãe lembrar-se da minha tia. Apesar de toda a exibição e ostentação dos pelos no início da peça (com movimentos calculados para a exposição enfática deles), meus pelos foram relacionados ao esquecimento/descuido e não à liberdade de escolha. Prisões que os ideais de beleza nos impõem. Depois, expliquei para minha mãe que os pelos faziam parte da cena, da proposta, e conversei com ela um pouco sobre esta questão. Um pouco desgostosa, ela ouviu um pouco mais sobre a minha diva-drag e os pelos que sobverteram as marcas de gênero do meu corpo.

Em um primeiro momento tive certo receio de representar uma dragqueen, descaracterizando a figura do

homem que se veste de mulher pelo fato de eu ser mulher.

Não era essa a minha intenção. Mas percebi durante as experimentações e apresentações que se sucederam que eu não estava habitando este território drag, estava passando por ele, em trânsito: era um terceiro espaço entre a atriz e a persona da diva. E isso tranquilizou minha preocupação em justamente não representar um gênero fixo, mas sim desestabilizar os lugares de gênero.

Logo após a entrada de toda a audiência, a diva finalizava Summertime em grande estilo, sustentando a nota final bem nasalada e intensa, querendo rasgar as peles- ouvintes. E claro, agradecendo à la Fernanda Montenegro, uma grande diva!

Por vezes eu recebi aplausos, em outras eu pedi palmas, mas as risadas iniciais que a subversão cômica permitia sempre eram deliciosas.

O prólogo seguia com a diva cumprimentando o público em vários idiomas, exagerando as características tímbricas específicas de cada língua, começando e finalizando com uma voz veludosa e sensual de aeromoça:

Welcome! Wilkomen! Bienvenido! Benvenuto! Bonvênon!

Bem-vindxs a este pequeno manual de inapropriações. Fiquem à vontade e aproveitem o momento.

Para mim a aeromoça é americana. Porque toda vez que pego um avião no Brasil, ouço a aeromoça dar instruções em português e inglês, com uma voz bem sensual. Então comecei com minha aeromoça americanizada, com um timbre aveludado, de belting128; em seguida brinquei com o gutural característico de alguns fonemas do alemão; depois com o timbre mais nasalado, que me faz lembrar os filmes do Almodóvar; na sequência com a ressonância de peito, aberta e retumbante do italiano; e ainda um timbre com vibração aveolar para realizar a vocalidade no meu imaginário do esperanto; para voltar por fim à minha aeromoça, falando agora português e desejando uma boa viagem axs passageirxs do Manual.

Como eu optei por trabalhar no território movediço da

performance art e do teatro performativo, território este sem

receitas ou bulas, sem regras ou manuais, mas sim com alguns princípios que poderiam me nortear, decidi que a peça teria cenas que não se complementariam, mas que se

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Belting ou mix é uma técnica que equilibra a ressonância da voz entre as cavidades oral e nasal. Muito usado no canto popular e no teatro musical, por dar brilho e potência à voz pelo destaque de harmônicos, e auxiliar no controle da afinação.

transformariam, como se fôssemos percorrendo as raízes (ou rizomas) de uma árvore, como se cada cena fosse em si uma performance.

No próprio título da peça procurei trazer com ironia a desconstrução de lugares fixos: um manual de inapropriações é um manual às avessas, e para mim não pode instaurar regras ou receitas, apenas inventar problemas.

Porém, mesmo nestes lugares movediços, eu precisava decidir como fazer as ligações, as transições entre as cenas. Resolvi então assumir para o público o processo de transformação dos elementos da peça: do figurino ao cenário, da decomposição de personas à construção de ações, da atuação à operação da luz.

Resolvi também manipular algumas mídias, como um celular, que teria as canções previamente selecionadas para algumas transições.

A diva, por exemplo, após sua recepção completa, fazia um strip-tease para eu poder me preparar para a cena seguinte. Ao som de Alors on danse, do cantor e compositor belga Stromae, a diva tirava a roupa tentando seduzir com seus dotes protéticos (peito, bunda, cabelos, cílios), mas ao mesmo tempo a atriz revelava o sofrimento real de todas as próteses e acessórios: os pés com enormes joanetes escondidos nos sapatos altos; a difícil movimentação ocasionada pela roupa apertada com os enchimentos; a minha própria decepção em arrancar os longos cabelos ruivos e revelar os ralos cabelos castanhos.

Assumindo a decomposição da persona às claras, além da própria troca de elementos de cena, procurei lidar com estas ações como ações performáticas, e não apenas ações operacionais.

O mesmo aconteceu com a manipulação das mídias. Convidei meu marido e músico, Cleiton Jacobs, para me auxiliar na montagem, fazendo as operações de luz, imagem e som. Mas ele não pôde participar do ensaio aberto que fiz antes da estreia, pois estava em horário de trabalho. E assim, neste dia, eu atuei e operei os equipamentos de luz e som que havia separado para o ensaio.

É claro que ao final do ensaio, corri para me desculpar pela operação enjambrada das mídias, explicando que o propósito não era este. Mas fiquei surpresa com o retorno positivo dxs meninxs presentes no ensaio, que disseram gostar de me ver manipular os equipamentos entre as cenas, preparando o espaço da ação que estava por vir.

Esta distribuição de tarefas entre mim e meu marido na criação da peça poderia também ser um sintoma de minhas próprias naturalizações de papéis sociais de gênero? Ele trabalhando na parte técnica, que envolve conhecimento e perícia na lida com os equipamentos, e eu atuando minha esfera corporal em cena?

Desde o início de minha formação teatral me interessei pela parte técnica do teatro. Aprendi a montar e operar equipamentos básicos de luz e áudio, a me aventurar na cenotecnia, etc. No espetáculo Smoked Love, prática de minha pesquisa de Mestrado em Teatro na Udesc129 (2008- 2010), além de assumir a criação dos materiais cênicos, dramaturgia, direção e atuação, eu também operava pequenos equipamentos em cena, como uma câmera de vídeo e um celular. Mas até o Pequeno Manual de

Inapropriações eu nunca havia assumido completamente este

trânsito entre a atuação e a operação dos equipamentos de luz, imagem e som. E só assumi estas funções por acaso, pelo retorno dxs meninxs neste ensaio.

Com determinação, habitei novamente o território existencial de meu processo de criação. Parece-me mesmo sintomático o fato de eu nunca ter experimentado esse deslocamento de funções na apresentação cênica. Eu precisei desconstruir os papeis e funções que eu mesma havia estruturado para o meu fazer artístico. Talvez esta desconstrução tenha revelado um pouco mais de meus próprios engendramentos.

De todo modo, assumi esta exposição do processo de transformação do espaço cênico pela maquinaria teatral (digital e analógica), procurando romper com a ilusão de autonomia da cena. Eu atuava, operava luz, imagem e som, organizava o cenário, mudava o figurino, e ia desconstruindo e reconstruindo o espaço e a mim diante do público. Minha relação com o tempo precisava ser íntima, para não acelerar demais a experiência de cada transformação do trabalho, e para não ralentar demais e prejudicar a fruição estética ou perder o tempo de atenção do público. Procurei não ignorar nada, observar tudo, olhar e ouvir com atenção e com o corpo presente.

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Prática de minha pesquisa de mestrado intitulada Smoked Love:

estudos sobre performance e dramaturgia do ator contemporâneo,

defendida no programa de Pós-graduação em teatro da Udesc em 2010, sob orientação do professor Dr. Milton de Andrade Leal Jr.

A diva começa a se desmontar

Outro modo que encontrei para expor as ações e o processo de constante transformação da cena foi ler o meu próprio roteiro para o público, após ter executado a cena, e indicar a preparação para a ação seguinte.

Eu tomei essa decisão no dia de estreia. Eu havia criado os materiais dramatúrgicos (ações, objetos, textos, caracterização, som, luz, espaço), estruturado algumas cenas, definido a sequência delas, realizado um ensaio aberto, experimentado duas cenas de improviso com o público apenas (porque eu precisava do público para ensaiá-las), e ainda não tinha decorado o pouco texto da peça.

Acho que estive tão focada nas criações do corpo vocal neste processo que não me ative muito em memorizar

as palavras. O texto estava surgindo das experimentações, e minha ideia não era fechá-lo, mas deixá-lo em suspenso, aberto a novas possibilidades. Eu improvisava nos ensaios quando não lembrava o texto, ou descartava. Então tive dificuldades em memorizar o que eu havia criado para a estreia.

Seria este ato falho130 um indício da corporificação do meu tema de pesquisa?

Tive muitas experiências de atriz com muito trabalho de texto: de esquetes de Karl Valentim ao solo de Smoked

Love131, muito pautado em uma longa narrativa íntima e não linear. Muitas histórias contadas e recontadas. Muitas memórias e muito treinamento de memorização com as montagens. Mas no processo desse Pequeno Manual, eu esqueci. Esqueci do inicio extremamente estruturado do processo para me reinventar, esqueci do foco no texto e esqueci-me de memorizar o texto criado até então para a peça. Era preciso corporificar as palavras.

No dia da estreia, fui cedo para a sala de ensaio/apresentação na Udesc. Levei todo o material de cena para lá com a ajuda de meu marido, e depois que ele foi trabalhar e eu fui montar o espaço e os equipamentos. Quando terminei, ainda pela manhã, fui ensaiar. Tentei fixar o pouco texto. Almocei. Voltei para o ensaio. Tentei decorar o pouco texto. Parecia que eu tinha perdido a memória, não sei. Queria eu ser o Funes de Borges naquele momento. Então, como eu não conseguia decorar o texto, ensaiei com ele na mão. Depois de cada cena, eu lia o roteiro da cena anterior pra ver se eu não havia esquecido algo. E assim, resolvi performar com este problema: assumir esta rememoração do

130 Termo cunhado pelo médico e psicanalista austríaco Sigmund

Freud (1856-1939) para fazer menção a falhas na fala, escrita ou