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CAPÍTULO 3: A IDENTIDADE DO SISTEMA ÁREA PROTEGIDA

3.3 Parques Naturais em Portugal: especificidades e objetivos

3.3.1 Proposta de sistematização dos objetivos

A partir da revisão da literatura internacional e da análise da legislação nacional relevante é possível identificar as temáticas que são abordadas com mais frequência nos objetivos gerais das áreas protegidas:

A) biodiversidade: como discutido nos pontos anteriores, a preservação da biodiversidade é o objetivo generalizado para a classificação de áreas protegidas. Compreende a diversidade genética, de espécies e de ecossistemas (Harrington et al., 2010). Muitas vezes, a classificação de uma área protegida visa a proteção de determinadas espécies e/ou habitats que se encontram ameaçados e que necessitam de medidas específicas de recuperação (Dudley, 2008). A legislação nacional refere frequentemente a proteção dos ‘valores naturais’, nos quais se incluem os elementos da biodiversidade (alínea r) do art.º 3.º do DL n.º 142/2008, de 24 de julho).

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B) serviços dos ecossistemas: a manutenção dos serviços prestados pelos ecossistemas é outro dos argumentos para justificar a criação de áreas protegidas, com base numa visão mais utilitária/instrumental da conservação da natureza (Ladle et al., 2011; Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2008). Distinguem-se serviços de produção, de regulação, culturais e de suporte (de Groot, Alkemade, Braat, Hein, & Willemen, 2010). Os serviços de regulação, resultantes dos processos ecológicos, têm ganho relevância no contexto das alterações climáticas (Lopoukhine et al., 2012).

C) contacto com a natureza: antes da preservação da biodiversidade se afirmar como principal objetivo, a criação de áreas protegidas foi estimulada pela necessidade de contacto com a natureza, para contemplação ou recreio, valorizando sobretudo o aspeto estético (Jepson & Whittaker, 2002). Atualmente são reconhecidos diversos benefícios nesse contacto (serviços culturais dos ecossistemas) e a sua provisão constitui um dos objetivos das áreas protegidas (Stolton et al., 2015). Incluem-se aqui múltiplas finalidades, desde as atividades recreativas e de educação ambiental às relacionadas com motivações espirituais ou religiosas (Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2008).

Para além destas temáticas (comuns à generalidade das áreas protegidas), numa análise focada na tipologia ‘parque natural’ destacam-se os objetivos relacionados com:

D) paisagens tradicionais e atividades humanas associadas: o desejo de manter as paisagens moldadas por séculos de interação entre o Homem e a natureza está na origem da classificação. Justifica-se não só pelo valor cénico e cultural dessas áreas mas também pela dependência que determinadas espécies desenvolveram em relação à intervenção humana (Plieninger, Höchtl, & Spek, 2006). No entanto, o abandono das práticas tradicionais é, em certa medida, resultado da evolução tecnológica na atividade agrícola (Li & Li, 2017) e da alteração dos valores da própria sociedade. A sua manutenção pode ser encarada, do ponto de vista

cultural, como forma de preservação da memória histórica dos lugares. Podem incluir-se aqui outros elementos com valor cultural, nomeadamente o património arquitetónico, que contribuem para a composição da paisagem.

E) desenvolvimento socioeconómico: para garantir a continuidade das paisagens humanizadas é preciso assegurar a permanência de população nestes territórios e, consequentemente, responder às suas necessidades de desenvolvimento. No entanto, em alguns casos, este objetivo assume centralidade, desconectando-se dos anteriores, sendo a criação de um parque natural encarada como uma ferramenta para a promoção do desenvolvimento regional (Hammer, 2007).

Identificados estes tópicos, procurou-se confirmar a sua inclusão nos objetivos declarados nos diplomas de criação dos parques naturais em Portugal continental, tal como representado na Tabela 13.

Os resultados confirmam que os parques naturais foram classificados visando a preservação da biodiversidade (A), a manutenção das paisagens e demais património cultural (D) e o desenvolvimento económico (E). Alguns casos (7) abordam as atividades recreativas e a educação ambiental (incluídas no tópico C). É importante esclarecer que a maioria dos objetivos que mencionam as atividades recreativas (ou turísticas) se referem ao seu ordenamento (PNRF, PNDI, PNTI, PNLN), assumindo-se aqui que este constitui um meio para que tais atividades possam continuar a ser desenvolvidas (i.e., que a sua realização, de forma sustentável, é um objetivo do parque).

Apenas 4 diplomas (PNA, PNRF, PNDI e PNLN) fazem referência nos seus objetivos, de forma mais ou menos direta, aos processos ecológicos e seu equilíbrio. Isto pode ser explicado pela existência da REN, criada em 198378 para proteção das

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DL n.º 321/1983, de 5 de julho. O regime jurídico da REN atualmente em vigor foi estabelecido pelo DL nº. 166/2008, de 22 de agosto, alterado e republicado pelo DL nº. 239/2012, de 2 de novembro.

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áreas indispensáveis à estabilidade ecológica, e que abrange grande parte dos territórios classificados como áreas protegidas.

Tabela 13. Tópicos abordados nos objetivos constantes no diploma de classificação de cada Parque Natural

classificado em Portugal continental. Apresentação por ordem cronológica de classificação como parque natural.

Parque Natural Diploma de classificação Tópicos79 A B C D E PNSE DL nº 557/76, de 16 de julho X X X PNArr DL nº 622/76, de 28 de julho X X X PNSAC DL nº 118/79, de 4 de maio X X X X PNM DL n.º 355/79, de 30 de agosto X X X PNA DL nº 237/83, de 8 de junho X X X X X PNRF DL nº 373/87, de 9 de dezembro X X X X X PNSSM DL nº 121/89, de 14 de abril X X X X PNSC DR nº 8/94, de 11 de março X X X PNSACV DR n.º 26/95, de 21 de setembro X X X PNVG DR nº 28/95, de 18 de novembro X X X PNDI DR nº 8/98, de 11 de maio X X X X X PNTI DR nº 9/2000, de 18 de agosto X X X X PNLN DR nº 6/2005, de 21 de julho X X X X X

A maioria dos objetivos analisados pode ser enquadrada num dos 5 tópicos identificados. As raras exceções incluem menções à promoção do ordenamento do território ou à sensibilização das populações, entendidas como meios para atingir os restantes objetivos (e não uma finalidade em si), ou às motivações científicas (fins científicos, promover o estudo científico) que estão normalmente associadas à manutenção da biodiversidade (se mantida poderá ser estudada).

Poderia argumentar-se que as diferenças entre os objetivos dos diversos parques naturais são explicadas pelas especificidades dos seus territórios. Por exemplo, seria expectável que aqueles que fazem referência às atividades recreativas

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fossem os que apresentam maior potencial para as mesmas (e maior pressão). No entanto, considerando o caráter genérico dos objetivos, é difícil identificar de forma explícita tal atenção às particularidades territoriais. As diferenças (e semelhanças) são, provavelmente, resultado da época em que cada parque natural foi criado, do próprio conceito de área protegida à data e das equipas responsáveis pelo processo de classificação e redação dos diplomas.

A multiplicidade de objetivos existente num parque natural (ou mesmo noutras tipologias de áreas protegidas) não é intrinsecamente negativa mas está na base dos seguintes problemas:

 Os objetivos podem revelar-se conflituantes e de difícil conciliação (sobretudo a manutenção da biodiversidade e o desenvolvimento socioeconómico);

 A existência de recursos escassos para a gestão de áreas protegidas torna necessário estabelecer prioridades para a alocação desses mesmos recursos à concretização dos objetivos;

A perceção dos stakeholders sobre a importância relativa de cada objetivo pode divergir e influenciar o grau de apoio à implementação das medidas e ações necessárias para a sua concretização.

Assumir que os diferentes objetivos detêm igual peso na gestão de um parque natural é ignorar estas questões.

Considerando o exposto ao longo deste capítulo, sugere-se que a conservação da natureza (e em especial da biodiversidade) é o objetivo mais importante das áreas protegidas e deve ser assumido como o seu fator identitário, a função que se deverá tentar manter em qualquer situação. Isto aplica-se também à categoria parque natural, apesar das suas especificidades. O facto é que a conservação da natureza é o motivo que justifica a classificação da área protegida e que, em última análise, é possível atingir os restantes objetivos sem esse estatuto particular.

Claro que os cinco objetivos se encontram interligados. Por exemplo, a preservação de espécies e habitats irá contribuir para a manutenção de determinados

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serviços dos ecossistemas. A existência desses serviços permite que o Homem retire diversos benefícios, sejam utilitários (através de atividades tradicionais, modeladoras da paisagem) ou recreativos e culturais (através do contacto direto com a natureza). Essas formas de interação entre o Homem e a natureza podem suportar o desenvolvimento económico local e regional (Figura 8). Nesta perspetiva, o objetivo de preservação de espécies e habitats é a base para a concretização dos restantes objetivos (Figura 9, versão 1)).

Figura 8. Representação esquemática da relação entre os objetivos gerais dos parques naturais, considerando a sua

importância e abrangência geográfica.

No entanto, a relação (positiva) entre os objetivos pode ser igualmente vista pela ordem inversa, com o desenvolvimento socioeconómico na base. Se este for garantido, existirão condições para a fixação das populações nesses territórios, que desenvolvem as suas atividades tradicionais e desejam oportunidades para o contacto com a natureza. Essa procura pode motivar a preservação dos serviços dos ecossistemas, que contribui para a conservação das espécies e dos habitats (Figura 9, versão 2)).

Em qualquer dos casos o objetivo de desenvolvimento socioeconómico é o mais abrangente do ponto de vista territorial, enquanto o de preservação de espécies e habitats o mais circunscrito a áreas específicas.

Figura 9. Representação esquemática da relação entre os objetivos gerais dos parques naturais. Versão 1) e versão

2) mostram diferentes perspetivas sobre qual o objetivo que deve estar na base.

É expectável que a primeira perspetiva seja dominante entre os profissionais ligados à conservação da natureza e a segunda reúna mais defensores entre os stakeholders locais.