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CAPÍTULO 4: AMEAÇAS À IDENTIDADE DO SISTEMA

4.1 Quadro conceptual de análise: modelo DPSIR

4.1.2 Pressões ou ameaças

De forma genérica, os efeitos referidos no ponto anterior são resultado do uso direto dos recursos biológicos, das formas de uso do solo e/ou da emissão de substâncias ou outros agentes nocivos, ações que se enquadram na definição de

pressão utilizada pela AEA (Tabela 14). No contexto da conservação da natureza, tais atividades e comportamentos humanos são geralmente indicados como ameaças83.

Salafsky et al. (2008) sinalizam as atividades ou processos humanos que já provocaram, estão a provocar ou podem vir a provocar a destruição, degradação e/ou outro tipo de dano aos elementos da biodiversidade que se pretende proteger. Os mesmos autores desenvolveram um sistema de categorização de ameaças, a partir de esquemas apresentados pela Conservation Measures Partnership (CMP) e pela UICN. Esta classificação unificada foi posteriormente adotada pelas referidas organizações (IUCN & CMP, 2012), sendo utilizada, por exemplo, no processo de elaboração da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN84.

O sistema de categorias é hierárquico, compreendendo 3 níveis. O resumo das categorias gerais (nível 1) é apresentado na Tabela 15. Embora os autores considerem que a maioria das ameaças consiste em atividades humanas, são também incluídos alguns fenómenos naturais (eventos geológicos, alterações climáticas85 e clima severo) que podem provocar danos significativos, sobretudo a espécies e habitats já pressionados por outras ameaças (Salafsky et al., 2008).

Este sistema de categorização de ameaças é aplicado a nível internacional em diferentes processos de avaliação e monitorização do estado de conservação de espécies ou áreas (Management Effectiveness Tracking Tool; World Heritage Outlook assessment; Important Bird and Biodiversity Area monitoring protocol). Schulze et al. (2018) utilizaram o sistema num levantamento global das ameaças às áreas protegidas terrestres em 149 países, concluindo que o ‘uso de recursos biológicos’ e as ‘modificações dos sistemas naturais’ foram as ameaças relatadas com maior frequência, sendo também consideradas de elevado impacto.

83 Não no sentido atribuído numa análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats) já que, numa abordagem socio-ecológica, os humanos fazem parte do sistema e as suas atividades e comportamentos são fatores internos. Ameaça aqui significa apenas fator que pode colocar em perigo a manutenção de espécies e/ou habitats.

84 https://www.iucnredlist.org/resources/classification-schemes. 85

Existe algum debate sobre se as alterações climáticas devem ou não ser consideradas como fenómenos naturais, considerando a contribuição humana para o fenómeno e, por outro lado, as opções limitadas para o contrariar (Lewison et al., 2016).

Ameaças à identidade do sistema

A utilização generalizada deste sistema de categorias pode ser explicada pela sua simplicidade, abrangência, consistência (garante que as entradas num determinado nível da hierarquia são do mesmo tipo) e aplicabilidade a diferentes escalas geográficas (Wong, 2011). De facto, compilando as ameaças referidas em diferentes documentos de âmbitos geográficos distintos (global, nacional ou relativos aos casos de estudo), verifica-se que a maioria encontra enquadramento nas categorias de Salafsky et al. (2008) (Tabela 16). Apenas os processos naturais bióticos, como a sucessão ecológica (ICNF, 2013b) ou a competição interespecífica (Ministério do Ambiente, 2017) não estão cobertos86. As ‘espécies invasoras’ são mencionadas em todos os documentos, seguindo-se, em termos de frequência, o ‘desenvolvimento residencial e comercial’, a ‘agricultura e aquacultura’, o ‘uso de recursos biológicos’, a ‘intrusão e perturbação humana’ e as ‘modificações dos sistemas naturais’. Os ‘eventos geológicos’ não são referidos como ameaça em nenhum dos documentos revistos.

Algumas das categorias de ameaças refletem, necessariamente, processos de alteração do uso e ocupação do solo. O ‘desenvolvimento residencial e comercial’ e as infraestruturas associadas à ‘produção de energia e mineração’ e aos ‘corredores de transporte e serviços’ correspondem a áreas artificializadas que, na maioria dos casos, resultam da conversão de áreas agrícolas ou naturais (Vale, Reis, Meneses, & Ribeiro, 2014). A expansão da área dedicada à atividade agrícola faz-se, sobretudo, através da conversão de áreas naturais, podendo verificar-se também o processo inverso (conversão de áreas agrícolas em áreas naturais) devido ao abandono das práticas agrícolas (que, em casos particulares, se inclui na categoria ‘modificações dos sistemas naturais’).

86 Pode no entanto argumentar-se que, sendo processos naturais, ocorrendo de forma independente da presença humana, não podem ser considerados ameaças. Se, por outro lado, os processos são influenciados por ação humana, pode considerar-se que estão incluídos nos efeitos (‘alteração da interação entre espécies e das respetivas dinâmicas populacionais’).

Tabela 15. Categorias de potenciais ameaças aos elementos da biodiversidade, descrição e exemplos (adaptado de Salafsky et al., 2008).

Ameaça Descrição Exemplos

Desenvolvimento residencial e comercial Ameaças resultantes de aglomerados populacionais e

outros usos do solo não agrícolas

Áreas urbanas (habitação, serviços); infraestruturas como escolas, hospitais, aeroportos; áreas comerciais e industriais; hotéis e resorts turísticos, campos de golf

Agricultura e aquacultura Ameaças resultantes da expansão e intensificação agrícola

Culturas plantadas para alimentação, fibras, combustíveis ou outros usos; agropecuária (inclui áreas de pastoreio); silvicultura (povoamentos florestais); aquacultura

Produção de energia e mineração Exploração de recursos não biológicos

Extração de petróleo e gás; extração de inertes; áreas de instalação de energias renováveis; exclui a energia hidroelétrica que é considerada nas alterações aos sistemas hídricos

Corredores de transporte e serviços Estabelecimento de vias de comunicação e transporte Estradas e ferrovias; linhas de transporte de energia, água, telecomunicações; canais para transporte fluvial (e consequentes dragagens)

Uso de recursos biológicos

Consumo de recursos biológicos (o recurso é extraído do sistema ou destruído), deliberado ou não intencional (inclui capturas acidentais)

Caça e captura de animais terrestres; colheita de espécies vegetais; exploração madeireira em sistemas seminaturais; pesca

Intrusão e perturbação humana

Atividades humanas que não consomem os recursos biológicos (o recurso não é extraído) mas que alteram, perturbam ou destroem habitats e espécies

Atividades recreativas (observação de aves; caminhada, BTT, mergulho); exercícios militares; investigação e outras atividades profissionais (vigilância, fiscalização); vandalismo

Modificações dos sistemas naturais

Ações relacionadas com a gestão do sistema natural ou seminatural, geralmente para melhorar o bem-estar humano, que resultam na conversão ou degradação do habitat

Fogo e supressão do fogo; barragens, represas e outras alterações dos cursos de água; captação de água para consumo; outras alterações (abandono de terrenos intervencionados, aterros, limpeza de cursos de água, instalações em praias e sistemas dunares, etc.)

Poluição Introdução de materiais e energia exóticos e / ou excessivos

a partir de fontes pontuais e não pontuais

Águas residuais; efluentes industriais; resíduos sólidos; escoamento de fertilizantes; sedimentação; herbicidas e pesticidas; poluição atmosférica; poluição sonora, térmica ou de luz

Espécies invasoras

Ameaças decorrentes da introdução, propagação ou aumento da abundância de espécies com efeitos prejudiciais sobre a biodiversidade

Inclui espécies exóticas (que não são originalmente encontradas no

ecossistema em questão) e espécies nativas (que, por ação humana, saíram do seu equilíbrio natural)

Eventos geológicos Ameaças decorrentes de eventos geológicos catastróficos Terramotos, tsunamis, deslizamentos

Alterações climáticas e clima severo

Alterações climáticas relacionadas com o aquecimento global ou eventos climáticos extremos e que têm o potencial de destruir um habitat ou espécie vulnerável

Aumento do nível do mar, desertificação, seca prolongada, ondas de calor, alteração da temperatura dos oceanos, tempestades e inundações

Ameaças à identidade do sistema

Tabela 16. Classificação das ameaças referidas em diversos documentos relevantes, de acordo com as categorias de Salafsky et al. (2008).

Documento Desenv. residencial e comercial Agricultura e aquacultura Produção de energia e mineração Corredores de transporte e serviços Uso de recursos biológicos Intrusão e perturbação humana Modificações dos sistemas naturais Espécies invasoras Poluição Eventos geológicos Alterações climáticas

Millennium Ecosystem Assessment (Nelson et

al., 2006) X X X X X

Ecossistemas e Bem-Estar Humano (Proença,

Queiroz, Araújo, & Pereira, 2009) X X X X X X X

Relatório ENCNB 2025 (Ministério do

Ambiente, 2017) X X X X X

Quadro de Ações Prioritárias da Rede Natura

2000 (PAF) 2014 – 2020 (ICNF, 2013b) X X X X X X X

Avaliação Anual às Áreas Protegidas

Portuguesas (Quercus, 2014) X X X X X X X X X

Ficha Sítio Serra da Estrela (PTCON0014) (ICN,

2006a) X X X X X X X

Ficha Sítio Sintra/Cascais (PTCON008) (ICN,

Ainda que os seus impactos negativos sobre a biodiversidade e na eficácia das áreas protegidas sejam amplamente reconhecidos (Haines-Young, 2009; Scolozzi, Schirpke, Morri, D’Amato, & Santolini, 2014), as alterações ao uso e ocupação do solo (bem como as restantes ações identificadas na Tabela 15) são frequentemente consideradas como forças motrizes e não como pressões (Gregory, Atkins, Burdon, & Elliott, 2013; Nelson et al., 2006; Oesterwind et al., 2016). No entanto, no âmbito desta investigação as atividades e comportamentos humanos são assumidos como pressões, visto que conduzem, de forma mais ou menos direta, aos efeitos identificados no ponto 4.1.1 (por exemplo, a caça pode reduzir os efetivos populacionais de uma espécie, a poluição pode causar a degradação da qualidade de um habitat e a introdução de espécies invasoras pode alterar a interação entre espécies). Por outro lado, as pressões são desencadeadas por múltiplos fatores, esses sim encarados como forças motrizes.