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Conforme afirmado por McGonigal (2011), é preciso manter o jogador (ou usuário) constantemente motivado na busca de seu objetivo através de um sistema de feedback. Se aplicarmos esse pensamento ao contexto do Tinder, perceberemos a presença de tal sistema na dinâmica de uso do aplicativo e na comunicação que o mesmo estabelece com seus usuários pelo envio de notificações push que incentivem seu acesso constante (apesentadas em seções anteriores deste trabalho).

No entanto, apesar de seu destaque no conjunto do sistema, tais notificações não podem ser consideradas como a única maneira utilizada para instigar o interesse dos usuários. Ficamos então com a seguinte pergunta: como o Tinder mantém seus

13 "’Sempre vimos o Tinder, a interface, como um jogo’, disse Rad. ‘O que você está fazendo, o movimento, a reação.’ Então Rad e Badeen modelaram a pilha original de rostos potenciais após um baralho de cartas. Ao jogar com cartas físicas para inspiração, seu desejo natural era interagir com o card do topo jogando-o para o lado. Assim, o ícone do Tinder Swipe nasceu.” (STAMPLER, 2014)

usuários constantemente interessados em seu uso? A resposta, embora complexa, pode ser resumida em duas palavras: sua mecânica.

Mas o que compõe tal mecânica? Ao contrário do que se costuma presumir em uma análise inicial, a mecânica do Tinder não está resumida apenas ao swipe, a navegação entre perfis disponibilizados para interação entre buscadores e buscados uma afirmação pode ser feita uma vez que a interação não seria possível sem a presença de um sistema que permita essa dinâmica. Dentre os itens que compõe estão: o algoritmo de seleção de usuários para disponibilização ao buscador, as funções de destaque (superlike e boost) e os planos pagos (Tinder Plus e Tinder Gold) que serão analisados a seguir.

Aqui é importante relembrar que:

1) O Tinder tem o objetivo de possibilitar que pessoas se conheçam (“deem match”), conversem e namorem.

2) A experiência essencial desejada para aqueles que o usam é a de diversão abundante.

3) A vivência de uma experiência lúdica (jogo de cartas) influenciou o processo de desenvolvimento do aplicativo.

Se fizermos um exercício criativo em que cada uma das afirmações acima seja resumida em um sentimento predominante, estes poderiam ser: (1) Mediação; (2) Inesgotável; (3) Recreação.

Considerando que os três pontos acima são a base para a mecânica proposta para o Tinder, é possível afirmar que os sentimentos transmitidos pelos mesmos também são uma maneira de resumi-la. Logo, se unirmos os três sentimentos em uma única frase podemos afirmar que a mecânica proposta aos usuários do Tinder é: uma mediação da recreação inesgotável.

O primeiro passo para o estabelecimento dessa mediação é dado através de uma das ferramentas mais utilizadas (e debatidas) por redes sociais e fontes de conteúdo na era da informação: o algoritmo.

Embora sua constante aplicação em plataformas digitais possa fazer parecer que se trata de algo exclusivo da contemporaneidade, o uso de algoritmos não é algo novo.

No que diz respeito a redes sociais, seu papel pode ser explicado como:

An algorithm can be defined as a set of rules or calculations used to solve problems and deliver a result. Algorithms are used in social media to deliver to content to the user. Not all social media platforms use algorithms, however many have adopted news feeds that are delivered via an algorithm in recent years.14

A habilidade organizacional e preditiva agregada ao uso seu em aplicativos e plataformas digitais – esta sim, sendo uma decorrência da contemporaneidade no mesmo – fez com que a presença de algoritmos sociais tenha sido alçada a uma categoria quase mítica, instigando um fascínio em inúmeros estudiosos que buscam compreendê-la. Conforme afirmado por David Beer (2016, p. 3) no artigo “The Social Power of Algorithms”:

[...] there is a sense of a need to explore how algorithms make choices or how they provide information that informs and shapes choice. And then, of course, we have the human agents who design the algorithms, whose designs then shape how these processes play out or how desired outcomes are modelled into those systems.15 Com o Tinder, não seria diferente. Ao longo de seus anos de existência, o algoritmo utilizado no pareamento de buscados e buscadores instigou a curiosidade de diversas áreas da pesquisa e meios de comunicação, sendo tema de centenas a milhares de artigos acadêmicos e publicações em veículos informativos variados – como pode ser observado no Gráfico 1:

14 “Um algoritmo pode ser definido como um conjunto de regras ou cálculos usados para resolver problemas e entregar um resultado. Algoritmos são usados em mídias sociais para entregar conteúdo para o usuário. Nem todas as plataformas de mídia social usam algoritmos, mas muitos adotaram feeds de notícias que são entregues por meio de um algoritmo nos últimos anos”. Disponível em:

<https://www.hopperhq.com/social-media-marketing-glossary-2018/algorithm/>.

15 “[...] existe uma sensação de necessidade de explorar como os algoritmos fazem escolhas ou como eles fornecem informações que informam e modelam a escolha. E então, é claro, temos os agentes humanos que projetam os algoritmos, cujos designs moldam como esses processos se desenrolam ou como os resultados desejados são modelados nesses sistemas”. Disponível em:

<https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/1369118X.2016.1216147?needAccess=true>.

Gráfico 1 - Resultados de buscas referentes ao algoritmo do Tinder.

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

O enigma foi parcialmente desvendado em 2016 quando Austin Carr, repórter de design e tecnologia da revista norte-americana Fast Company, teve acesso a um vislumbre do funcionamento do até então misterioso algoritmo do Tinder durante uma entrevista com membros-chave de sua equipe e seus fundadores:

Referred to inside the company as an “Elo score,” a term the chess world uses to rank player skill levels, Tinder’s rating system helps it points than if you played someone with a lower score,” he says. “It’s a way of essentially matching people and ranking them more quickly and accurately based on who they are being matched up against.”

Still, as nuanced as Tinder’s algorithm may be, it ultimately comes down to what Tinder data analyst Chris Dumler calls a “vast voting system.” Every time you swipe right on one person and left on another, you’re fundamentally saying, “This person is more desirable than this other person,” says Dumler. “Every swipe is in a way casting a vote: I find this person more desirable than this person, whatever motivated you to swipe right. It might be because of attractiveness, or it might be because they had a really good profile.” Tinder’s engineers 642.000

395.000

902.000

281.000

2.860 231 4.340 341

Tinder Algorithm Tinder Algoritmo Resultados de buscas referentes ao algoritmo do Tinder

Google Google Acadêmico

tell me they can use this information to study what profiles are considered most alluring in aggregate.16 (CARR, 2016, [internet]) Com a declaração publicada no artigo o Tinder reafirmou, mais uma vez, a presença do lúdico na inspiração de seu desenvolvimento. Enquanto Rad e Mateen se inspiraram na dinâmica de manuseio de um baralho ao desenvolver o hoje famoso swipe, o depoimento de Jonathan Badeen na citação acima mostra a influência de outro jogo, de extrema popularidade, no processo de criação do aplicativo: o jogo de interpretação de personagens online e em massa para multijogadores (ou MMORPG, Massively Multiplayer Online Role-Playing Game) World of Warcraft.

A comparação do uso do sistema de classificação Elo às batalhas virtuais realizadas no mundo virtual do World of Warcraft traz à tona um aspecto (até então subjetivo) do Tinder: a competitividade.

Embora a presença de um espírito competitivo entre usuários (seja como buscados ou buscadores) possa não ser considerada uma grande surpresa ao refletir sobre a vivência da dinâmica de flerte emulada pelo aplicativo quando esta ocorre no mundo

“real”, o uso do sistema de classificação Elo ao desenvolver o algoritmo do Tinder atribui um aspecto velado à mesma, visto que:

Essentially, the app used an Elo rating system, which is the same method used to calculate the skill levels of chess players: You rose in the ranks based on how many people swiped right on (“liked”) you, but that was weighted based on who the swiper was. The more right

16 Referido dentro da empresa como uma "pontuação Elo", um termo que o mundo do xadrez usa para classificar os níveis de habilidade do jogador, o sistema de classificação do Tinder ajuda a analisar sua base de usuários para facilitar melhores correspondências. Usando o sistema, o Tinder poderia, digamos, exibir mais datas potenciais com base na compatibilidade das pontuações. [...]

Jonathan Badeen, vice-presidente de produtos da Tinder, compara com o videogame Warcraft. "Eu costumava jogar há muito tempo, e sempre que você joga com alguém com uma pontuação muito pessoa”, diz Dumler. “Cada golpe é de certa forma um voto: eu acho essa pessoa mais desejável do que essa pessoa, o que motivou você a deslizar para a direita. Pode ser por causa da atratividade, ou pode ser porque eles tinham um perfil muito bom.” Os engenheiros do Tinder me dizem que podem usar essas informações para estudar quais perfis são considerados mais atraentes em conjunto.

Disponível em: <https://www.fastcompany.com/3054871/whats-your-tinder-score-inside-the-apps-internal-ranking-system>.

swipes that person had, the more their right swipe on you meant for your score.

Tinder would then serve people with similar scores to each other more often, assuming that people whom the crowd had similar opinions of would be in approximately the same tier of what they called “desirability”. (Tinder hasn’t revealed the intricacies of its points system, but in chess, a newbie usually has a score of around 800 and a top-tier expert has anything from 2,400 up.)17 (TIFFANY, 2019, [internet]}

A afirmação da contabilização de curtidas no perfil de um buscador como uma maneira de determinar a nota de classificação do usuário em uma escala que determina os buscados que serão disponibilizados para interação mostra que – ao contrário do que é comunicado pela empresa – a dinâmica de double opt-in se faz presente não apenas no momento da combinação entre usuários como também na classificação de usuários presentes na plataforma. Em outras palavras: a elegibilidade de um buscador é construída de maneira coletiva pelos buscados.

A constatação remete à reflexão de Schell (2011) acerca dos tipos de equilíbrio presentes no design de jogos, especificamente ao equilíbrio competição versus cooperação, quando este afirma que:

Competição e cooperação são tão importantes para nossa sobrevivência que temos de testá-las – em parte, para que possamos utilizá-las melhor e, em parte, para conhecer melhor nossos amigos e familiares – assim, temos uma noção melhor de quem é bom em que, e como podemos trabalhar juntos. Jogos oferecem uma maneira socialmente muito segura de explorar como as pessoas à nossa volta se comportam em situações estressantes – essa é a razão oculta pela qual gostamos de jogos. (SCHELL, 2011, p.185)

[...]

17 “Essencialmente, o aplicativo usava um sistema de classificação Elo, que é o mesmo método usado para calcular os níveis de habilidade dos jogadores de xadrez: você subiu nas classificações com base no número de pessoas que passou (“curtiu”) você, mas foi ponderado com base em quem o swiper era. Quanto mais furto a pessoa tiver, mais o golpe correto em você significa para sua pontuação. O Tinder servia pessoas com pontuações semelhantes umas às outras com mais frequência, presumindo que as pessoas com as quais a multidão tivesse opiniões similares estariam aproximadamente no mesmo nível do que eles chamavam de "desejabilidade". (Tinder não revelou os detalhes de seu sistema de pontos, mas no xadrez, um novato geralmente tem uma pontuação de cerca de 800 e um especialista de primeira linha tem algo de 2.400 para cima.)”. Disponível em:

<https://www.vox.com/2019/2/7/18210998/tinder-algorithm-swiping-tips-dating-app-science>.

À medida que um número cada vez maior de jogos é jogado on-line, mais oportunidades para diferentes tipos de competição e colaboração se tornam disponíveis, desde jogos de xadrez multiplayer casuais entre duas pessoas a equipes competidoras com milhares de jogadores nos Massievly Multiplayer Online Role Playing Games (MMORPGs). Mas as forças psicológicas que nos levam a apreciar a competição e a cooperação não mudaram – quanto melhor você puder entender e balancear essas forças, melhor seu jogo se tornará. (SCHELL, 2011, p.187)

A menção ao uso da compreensão e balanceamento do equilíbrio entre competição e cooperação como uma ferramenta na melhoria da experiência vivida dentro da estrutura de um jogo se faz interessante no contexto do Tinder, especialmente ao relembrar que este se trata de um aplicativo que deseja transmitir uma experiência essencial de diversão abundante através de um sistema que atua como uma mediação da recreação inesgotável.

A união das afirmações referentes à experiência essencial e a mecânica do Tinder em uma única frase pode ser inicialmente percebida como uma contradição, visto que uma interpretação inicial da mesma pode gerar a percepção que a mecânica do aplicativo atua como um obstáculo a seu próprio objetivo. Mas, se aplicarmos a afirmação ao contexto proposto por Schell, perceberemos que o que pode parecer uma contradição é, na verdade, uma ferramenta para o desenvolvimento de um fluxo que converse com o princípio do sistema de feedback apresentado por McGonigal (2011), conforme será demonstrado na seção a seguir.

2.8 Press to continue: atividades de fluxo, impulsos e o desafio de manter o