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preliminar de cerceamento de defesa

No documento rdj103 (páginas 193-199)

A ré BOEHRINGER INGELHEIM DO BRASIL QUÍMICA FARMACÊUTICA LTDA. suscitou preliminar de cerceamento de defesa, sob o fundamento de que se faz necessária a produção de prova pericial, a fim de se averiguar as características do medica- mento, sua utilização e efeitos colaterais decorrentes de uma superdosagem. Entretanto, da análise dos autos, observa-se a desnecessidade de produção de novas provas, razão pela qual a preliminar suscitada não merece prosperar.

É cediço que o processo civil brasileiro adotou como sistema de valoração das provas o da persuasão racional, também chamado sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado é livre para formar seu convencimento, exigindo-se apenas que apresente os fundamentos de fato e de direito no decisum. Com efeito, cabe ao julgador, na condição de destinatário final, analisar a neces- sidade, ou não, da dilação probatória, apreciando se os fatos que se pretende de- monstrar são capazes de influir na decisão da causa.

Neste sentido, o Código de Processo Civil, em seu artigo 130, dispõe que “Ca- berá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas neces- sárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

No caso em apreço, as provas colacionadas aos autos se mostram suficientes para que seja dirimida a questão, uma vez que seria inútil o exame clínico do autor, uma vez que não mais se encontra submetido aos efeitos da superdosagem do medi- camento. Além disso, as características do produto e as consequência de eventual superdosagem já se encontram descritas na bula do medicamento, não se fazendo necessária a realização de perícia para este fim.

Pelas razões expostas, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

mérito

No mérito, observa-se, inicialmente, que o negócio jurídico havido entre o autor, usuário de medicamento, e as empresas responsáveis pela sua fabricação e emba- lagem, se caracteriza como relação de consumo, estando sujeita, por via de conse- quência, às regras do Código de Defesa do Consumidor.

Deste modo, uma vez comprovada a hipossuficiência do consumidor, em face da supracitada relação de consumo entabulada entre as partes, bem como a veros- similhança das alegações do autor apelado, dada a plausibilidade de sua tese, no sentido de ter ingerido medicamento em dose superior à prescrita, em decorrên- cia de equívoco no processo de embalagem, mostra-se cabível a inversão do ônus da prova, na forma prevista no artigo 6º, inciso VIII, do CDC.

Da análise dos autos, observa-se que a conduta lesiva do agente restou devida- mente caracterizada.

O autor/apelado sustentou que ingeriu por certo período o medicamento Melleril 100mg, quando na verdade necessitava apenas de 25mg do remédio, para o seu tratamento de saúde, porque adquiriu caixa com a informação de que as cápsulas seriam de 25mg, mas que no seu interior continha, na verdade, medicamentos na dosagem de 100mg.

A fim de comprovar suas alegações, o autor juntou aos autos a caixa de 25mg do medicamento e a cartela de comprimidos de 100mg (fl. 18), além da receita médi- ca que prescrevia o uso do medicamento na dosagem de 25mg (fl. 15). Por outro lado, tendo em vista a inversão do ônus da prova, necessária para hipóteses como a ora delineada, consoante fundamentação supramencionada, observa-se que os réus/apelantes não lograram êxito em comprovar a inexistência de equívoco no processo de embalagem e distribuição do produto.

Por certo, não se pode afastar a responsabilidade das apelantes, com base na tese de infalibilidade do processo de embalagem do produto, porquanto qualquer sis- tema mecânico, por mais preciso que seja, pode estar sujeito a falhas.

Também não merece amparo a tese de que a diferença de data de processamento dos medicamentos de 25mg e 100mg inviabilizaria sua troca, porquanto os ora apelantes não trouxeram provas a respeito das referidas datas, contidas, segundo informam, em livros registrais. Ademais, mesmo que fosse comprovada a diferença entre os dias de processamento dos lotes, ainda assim não haveria prova cabal de que não houve a troca de medicamentos.

Outrossim, não deve ser afastada a responsabilidade das ora apelantes sob o fun- damento de que a cor, formato e número de comprimidos por cartela dos medi- camentos de 25 e 100mg são distintos, porquanto, não se pode exigir de uma pessoa, com nível intelectivo médio, que perceba que no interior de uma caixa la- crada, com a informação de que as cápsulas são de 25mg, contenha comprimidos de 100mg, ainda que o formato, coloração e cartela das drágeas sejam diferentes dos medicamentos anteriormente utilizados.

Deste modo, não tendo as apelantes obtido êxito em comprovar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, nos termos do artigo 333, inciso II, do CPC, o reconhecimento da prática de ato ilícito é medida que se impõe.

De igual modo, o argumento de que houve culpa exclusiva de terceiros nos termos do artigo 14, § 3º, inciso II, do CDC, não merece guarida.

Ora, não há culpa exclusiva dos genitores do autor, em hipóteses como a de- lineada nos autos, porquanto munidos da receita médica, adquiriram caixa de medicamento lacrado, que contêm a informação da dosagem indicada para o tra- tamento de saúde do filho e ministraram a medicação consoante prescrito no referido receituário.

O nexo causal também está devidamente comprovado, pois, foi no exato período de ingestão dos medicamentos com superdosagem, que o autor apresentou mu- dança de comportamento, consoante se extrai do relato de sua professora, cola- cionado à fl. 20.

O dano moral está devidamente caracterizado, porquanto se mostram evidentes os constrangimentos sofridos pelo autor que, após ingerir superdosagem de me- dicamentos, apresentou comportamento agressivo e desafiador, com professores, alunos e coordenadores, em seu ambiente de estudo.

Portanto, tenho por configurada a prática de ato ilícito, passível de justificar a con- denação das rés ao pagamento de indenização por danos morais.

As rés/apelantes pleitearam a redução do valor da indenização por danos morais. A d. Magistrada sentenciante fixou a indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Conforme cediço, não há regra legal que norteie o cálculo do quantum debeatur a título de danos morais. Assim, cabe ao magistrado pautar sua avaliação observan- do a capacidade patrimonial das partes, a extensão do dano experimentado, bem como o grau de culpa dos réus para a ocorrência do evento.

Vale ressaltar que, ao se fixar o valor da indenização, deve ser observado o princí- pio da razoabilidade, de modo que o montante não seja exorbitante a ponto de ser

converter em fonte de enriquecimento indevido, nem tão diminuto, que se torne inexpressivo para o ofensor.

Neste sentido, leciona Caio Mário da Silva Pereira em sua obra Responsabilidade Civil, 9ª edição, editora Forense, pág. 60:

(...) a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mes- mo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, aten- dendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.

Com efeito “a indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa pru- dencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa”. (TJSP – 2ª C., Rel. Cezar Peluso, j. 21.12.93 – RJTJSP 156/94 e RT 706/67)”.1

No caso em apreço, o autor, em virtude da falha na embalagem do medicamen- to que lhe foi prescrito, ingeriu quantidade superior a recomendada, passando a apresentar alteração de comportamento social, que o expôs perante os professo- res e colegas de escola.

As rés, por se tratarem de empresas de grande porte, possuindo um elevado poder econômico e capacidade de afetar inúmeras pessoas por eventuais falhas na pro- dução de medicamentos, devendo a indenização ser fixada em montante apto a desestimular a reincidência na prática de atos ilícitos semelhantes.

Assim, atenta às peculiaridades do caso concreto, em especial a conduta dos réus, às condições pessoais das partes envolvidas, à repercussão dos fatos e a natureza do direito subjetivo fundamental violado, avalio como correto o valor arbitrado pelo d. Magistrado sentenciante, eis que observados os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

1 In: Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, Rui Stoco, Ed. RT, pág. 755.

Com estas considerações, REJEITO A PRELIMINAR E NEGO PROVIMENTO AOS RE- CURSOS DE APELAÇÃO, mantendo íntegra a r. sentença.

É como voto.

Des. Getúlio de Moraes Oliveira (Revisor) – Com o Relator. Des. Mário-Zam Belmiro (Vogal) – Com o Relator.

decisão

Conhecer. Preliminares rejeitadas. Negar provimento aos recursos. Unânime.

apelação cível

No documento rdj103 (páginas 193-199)