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PREPARO, PRECLUSÃO CONSUMATIVA E DESERÇÃO: PERSPECTIVA INSTRUMENTALISTA DO CPC, ART.511.

2. PRECLUSÃO CONSUMATIVA E DESERÇÃO

2.1 Posicionando o debate: entre o formalismo e a instrumentalidade e efetividade do processo.

O debate sobre esse drama não é novo. E não há posição unânime a respeito.

Entendimentos há no sentido da aplicação da pena de deserção, adotados por apertada maioria de votos. A inteligência e aplicação da técnica da preclusão consumativa no contexto do preparo do recurso ainda não está, nem de longe, pacificada.

O debate se apresenta, de um lado, pela doutrina de matiz legalista-

formalista-tecnicista a pregar que o princípio da legalidade das formas e da

rigidez procedimental deve ser elevado à última potência; e, de outro, pela doutrina, mais moderna, da instrumentalidade do processo a afirmar que todo o processo, toda a lei processual só tem razão de ser e de existir se positivar o acesso à ordem jurídica justa, negando-se ao processo um fim em si mesmo, como se fosse e tivesse um valor superior à essência do direito material que através do processo se procura efetivar.

Assim, ao aplicar a pena de deserção por uma questão formal - apenas porque o comprovante do preparo pago não foi apresentado no ato da interposição do recurso - outorga-se ao preparo, como requisito formal, valor superior ao direito constitucional da parte de acesso à jurisdição através do recurso que pretendia, no mérito, outorgar-lhe a verdadeira tutela jurisdicional.

Uma questão relativa à comprovação do preparo - notadamente de valor inexpressivo e pouco significativo - passa a ter valor superior do que outorgar ao jurisdicionado a prometida tutela jurisdicional.

Por óbvio há algo de extremamente errado, de superlativamente injusto na aplicação fria da regra do CPC, art.511.

2.2 Desconformidade formal e as técnicas processuais da desconsideração do vício e da sanação. Não há nulidade ou invalidade sem prejuízo.

É fato que a lei contém a regra de comprovação do preparo no ato da interposição.

A questão que se coloca, na perspectiva da instrumentalidade do processo, é saber se a desconformidade do ato praticado em relação ao modelo formal exigido deve conduzir, automática e necessariamente, à inexistência ou à invalidade do ato desconforme praticado, ou seja, no caso, se o fato da comprovação não ter ocorrido exatamente como expressa a lei conduz à proclamação de que o preparo não foi feito.

Considerando que o processo (forma processual) não é um fim em si mesmo; e considerando, principalmente, que a alegada desconformidade na comprovação do preparo é uma mera irregularidade que não compromete, em essência, o exercício da jurisdição e nem desequilibra as partes, a doutrina moderna – especialmente Dinamarco – invoca a técnica da desconsideração

do vício formal.

Assim constitui mera irregularidade a juntada da comprovação do preparo sem uma petição formal (porque a lei não exige forma especial), da mesma maneira que as finalidades essenciais do ato de preparo (viabilizar as despesas necessárias ao processamento da apelação) sejam inteiramente cumpridas. Aplica-se o princípio da instrumentalidade das formas (CPC, art.154).

Seguindo o raciocínio, para aquelas situações em que a desconformidade formal puder afetar o exercício da jurisdição e o acesso à ordem jurídica justa, deve-se aplicar a técnica da sanação, ou seja, deve-se permitir sanar o defeito, como, aliás, acontece especificamente com o preparo, ao permitir-se a complementação de valores insuficientes (CPC, art. 511, § 2º), autorizando-se até a conversão do julgamento em diligência para sanação de irregularidades supríveis, como permite o CPC, art. 515, § 4º, inserido

recentemente no ordenamento exatamente para deixar clara a opção do legislador de considerar o direito de acesso à justiça um direito fundamental de dignidade constitucional, removendo os eventuais obstáculos formais que atrapalham a efetividade do processo.

Apenas quando não for possível desconsiderar o vício ou saná-lo é que se deve cogitar, na moderna processualística, da invalidade do ato e, mesmo assim, a nulidade dela decorrente somente deverá ser proclamada se efetivamente causar prejuízo à jurisdição e/ou às partes, conforme o sistema de nulidades que indubitavelmente prestigia a instrumentalidade das formas (CPC, art. 243 a 250).

2.3. A técnica da preclusão consumativa não pode ser utilizada como arma contra o jurisdicionado que se antecipa para apressar o processo.

Nem se argumente, como na doutrina tradicional formalista, a ocorrência de preclusão consumativa somente porque a parte recorrente, ao decidir antecipar o prazo para interposição da apelação teria, também, antecipado o prazo para a realização do preparo - ônus processual acessório, convenha-se -, pelo que deveria ter comprovado o preparo pago no ato da interposição antecipada.

A doutrina da instrumentalidade, mais uma vez, responde com precisão à questão da preclusão consumativa para posicioná-la na sua exata dimensão, e, não, para usá-la como arma de denegação de acesso à ordem jurídica justa que constitui direito constitucional fundamental da cidadania, em especial ao cidadão a quem foi prometido pelo Estado, afinal, que nenhuma lesão ou ameaça de lesar poderá escapar de apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).

A técnica da preclusão tem uma finalidade básica: acelerar o processo visando tutela mais rápida, tempestiva e, por isso, mais efetiva (CF, art. 5º, LXXVIII), evitando contramarchas na solução dos conflitos que precisam de solução, impedindo que a prática, desordenada no tempo, de atos processuais possa, então, prejudicar o exercício da jurisdição às partes, dando-lhes a segurança de que às questões superadas não mais se tornará e que o processo seguirá sua marcha adiante.

Nesse contexto, a preclusão consumativa inegavelmente contém uma clara manifestação da parte que antecipa o tempo da prática do ato no sentido

de que deseja apressar a solução do conflito, tanto mais quando quem antecipa é o requerente da prestação e tutela jurisdicional, que tem urgência em ter seu direito efetivado.

Exatamente por isso, e na perspectiva do direito processual constitucional que alça o acesso à ordem jurídica justa à condição de direito fundamental, o esquema rígido da preclusão consumativa deve ser mitigado, prestigiando-se muito mais a aceleração do processo que provoca, e, muito menos, a perda da faculdade de praticar o ato por tê-lo consumado antecipadamente.

Nessa linha de raciocínio, quem interpõe o recurso antecipadamente para acelerar o processo e paga o preparo também antecipadamente, ou seja, antes do esgotamento do prazo normal - tanto para o recurso como para o preparo de que dispunha -, não pode ter negada e nem pode perder a faculdade de realizar o preparo e nem esse preparo pode ser considerado inválido, pois isso representaria puni-lo por ter se antecipado e praticado um ato que em tudo reverter-se-ia em seu próprio benefício!

Invoca-se aqui a lógica do razoável de LUÍS RECASÉNS SICHES, sempre invocado por Dinamarco, no sentido de que é dever do juiz “interpretar essas leis de modo que o resultado da aplicação aos casos

singulares produza a realização do maior grau de justiça” − porque,

segundo diz ele próprio, a lógica do razoável é acima de tudo a lógica

da justiça.2

2.4. Posição da Doutrina e da Jurisprudência

Proclamar a deserção apenas porque ocorreu o pagamento e comprovação do preparo em data posterior à protocolização da apelação é uma superlativa injustiça.

Aplicar a pena de deserção nessa hipótese é declinar da demanda de mérito através de formalismo oco, vazio, sem qualquer procedência ou razoabilidade. E isso nada tem de jurídico, revelando mero obstáculo despropositado à análise da matéria de fundo pelo Poder Judiciário.

2 apud Tratado general de filosofía del derecho, 9a ed., México, Porrúa, 1.986, cap. XXI, n. 7,

É injusto e ilegal proclamar a ocorrência da deserção apesar de se reconhecer que o protocolo do recurso se deu tempestivamente e o pagamento do preparo (e sua juntada) se deu no dia útil seguinte, também dentro do prazo recursal, certo que não raro o comprovante de recolhimento do preparo é juntado à apelação antes mesmo da própria apelação ser juntada aos autos!

O Superior Tribunal de Justiça vem realizando, em análise de casos similares, uma avaliação de prejuízo. Em não havendo nenhum, não há porque impor tão graves óbices à parte interessada34.

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PROCESSUAL CIVIL. CUSTAS. RECOLHIMENTO INTEGRAL QUANDO DO

AJUIZAMENTO DA INICIAL. DESERÇÃO AFASTADA. 1. Do exame do disposto no art. 14 da Lei 9.289/96, infere-se que, em princípio, metade do valor das custas deve ser recolhido quando do ajuizamento da inicial e a outra metade quando da interposição de eventual recurso. Contudo, ainda que não haja recurso, a segunda metade é sempre devida pelo vencido, que deverá ressarcir as custas eventualmente antecipadas pelo vencedor. Nesse contexto, é conclusão lógica que a antecipação do valor integral das custas, quando do ajuizamento da inicial, não

gera nenhuma espécie de prejuízo, razão pela qual não implica inobservância da regra prevista no artigo referido, mesmo porque não há óbice legal para que assim se proceda. Nesse

sentido: REsp 869.278/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 1º.12.2006; REsp 858.315/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 28.9.2006. (...) (REsp 888.465/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13.11.2007, DJ 10.12.2007 p. 313) //////// PROCESSUAL CIVIL. PORTE DE RETORNO E REMESSA DA APELAÇÃO. RECOLHIMENTO EM GUIA DARF, AO INVÉS DE DEPÓSITO EM CONTA CORRENTE ESPECÍFICA. ERRO MATERIAL. INAPLICABILIDADE. DESERÇÃO

AFASTADA. PRECEDENTES. 1. A recorrida efetivou o pagamento do valor relativo ao porte de remessa e retorno do recurso de apelação em guia DARF dentro do prazo determinado e no valor correto, sendo que deveria tê-lo feito por meio de depósito em conta corrente específica. Realização do depósito. Inocorrência de prejuízo ocasionado ao Judiciário, que teve as despesas devidamente recolhidas. 2. Em tal situação, de natureza excepcionalíssima, a pena de deserção deve ser relevada, especialmente porque restou realizado o depósito de porte

de remessa e retorno. Evidente a ocorrência de erro material, devendo-se, portanto, ser escanteado o excesso de rigor formal.3. A jurisprudência desta Corte Superior entende que o

fato de haver erro quanto ao código de receita não pode ser levado em consideração para fins de deserção do recurso, caso o valor tenha sido efetuado no prazo legal e no valor exigido, aplicável ao caso vertente. 4. Recurso não provido" (REsp 572312 ⁄ SC, Rel. Min. José Delgado, DJ 08.03.2004)

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PROCESSO CIVIL. PREPARO. TROCA DE GUIAS. COMPROVANTE DE

PAGAMENTO. JUNTADA EM OUTRO PROCESSO. EQUÍVOCO SANÁVEL. DESERÇÃO AFASTADA. - Não há como declarar deserção, se o recorrente - embora tenha apresentado guia de recolhimento referente a outro processo - comprova que efetivamente efetuou corre o preparo. (REsp 867.005/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 09.08.2007, DJ 17.09.2007 p. 265). MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A ora recorrente recolheu tempestivamente as custas processuais de dois processos; entretanto, equivocou-se e juntou a guia de depósito de um processo em outro. (...) É que o dispositivo visa assegurar o recolhimento das custas aos cofres públicos. E o Tribunal não tinha dúvidas: o pagamento foi efetuado dentro do prazo e no valor correto. Apenas a guia