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Pressupostos da análise: conceitos e definições fundamentais para a compreensão

PARTE II – AS ARTICULAÇÕES ENTRE ESTRUTURA, PROCESSO, FUNÇÃO E FORMA.

4.1 Pressupostos da análise: conceitos e definições fundamentais para a compreensão

Antes de iniciarmos as discussões propostas para esta segunda parte do trabalho consideramos necessário realizar algumas aproximações acerca da forma de estruturação e funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, do qual os bancos são parte fundamental, para que estejamos munidos das definições e terminologias necessárias para lidar com a análise do desenvolvimento técnico e normativo bancário no país.

Além disso, dedicaremos especial atenção à discussão e diferenciação do que sejam as lógicas e as estratégias espaciais dos agentes econômicos no contexto atual para que possamos avaliar adequadamente quais as lógicas e estratégias que orientam a topologia da rede de fixos nas diferentes etapas do desenvolvimento técnico e normativo bancário, na escala nacional e na cidade de Campinas.

Segundo Contel (2011) e Banco Central do Brasil (2010) o SFN é formado por um conjunto de normas, instituições e atores financeiros instalados no território nacional, sendo que dentre estes atores/instituições destacam-se: 1. Órgãos normativos (sendo o Conselho Monetário Nacional o principal deles); 2. Entidades supervisoras (sendo o Banco Central do Brasil a principal); 3. Operadores (dentre eles os bancos comerciais – públicos e privados – bancos de investimento, cooperativas de crédito, “financeiras”, companhias de seguros, bolsas de mercadorias, bolsas de valores, entidades de previdências, etc.).

Neste contexto os bancos públicos e privados enquadram-se na categoria de operadores no SFN, sendo os cinco maiores bancos comerciais atuantes no país o recorte

privilegiados em nosso estudo: Banco Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Caixa Econômica Federal.

Além da definição da composição do SFN também destacamos, para os fins analíticos que nos interessam, a classificação e definição sobre os diferentes fixos bancários, ou seja, as estruturas físicas que dão suporte a intermediação financeira destes atores no território nacional.

Segundo definição e regulamentação do Banco Central do Brasil no topo da “hierarquia” estão as sedes bancárias, que são os centros operativos da administração e gestão das entidades bancárias. Em seguida destacam-se as agências, filial bancária que oferece todos os tipos de serviços ao cliente com horário de atendimento presencial restrito e regido pelas leis trabalhistas vigentes, além de contar com a presença dos PAE em sua estrutura de atendimento.

Destacam-se, ainda, os posto de atendimento, dentre eles, os Postos de Atendimento Bancário (PAB) e os Postos Avançados de Atendimento (PAA), que são fixos semelhantes às agências – sendo que aquele é voltado ao atendimento mais restrito a funcionários de empresas e instituições públicas e/ou privadas, tendo flexibilidade de determinar seus próprios horários de atendimento presencial; já este só pode ser instalado em cidades onde a respectiva instituição bancária não possua agências, sendo atribuição do banco determinar horários de funcionamento e tipos de serviços prestados. Também destacamos os Postos de Atendimento Eletrônico (PAE) – caixas eletrônicos – que caracterizam-se por serem um objeto técnico, conectado à rede interna dos bancos, que permite o oferecimento de serviços bancários limitados por meio do autoatendimento.

Por fim, destacam-se os correspondentes bancários, regulamentados a partir das resoluções n°2.640/1999 e n°2.707/2000 (Contel, 2007), fixos bancários criados por meio da instalação da infraestrutura técnica necessária ao oferecimento de serviços bancários em estabelecimentos comerciais prestadores de serviços como supermercados, farmácias, agências dos correios, etc.

Quadro 1- Tipo, Definição, funções e lógicas espaciais de instalação dos fixos bancários.

TIPO DEFINIÇÃO FUNÇÕES LÓGICAS ESPACIAIS

Sede bancária

Centro operativo de administração e gestão das entidades bancárias cujo papel é o de centralizar as ações e produzir os comandos necessários ao funcionamento de todo o sistema de ações que dão suporte às funções de intermediação financeira dos bancos.

Garantir a gestão centralizada de todo o sistema de ações que dão suporte às funções de intermediação financeira, assim como supervisionar e ordenar as funções desempenhadas por todas as entidades e fixos ligados à instituição bancária.

Possuem uma localização centralizada, tanto do ponto de vista da rede urbana, localizando- se nos mais importantes centros financeiros do país; quanto do ponto de vista das cidades, ocupando os eixos de maior acessibilidade.

Agência Bancária

Filial bancária que oferece todos os tipos de serviços bancários, com horário de atendimento presencial restrito e regido pelas leis trabalhistas vigentes

Oferece um complexa gama de serviços bancários com foco no atendimento presencial.

Localizam-se principalmente no centro e nas centralidades mais importantes das cidades, com orientação às áreas onde vivem populações de maior poder aquisitivo.

Posto de Atendimento Bancário (PAB)

Fixo semelhantes às agências, sendo mais voltado ao atendimento restrito a funcionários de empresas e instituições públicas ou privadas, tendo flexibilidade de determinar seus próprios horários de atendimento presencial.

Oferece um complexa gama de serviços bancários com foco no atendimento presencial voltado de grupos restritos.

Localizam-se no interior de instituições públicas, centros empresariais, universidades, polos industriais, etc.

Posto Avançado de Atendimento (PAA)

Fixo semelhantes às agências que só podem ser instalados em cidades onde a respectiva instituição bancária não possua agência, sendo atribuição da instituição determinar horários de funcionamento e tipos de serviços prestados.

Oferece um conjunto limitado de serviços em cidades onde não há presença de agência bancária.

Localizam-se em cidades onde não há presença de agencia bancaria (esses fixos tem sido substituídos pela atuação dos correspondentes bancários).

Posto de Atendimento Eletrônico (PAE)

Objeto técnico, conectado à rede interna dos bancos, que permite o oferecimento de serviços bancários limitados por meio do autoatendimento.

Oferecer um conjunto limitado de serviços por meio do autoatendimento.

Possuem uma localização mais flexível em função do tamanho, tipo de atendimento oferecido e horário de funcionamento, sendo instalados no interior das agências, shopping centers, postos de gasolina, etc.

Correspondente Bancário

São fixos bancários criados por meio da instalação da infraestrutura técnica necessária ao

oferecimento de serviços bancários em estabelecimentos comerciais como

supermercados, farmácias, etc.

Oferecer um conjunto limitado de serviços por meio de um estabelecimento não

bancário.

Aproveitam-se da localização estratégica de estabelecimentos bancários no interior dos bairros e em centralidades mais afastadas do

centro tradicional.

Como fundamento teórico e de método necessário às análises empreendidas a diante, ressaltamos a importância da definição e diferenciação entre lógicas espaciais e estratégias espaciais, tanto como instrumento de avaliação das complexidades da topologia bancária quanto da adequada consideração de suas escalas de atuação no território.

Para tanto, nos fundamentaremos nas discussões propostas por Beltrão Sposito e Sposito (2017) que assinalam a importância da consideração e diferenciação entre lógicas e estratégias espaciais das grandes empresas, já que são elas capazes de articular, de maneira mais intensa, múltiplas escalas geográficas ao conectar cidades distantes entre si redefinindo seus papeis e posições na redes urbana (IDEM, 2017). Neste sentido, as escolhas espaciais destas empresas, incluindo os bancos, são capazes de contribuir à redefinição das funções e papeis desempenhados pelas cidades nas quais se instalam.

As lógicas espaciais das empresas, em interface com suas lógicas econômicas, são mecanismos que visam diminuir custos e ampliar as bases territoriais de atuação, portanto, são fundadas em princípios mais gerais de funcionamento e orientação dos objetivos econômicos dessas empresas. Entretanto, apesar das diretrizes mais gerais de atuação destes agentes econômicos no território, nem sempre fazem as mesmas escolhas em todas as situações geográficas, ou seja, as particularidades dos espaços onde atuam exigem práticas específicas, nas palavras dos autores, estratégias espaciais adaptadas aos diferentes contextos (BELTRÃO SPOSITO; SPOSITO, 2017). Deste modo, as estratégias espaciais podem “[...]conotar diferentes formas de ação de um agente econômico que carrega, em seu âmago, o peso da tomada de decisões (diferentemente da lógica, que contém o significado dos processos gerais que envolvem e condicionam as estratégias)” (IDEM, 2017, p.472)

Assim, as estratégias espaciais revelam as possibilidades de definição e redefinição da localização de estabelecimentos de maneira seletiva e adaptada a diferentes contexto espaço-temporais, sendo seu objetivo principal a otimização de seus lucros ao privilegiar certas parcelas do território em um movimento de articulação entre a tomada de decisão na escala da rede urbana e na escala das cidades (BELTRÃO SPOSITO; SPOSITO, 2017).

A relevância deste debate reside no fato de que tanto as lógicas quanto as estratégias espaciais compõe o quadro de tomada de decisão das instituições bancárias, já que sua estrutura de organização e funcionamento articula múltiplas escalas, desde a localização dos fixos necessários à intermediação financeira nas cidades até a localização das sedes bancárias e centros de processamento de dados, cujas decisões consideram os planos regional,

nacional e internacional articulados na dinâmica mais geral de funcionamento de suas redes. Portanto,

As lógicas econômicas e espaciais, de um lado, e as estratégias espaciais, de outro, formam um par contraditório que contribui para explicar, de maneira racional, como as empresas atuam espacialmente e como decidem suas localizações na rede urbana, seja do ponto de vista de um país ou entre países (isto é, em diferentes escalas geográficas) (BELTRÃO SPOSITO; SPOSITO, 2017, p.476)

A partir dessas considerações, ressaltamos que tanto as lógicas quanto as estratégias espaciais bancárias são orientadas por uma seletividade que busca a máxima eficiência econômica, ou seja, a maximização dos lucros obtidos por meio das atividades de intermediação financeira. Por outro lado, esta seletividade também é orientada pela localização das redes técnicas necessárias ao funcionamento dos serviços e operações internas aos bancos.

Vale destacar, contudo, que investigar e conhecer de maneira minuciosa as lógicas e, sobretudo, as estratégias de cada instituição bancária é uma tarefa muito difícil, já que tratam-se de informações confidenciais e restritas à gestão de cada uma destas instituições. Todavia “[...] analisar o mercado implantado e observar a relação de tais movimentos com a dinâmica da própria economia permite extrair indicadores, relações e direcionadores de comportamento geral desse mercado” (CAMOCARDI, 2013, p.14) e é neste sentido de análise, fundada no tratamento de dados e na observação empírica, que objetivamos avaliar e discutir as lógicas e estratégias dos bancos.

Segundo a base metodológica apresentada as ações dos bancos podem ser divididas, para fins analíticos, em lógicas e estratégias espaciais. No primeiro caso, a orientação de suas escolhas se dá segundo muitos aspectos, dos quais destacamos como fundamentais: contingente populacional, PIB/PIB per capta, densidade das redes técnicas de suporte e cidades com posição regional estratégica na rede urbana (SICSÚ; CROOCO, 2003). Vale destacar que,

O que se verifica, de forma geral, é a análise de população, renda, pib, crédito, depósitos demais variáveis do cenário econômico, partindo da premissa que a instalação de uma agência não cria demanda por dinheiro e empréstimos, mas sim tira proveito de uma demanda existente, para a qual os bancos aguardam a oportunidade certa para se posicionar perante o mercado consumidor e observam a concorrência (CAMOCARDI, 2013, p.33)

Por outro lado, estes aspectos são considerados, com maior ou menor peso, a depender do tipo de fixo a ser instalado, por exemplo, no caso dos estabelecimentos bancários voltados à intermediação financeira (Agências, PAB, PAE...) as variáveis população, PIB/PIB

per capta e redes técnicas de suporte são fundamentais para as escolhas espaciais dos bancos na escala da rede urbana, por outro lado, no nível da organização institucional e dos fluxos necessários ao funcionamento geral da atividade bancária, como as decisões sobre a localização de sedes bancárias e centros de processamento de dados – para ficar em dois exemplos –, são mais orientadas pela densidade técnica dos lugares e pela centralidade na rede urbana. Não por outro motivo a parte majoritária das sedes bancárias concentra-se no Estado de São Paulo (Gráficos 1 e 2), mais especificamente na região metropolitana, assim como os centros de armazenamento e processamento de dados dos maiores bancos do país (Santander: Campinas/SP; Bradesco: Osasco/SP e Barueri/SP; Itaú: Mogi Mirim/SP).

Portanto, consideramos que as lógicas espaciais dos bancos não podem ser entendidas senão na articulação com as dinâmicas da rede urbana, ou seja, com os processos de estruturação e reestruturação urbana que transformam as funções e papeis desempenhados pelas cidades (BELTRÃO SPOSITO, 2007) – sobretudo pelas metrópoles nacionais – que, por sua vez, exigem redefinições também nas lógicas dos bancos, como demonstrou o estudo de Corrêa sobre a mudança das sedes bancárias do Rio de Janeiro para São Paulo durante as décadas de 1980 e 1990 (CORRÊA, 1995). Neste sentido, “[...] é no encontro de ações empreendidas em diferentes escalas espaciais que os sistemas financeiro e bancário aqui se reorganizam” (DIAS, 2006, 2011; DIAS; LENZI, 2009)” (DIAS, 2017, p.386).

Gráfico 1 - Brasil. Número de sedes bancárias por estado da federação, 2014.

Fonte: Banco Central, dados 2014. Elaborado por: Oliveira, J. S., 2017. 0 20 40 60 80 100 120

Gráfico 2 - Estado de São Paulo. Número de sedes bancárias por município, 2014.

Fonte: Banco Central, dados 2014. Elaborado por: Oliveira, J. S., 2017.

Ainda do ponto de vista das lógicas, consideramos importante enfatizar semelhanças e diferenças entre as lógicas espaciais e econômicas dos bancos públicos e dos bancos privados. Do ponto de vista mais geral é possível constatar muitas semelhanças entre as lógicas das instituições públicas e privadas, dado que ambas orientam suas escolhas em função da rentabilidade potencial, ou seja, “Ambos tendem a ter uma associação positiva com áreas econômicas mais ricas e têm uma certa tendência urbana. Em especial em áreas esparsamente servidas[...]” (IPEA, 2004, p.16).

Contudo, segundo alguns indicadores apresentados em relatórios do IPEA (2004) as lógicas se distinguem sobretudo do ponto de vista da rede urbana, dado que os bancos públicos assumem maiores compromissos sociais na prestação de seus serviços, com destaque as populações mais pobres e às cidades onde não há presença da rede bancária privada, de modo que as redes de fixos dos bancos públicos desempenham papel importante na capilarização dos serviços bancários pelo território, impulsionando o processo de bancarização da população brasileira (CONTEL, 2009:2007).

Já do ponto de vista das estratégias espaciais, com ênfase ao espaço das cidades, destacamos como fundamentais para as escolhas espaciais dos bancos – tanto públicos como privados – as variáveis: nível de renda da população, densidade técnica, assim como centralidade e acessibilidade urbana (GARROCHO-RANGEL; CAMPOS-ALANÍS, 2010; SCHERMAN, 2008; OLIVEIRA, 2016:2017). 6 1 1 6 3 1 1 88 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Considerando que a seletividade dos fixos bancários nas cidades é orientada, sobretudo, por essas variáveis, podemos compreender as especificidades das estratégias destas instituições, por exemplo, ao instalar sua rede de agências privilegiando os centros tradicionais e os eixos de maior acessibilidade, principalmente às populações de maior poder aquisitivo, áreas que também contam com as maiores densidades técnicas.

No caso da análise das estratégias espaciais dos bancos nas cidades, contudo, não basta reconhecer a validade das variáveis elencadas, senão, as dinâmicas próprias de estruturação do espaço que geram redefinições na forma, função e conteúdo das cidades (BELTRÃO SPOSITO, 2007) alterando as dinâmicas do centro e das centralidades que, por sua vez, proporcionam novas escolhas espaciais para os bancos, já que estas instituições “[...]se estabelecem perto dos consumidores potenciais, onde as negociações ocorrem localmente para captar seus recursos[...]” (CAMOCARDI, 2013, p.14)

Podemos estabelecer, então, que as lógicas e estratégias bancárias na rede urbana e nas cidades ajudam a elucidar a complexidade das novas formas de organização dos bancos e como a topologia de suas redes podem ser capazes de acirrar processos de diferenciação espacial e desigualdade no acesso às serviços bancários, seja através da utilização dos fixos ou dos canais digitais. Portanto, como destaca Dias (2017)

Longe de eliminar a importância dos lugares nos processos financeiros, a mundialização financeira não tornou a geografia imaterial: pelo contrário, influenciada por contextos históricos e institucionais, a localização geográfica continua a demarcar quem tem acesso a quais serviços financeiros e a que preço (DIAS, 2017, p.385).

Assim, a multiescalaridade das escolhas espaciais dos bancos nos ajudam a analisar as complexidades envolvidas na topologia das redes bancárias no Brasil, sobretudo ao considerar processos como a dispersão da rede de fixos nas décadas de 1980 e 1990 no país que, apesar de expandir as agências a lugares antes desatendidos na rede urbana, no nível das cidades manteve uma seletividade espacial que não contribuiu para a superação das desigualdades no acesso a estes serviços pelas populações de menor renda e que ocupam os bairros periféricos. Em outras palavras,

[...] políticas que enfocam a equalização geográfica de serviços podem não ser, por si sós, adequadamente eficazes para direcionar o acesso. Essa é uma observação importante no contexto brasileiro, onde grandes esforços para expandir o acesso têm se concentrado em garantir que haja pelo menos um ponto financeiro de serviço (agência, posto de serviço ou correspondente) em cada município. Tais políticas não garantem que os usuários de serviços financeiros em tais locais sejam, de fato, de segmentos mais pobres. Na verdade, pessoas mais abastadas, mesmo desses bairros, podem ter mais sucesso em obter acesso financeiro. (IPEA, 2004, p.19)

A partir dessas considerações introdutórias sobre as complexidades das ações espaciais dos bancos, analisaremos o curso de seu desenvolvimento técnico e normativo recente em articulação com as transformações em suas lógicas espaciais na escala do território nacional.

4.2 Evolução técnica e normativa e as transformações nas lógicas