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O termo recorrente mais repetido para caracterizar a presença é o aparecimento (l’apparaître). Analisaremos quarenta surgimentos da presença como aparecimento, evidenciando as relações da presença com o discurso da visão (relação de harmonia), através da pedagogia da visão e especialmente da estrutura de argumentação da constatação da visão, com o espaço (mediante indissociabilidade) e a especificidade (relação de harmonia entre os elementos constitutivos do discurso da visão), e com a relação, a multiplicidade e o tempo (relação de conflito com os elementos constitutivos do discurso da miscigenação).

O primeiro surgimento da presença como aparecimento está localizado no décimo- quarto parágrafo do primeiro capítulo, “As unidades do discurso”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a definição de um recorte provisório como região inicial para a análise (ver AS, p. 33-4).

Primeiro, uma constatação anterior ao estabelecimento do recorte provisório como região inicial:

Fora de cogitação (...) está o fato de se poder descrever, sem limites, todas as relações [entre enunciados] que possam (...) aparecer. É preciso, numa primeira aproximação, aceitar um recorte provisório: uma região inicial que a análise revolucionará e reorganizará se houver necessidade. (AS, p. 33-4, grifo nosso)

A presença é o aparecimento. Há relação entre presença, espaço e miscigenação: aparecimento das relações entre enunciados a partir de um recorte provisório como região inicial (presença da miscigenação no espaço limitado)232. Depois, a escolha da região inicial:

Por um lado, é preciso, empiricamente, escolher um domínio em que as relações corram o risco de ser numerosas, densas e relativamente fáceis de descrever: e em que outra região os acontecimentos discursivos parecem estar mais ligados uns aos outros, e segundo relações mais decifráveis, senão nesta que se designa, em geral, pelo termo ciência? (AS, p. 34, grifo nosso)

A presença é o acontecimento. Há relação entre presença, espaço e miscigenação: acontecimentos discursivos ligados uns aos outros na região designada como ciência

232 Ver supra no “Capítulo 2 – Epistemologia da percepção: relação entre visível e invisível” o terceiro

aparecimento da estrutura de argumentação da constatação da visão (sobre o reconhecimento do limite, a partir da presença no espaço, como possibilidade da visão absoluta ou total).

(presença miscigenada no espaço). A seguir, outro critério para a escolha do recorte provisório:

Mas, por outro lado, como se dar o máximo de chances de tornar a apreender, em um enunciado, não o momento de sua estrutura formal e de suas leis de construção, mas o de sua existência e das regras de seu aparecimento, a menos que nos dirijamos a grupos de discursos pouco formalizados, onde os enunciados não pareçam se engendrar necessariamente segundo regras de mera sintaxe? (AS, p. 34, grifo nosso)

A presença é a existência e o aparecimento. A permanência no visível significa a necessidade da presença (como aparecimento - e também como acontecimento e existência).

O segundo surgimento da presença como aparecimento está situado no quarto parágrafo do segundo capítulo, “As formações discursivas”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da constatação da multiplicidade dos objetos como formulação da lei de sua repartição (ver AS, p. 37).

A busca da unidade do discurso ocorre através da constatação das regras da multiplicidade dos objetos: “A relação característica que permitiria individualizar um conjunto de enunciados (...) seria (...) a regra de emergência simultânea ou sucessiva dos diversos objetos que aí são nomeados, descritos, analisados, apreciados ou julgados?” (AS, p. 37, grifo nosso) A presença é a emergência. Há relação entre presença, tempo e multiplicidade: emergência simultânea ou sucessiva dos diversos objetos. Assim, a unidade do discurso seria “... o jogo das regras que tornam possível, durante um período dado, o aparecimento dos objetos...” (AS, p. 37, grifo nosso) A presença é o aparecimento (dos objetos, proporcionado pelo jogo das regras) – e há relação entre presença e tempo: aparecimento dos objetos durante um período dado.

O terceiro surgimento da presença como aparecimento está localizado no décimo- primeiro parágrafo do segundo capítulo, “As formações discursivas”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a recapitulação das quatro tentativas, dos quatro fracassos e das quatro hipóteses que se revezam (ver AS, p. 42- 3).

Primeiro, há uma constatação: “Eis-me, pois, em presença de quatro tentativas, de quatro fracassos e de quatro hipóteses que se revezam.” (AS, p. 42, grifo nosso) As quatro tentativas eram procedimentos de redução da multiplicidade à unidade; os quatro fracassos foram verificações da inexistência da unidade devido à insistência da multiplicidade

irredutível; e as quatro hipóteses eram a busca da lei das multiplicidades233. Quer dizer, a presença é a performatividade: a permanência no visível é o apelo à presença – a recapitulação do revezamento das quatro tentativas, dos quatro fracassos e das quatro hipóteses é a representificação da presença, é a confirmação de que aquilo que se defende (a permanência no visível como necessidade da presença) é o que se faz (através da própria visibilidade da presença – aqui, representificada). A hipótese da procura da lei das multiplicidades indica também a presença: “Daí a ideia de descrever essas dispersões [dos objetos, das formulações, dos conceitos e das possibilidades estratégicas]; (...) detectar uma regularidade [entre esses elementos]: uma ordem em seu aparecimento sucessivo...” (AS, p. 43, grifo nosso) A presença é o aparecimento (dos diferentes elementos: objetos, formulações, conceitos, estratégias). Há relação entre presença, tempo e multiplicidade: aparecimento sucessivo dos múltiplos/diferentes elementos – a diferença é multiplicidade234.

O quarto surgimento da presença como aparecimento está situado no primeiro parágrafo do terceiro capítulo, “A formação dos objetos”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da formação dos objetos (através do exemplo da psicopatologia do século XIX) – ver AS, p. 46-7.

A constatação do surgimento de múltiplos objetos (não-discursivos) leva à busca de seu funcionamento (discursivo): “Pode-se estabelecer a regra a que seu aparecimento [dos múltiplos objetos] estava submetido? (...). Qual foi seu regime de existência enquanto objetos de discurso?” (AS, p. 47, grifo nosso) A presença é o aparecimento e a existência (do visível não-discursivo e discursivo – e o visível não-discursivo aparece e funciona como visibilidade discursiva235). Há relação entre presença e multiplicidade: aparecimento de múltiplos objetos como existência discursiva.

O quinto surgimento da presença como aparecimento está localizado no segundo parágrafo do terceiro capítulo, “A formação dos objetos”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da demarcação das superfícies de emergência dos objetos de discurso (ver AS, p. 47).

O estabelecimento das regras de aparecimento como regime de existência dos objetos tem por tarefa a demarcação das superfícies de emergência dos objetos: “Seria preciso

233 As tentativas, os fracassos e as hipóteses foram aplicados sucessivamente aos objetos, aos tipos de

enunciação, aos conceitos e às escolhas estratégicas. Ver, respectivamente, do terceiro ao décimo parágrafo do segundo capítulo da segunda parte: AS, p. 36-42. O décimo-primeiro parágrafo “repete” este processo.

234 Sobre a diferença como multiplicidade, ver supra especialmente no “Prólogo – Discurso da historicidade”

todos os aparecimentos da palavra “historicidade”.

235 Sobre o aparecimento e o funcionamento do visível não-discursivo como visível discursivo (ou da remissão

da visibilidade não-discursiva à visibilidade discursiva), ver supra, no “Prólogo – Discurso da historicidade”, “O discurso é historicidade”, o quarto e o décimo-terceiro aparecimento da presença como acontecimento.

inicialmente demarcar as superfícies primeiras de sua emergência [dos objetos]: mostrar onde podem surgir...” (AS, p. 47, sublinhado nosso) A presença é a emergência, o surgimento (do visível, audível ou inaudível, que é não-discursivo). Há relação entre presença e espaço: a presença do espaço (superfície) é o espaço da presença (de emergência) – indissociabilidade entre presença e espaço. As superfícies de emergência são específicas: “Essas superfícies de emergência não são as mesmas nas diferentes sociedades, em diferentes épocas e nas diferentes formas de discurso.” (AS, p. 47, sublinhado nosso) Ou seja, as superfícies de emergência ou de aparecimento (ver AS, p. 47) são organizadas “... de modo específico...” (AS, p. 47, grifo nosso) Há relação entre presença, espaço e especificidade:

Nesses campos de diferenciação primeira, nas distâncias, descontinuidades e limiares que então se manifestam, o discurso (...) encontra a possibilidade de limitar seu domínio, de definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto – ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável e descritível. (AS, p. 47, sublinhado nosso)

A presença é a manifestação, o aparecimento, o espaço é o campo, o domínio, e a especificidade a diferenciação.

O sexto surgimento da presença como aparecimento está situado no oitavo parágrafo do terceiro capítulo, “A formação dos objetos”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a generalização do exemplo do discurso psiquiátrico do século XIX para o entendimento da formação discursiva dos objetos (ver AS, p. 50-1)236.

O discurso psiquiátrico do século XIX formou seus objetos através de uma série de relações que funcionaram como regra: “Essa formação [dos objetos] é assegurada por um conjunto de relações estabelecidas entre instâncias de emergência, de delimitação e de especificação.” (AS, p. 50, grifo nosso) A presença é a emergência. A generalização do exemplo do discurso psiquiátrico do século XIX tem por escopo o estabelecimento de critérios para a identificação de qualquer formação discursiva de objetos:

Diremos, pois, que uma formação discursiva se define (pelo menos quanto a seus objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante [de relações entre instâncias de emergência, de delimitação e de especificação]; se se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de aparecimento; se se puder mostrar que ele pode dar origem, simultânea ou sucessivamente, a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha que se modificar. (AS, p. 50-1, grifo nosso)237

A presença é o aparecimento, o nascimento - a própria formação. Existe relação entre presença e espaço: na instância de emergência o objeto encontra seu lugar e sua lei de

236 Ver supra comparativamente no “Capítulo 2 – Epistemologia da percepção: relação entre visível e invisível” o

quinto aparecimento da estrutura de argumentação da constatação da visão.

aparecimento. Há relação entre presença, espaço, multiplicidade e tempo: a instância de emergência pode dar nascimento simultânea ou sucessivamente a (múltiplos) objetos.

O sétimo surgimento da presença como aparecimento está localizado no segundo parágrafo do quinto capítulo, “A formação dos conceitos”, da segunda parte, “As regularidades discursivas”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da organização do campo de enunciados como formas de sucessão para a formação dos conceitos (ver AS, p. 63-4).

A formação dos conceitos depende das formas de sucessão dos enunciados: o que vai “... reger o aparecimento e a recorrência dos conceitos (...) é a disposição geral dos enunciados e sua seriação em conjuntos determinados...” (AS, p. 64, grifo nosso) Ou seja, há “... um conjunto de regras para dispor em série enunciados, um conjunto obrigatório de esquemas de dependências, de ordem e de sucessões em que se distribuem os elementos recorrentes que podem valer como conceitos.” (AS, p. 64) A presença é o aparecimento. Há relação entre presença, tempo e especificidade: aparecimento (dos conceitos) de acordo com a seriação ou a sucessão (dos enunciados) em conjuntos determinados.

O oitavo surgimento da presença como aparecimento está situado no décimo-primeiro parágrafo do primeiro capítulo, “Definir o enunciado”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a recapitulação da recusa dos modelos gramaticais, lógicos e analíticos para a individualização dos enunciados (ver AS, p. 95-6).

A recusa do modelo analítico para a individualização do enunciado permite mostrar, entretanto, a importância da presença: “... para a análise dos atos de linguagem, [o enunciado] aparece como o corpo visível no qual eles se manifestam.” (AS, p. 95-6, grifo nosso) A presença é o aparecimento e a manifestação. Há relação entre presença, espaço e visão: somente existe permanência no visível porque o enunciado tem presença no espaço – aparecimento como corpo visível (o espaço é caracterizado pela corporeidade) -, quer dizer, (na verdade) a indissociabilidade entre presença e espaço garante a permanência no visível.

O nono surgimento da presença como aparecimento está localizado no décimo-terceiro parágrafo do primeiro capítulo, “Definir o enunciado”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é o questionamento do enunciado como existência material (ver AS, p. 96-7).

Há um questionamento da identificação do enunciado com a mera produção de signos (existência material):

Mas basta, então, que os signos de uma língua constituam um enunciado, uma vez que foram produzidos (articulados, delineados, fabricados, traçados) de um modo ou de outro, uma vez que apareceram em um momento do

tempo e em um ponto do espaço, uma vez que a voz que os pronunciou ou o gesto que os moldou lhes deram as dimensões de uma existência material? Será que as letras do alfabeto por mim escritas ao acaso, em uma folha de papel, como exemplo do que não é um enunciado, será que os caracteres de chumbo utilizados para imprimir os livros – e não se pode negar sua materialidade que tem espaço e volume -, será que esses signos, expostos, visíveis, manipuláveis, podem ser razoavelmente considerados como enunciados? (AS, p. 97, grifo nosso)238

A presença é a existência material, o aparecimento. Há relação entre presença, tempo e espaço (e visão): aparecimento (dos signos visíveis) em um momento do tempo e em um ponto do espaço – ora, a permanência no visível é assegurada justamente pela presença.

O décimo surgimento da presença como aparecimento está situado no décimo-quinto parágrafo do primeiro capítulo, “Definir o enunciado”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise do enunciado como função vertical de existência (ver AS, p. 98-9)239.

Existe a definição do enunciado como função vertical de existência: “... ele [o enunciado] não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função [vertical de existência] que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço.” (AS, p. 99, grifo nosso) A presença é o aparecimento (e a existência). Há relação entre presença, especificidade, tempo e espaço: aparecimento de conteúdos concretos (o concreto é sempre singular) no tempo e no espaço – a busca da visão diferente (neste caso, a verticalidade) é a procura da minúcia, daí por que o concreto é específico.

O décimo-primeiro surgimento da presença como aparecimento está localizado no oitavo parágrafo do segundo capítulo, “A função enunciativa”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da descrição do nível enunciativo (ver AS, p. 105).

A descrição do nível enunciativo deve ser feita “... pela análise das relações entre o enunciado e os espaços de diferenciação, em que ele mesmo faz aparecer as diferenças.” (AS, p. 105, grifo nosso) A presença é o aparecimento (das diferenças). Há relação entre presença, espaço e multiplicidade: aparecimento das diferenças nos espaços de diferenciação – diferença como multiplicidade240.

238 Ver supra no “Capítulo 1 – Epistemologia da percepção: relação entre os sentidos” o sexto aparecimento da

relação entre visível e audível (sobre como a indistinção ou indiferenciação entre visível e audível leva à remissão do audível ao governo ou comando do visível).

239 Ver supra comparativamente no “Capítulo 1 – Epistemologia da percepção: relação entre os sentidos” o

sétimo aparecimento da relação entre visível e audível.

240 Sobre a diferença como multiplicidade, ver supra no “Prólogo – Discurso da historicidade” todos os onze

O décimo-segundo surgimento da presença como aparecimento está situado no décimo-nono parágrafo do segundo capítulo, “A função enunciativa”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a descrição do campo enunciativo como critério para que uma sequência de elementos linguísticos seja um enunciado (ver AS, p. 112-3).

Uma série de signos (ou uma sequência de elementos linguísticos), para ser enunciado, precisa de um campo associado (ou um campo enunciativo): “Pode-se dizer, de modo geral [sic] que uma sequência de elementos linguísticos só é enunciado se estiver imersa em um campo enunciativo em que apareça como elemento singular.” (AS, p. 113, grifo nosso)241 A presença é o aparecimento. Há relação entre presença, espaço e especificidade: aparecimento (do enunciado) como singularidade no espaço (campo enunciativo).

O décimo-terceiro surgimento da presença como aparecimento está localizado no vigésimo-sétimo parágrafo do segundo capítulo, “A função enunciativa”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise da identidade do enunciado submetida a um grupo de condições e de limites impostos pelo conjunto dos outros enunciados no meio dos quais figura, pelo domínio no qual podemos utilizá-lo ou aplicá-lo e pelo papel ou função que deve desempenhar (ver AS, p. 119).

A identidade do enunciado está associada a um campo de estabilização:

Os esquemas de utilização, as regras de emprego, as constelações em que podem desempenhar um papel, suas virtualidades estratégicas, constituem para os enunciados um campo de estabilização que permite, apesar de todas as diferenças de enunciação, repeti-los em sua identidade; mas esse mesmo campo pode, também, sob as identidades semânticas, gramaticais ou formais, as mais manifestas, definir um limiar a partir do qual não há mais equivalência, sendo preciso reconhecer o aparecimento de um novo enunciado. (AS, p. 119, sublinhado nosso)

A presença é o aparecimento (de um novo enunciado) – e a manifestação (das identidades semânticas, gramaticais ou formais). Há relação entre presença e espaço: o aparecimento (do enunciado) sempre ocorre no espaço (campo - de estabilização) – indissociabilidade entre presença e espaço.

O décimo-quarto surgimento da presença como aparecimento está situado no vigésimo-nono parágrafo do segundo capítulo, “A função enunciativa”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise do enunciado como possibilidade de repetição (ver AS, p. 120-1).

O enunciado possui a capacidade de repetição:

Demasiado repetível para ser inteiramente solidário com as coordenadas espaço-temporais de seu nascimento (é algo diverso da data e do local de seu aparecimento), demasiado ligado ao que o envolve e o suporta para ser tão livre quanto uma pura forma (é algo diferente de uma lei de construção referente a um conjunto de elementos), ele é dotado de uma certa lentidão modificável, de um peso relativo ao campo em que está colocado, de uma constância que permite utilizações diversas, de uma permanência temporal que não tem a inércia de um simples traço, e que não dorme sobre seu próprio passado. (AS, p. 120-1, grifo nosso)

A presença é o nascimento, o aparecimento e a permanência (do enunciado). Há relação entre presença, espaço e tempo: coordenadas espaço-temporais de nascimento, ou data e local de aparecimento (do enunciado); permanência temporal (do enunciado) no campo em que está colocado.

O décimo-quinto surgimento da presença como aparecimento está localizado no trigésimo parágrafo do segundo capítulo, “A função enunciativa”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise do enunciado como objeto específico diante da materialidade repetível que caracteriza a função enunciativa (ver AS, p. 121).

A materialidade repetível caracteriza o enunciado como objeto específico: “Essa materialidade repetível que caracteriza a função enunciativa faz aparecer o enunciado como um objeto específico...” (AS, p. 121, grifo nosso) A presença é o aparecimento (do enunciado). Há relação entre presença (do enunciado) e especificidade (como objeto específico). Sobre a identidade do enunciado:

Ao invés de ser uma coisa dita de forma definitiva (...) o enunciado, ao mesmo tempo em que surge em sua materialidade, aparece com um status, entra em redes, se coloca em campos de utilização, se oferece a transferências e a modificações possíveis, se integra em operações e em estratégias onde sua identidade se mantém ou se apaga. (AS, p. 121, sublinhado nosso)

A presença é o surgimento (da materialidade), o aparecimento (com um status) – do enunciado. Existe relação entre presença e espaço: surgimento ou aparecimento (do enunciado) em campos de utilização – indissociabilidade entre presença e espaço.

O décimo-sexto surgimento da presença como aparecimento está situado no terceiro parágrafo do terceiro capítulo, “A descrição dos enunciados”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a apresentação de uma possibilidade descritiva (ver AS, p. 124).

A definição do enunciado e do discurso242 pertence à apresentação de uma possibilidade descritiva independente da gramática, da lógica e da filosofia analítica: “... gostaria de fazer aparecer uma possibilidade descritiva, esboçar o domínio ao qual ela é

suscetível, definir seus limites e sua autonomia.” (AS, p. 124, grifo nosso) A presença é o aparecimento (de uma possibilidade descritiva). Há relação entre presença, espaço e especificidade: aparecimento do domínio (de uma possibilidade descritiva) como definição de sua autonomia.

O décimo-sétimo surgimento da presença como aparecimento está localizado no décimo-terceiro parágrafo do terceiro capítulo, “A descrição dos enunciados”, da terceira parte, “O enunciado e o arquivo”, de A arqueologia do saber. Seu contexto é a análise do nível enunciativo, nem visível nem oculto, no limite da linguagem (ver AS, p. 130-1).

O nível enunciativo, nem visível nem oculto, está no limite da linguagem: “Ele define a modalidade de seu aparecimento: antes sua periferia que sua organização interna, antes sua superfície que seu conteúdo.” (AS, p. 130, grifo nosso) A presença é o aparecimento (do enunciado). Existe relação entre presença e espaço: aparecimento na superfície (presença do espaço, espaço da presença, indissociabilidade entre presença e espaço). A superfície enunciativa é o local da presença: “... o súbito aparecimento de uma frase, o lampejo do sentido, o brusco índice da designação, surgem sempre no domínio de exercício de uma função enunciativa...” (AS, p. 130, grifo nosso) A presença é o aparecimento (de uma frase), o surgimento (de uma frase, do sentido, da designação)243. Num diálogo consigo mesmo, o interlocutor discursivo de Foucault estabelece uma crítica à presença (e ao espaço, consequentemente) através do resgate da transcendência como ausência: “Sabe que você somente descreveu alguns caracteres de uma linguagem cuja emergência e modo de ser são, em suas análises, inteiramente irredutíveis [à transcendência]?” (AS, p. 131, grifo nosso) A