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Transformações urbanas sob impulso das modernizações capitalistas: as lógicas

PARTE I – DIMENSÃO DA ESTRUTURA A ATUAL FASE DE MODERNIZAÇÃO

3. Tecnificação do território e o desenvolvimento das redes de telecomunicação no Brasil:

3.1 Transformações urbanas sob impulso das modernizações capitalistas: as lógicas

urbanas na cidade de Campinas.

Como vimos, o processo de modernização contemporânea transforma o território a partir da construção e reconstrução constante do meio técnico-científico-informacional que, por sua vez, redefine o processo de urbanização ao atribuir novas funções e papeis às aglomerações que compõem a rede urbana, assim como ao promover redefinições na produção do espaço nas cidades.

Neste sentido, os processos de modernização e as transformações urbanas configuram um par dialético que compõem as trajetórias da evolução urbana capitalista (MATTOS, 2006), relação esta constituída pelas dimensões da reestruturação urbana e das cidades (BELTRÃO SPOSITO, 2004:2007).

A Reestruturação urbana diz respeito as redefinições dos conteúdos, papeis e funções urbanas, assim como dos sistemas de ações, que marcam um momento de inflexão no curso da urbanização promovendo mudanças profundas nas dinâmicas e na estrutura urbana. A reestruturação das cidades, por seu turno, refere-se analiticamente à materialização destas transformações na cidades que podem gerar processos de construção e reconstrução do espaço, assim como de destruição, impondo importantes mudanças às dinâmicas das cidades. Vale ressaltar, “[...] evidentemente, que essa distinção tem a intenção, apenas, de destacar o que se toma como prevalente, em cada momento da análise, porque não há estruturação urbana sem estruturação da cidade e vice-versa” (SPOSITO, 2004, p. 312).

Esta dinâmica dialética entre modernização e urbanização não é homogênea no tempo e no espaço, de modo que “[…] al mismo tiempo que ciertas tendencias que marcan la evolución urbana capitalista ya se pueden observar desde los orígenes de la misma, otras comenzaron a manifestarse posteriormente, siendo específicas a una determinada fase de esa evolución (…)” (MATTOS, 2006, p.68).

Dentre as muitas transformações resultantes da reestruturação urbana no período atual destaca-se a crescente relevância das funções de comando exercidas pelas metrópoles (MATTOS, 2006) que são cada vez mais articuladoras das dinâmicas dos fluxos nacionais e internacionais, estabelecendo-se como importantes centros das redes de fluxos globalizados (SASSEN, 1998).

Neste sentido, fazemos referência as transformações na estrutura, forma e processo da metrópole que passam por uma verdadeira metamorfose (LENCIONI, 2017) em

função da reestruturação produtiva movida por um novo impulso de modernização capitalista cujas características fundantes podem ser definidas por três variáveis: redes, informação e finanças.

Além destas, Mattos (2006) destaca a relevância da emergência de um conjunto de políticas fundadas no discurso teórico-ideológico da liberalização econômica, discurso fundamental à mundialização dos capitais e à penetração das práticas coorporativas nos processos de planejamento e gestão públicos (COMPANS, 2004) que impactam, sobremaneira, o processo de produção do espaço nas cidades, dimensão esta que exploraremos ao discutir o processo de estruturação e reestruturação do espaço na cidade de Campinas.

Do ponto de vista da emergência de um novo meio técnico, neste contexto de modernização, a informação fundamenta-se como variável central ao ser portadora das ordens e comandos que circulam à escala planetária (SILVA, 2001) redefinindo, por sua vez, as formas e funções urbanas. Castells (1999) vai mais longe ao afirmar que esta “era da informação” introduz uma nova forma urbana: “a cidade informacional”. Neste sentido, o autor defende que:

[...] por causa da natureza da nova sociedade baseada em conhecimento, organizada em torno de redes e parcialmente formada de fluxos, a cidade informacional não é uma forma, mas um processo, um processo caracterizado pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos. (CASTELLS, 1999, p.421)

Este espaço de fluxos é organizado, como destacamos anteriormente, em torno de centros de comando e controle capazes de coordenar as ordens que estruturam a economia global, sendo as metrópoles os espaços privilegiados para a construção das bases materiais e imateriais de suporte à estas funções de comando, intensificando o fenômeno da metropolização (LENCIONI, 2017), de modo que a

[…] profunda reorganización de la geografía económica mundial, signada por la recuperación de la importancia de las grandes aglomeraciones urbanas y por el consecuente crecimiento de las mismas, acompaña y forma parte integral de este proceso. (MATTOS, 2006, p.41)

O território brasileiro não foge ao contexto destas transformações que se processam à nível global, já que elas também repercutem em alterações na trajetória da urbanização brasileira fazendo emergir e, em certos casos reforçar, papeis e funções urbanas – como é o caso do papel de comando das metrópoles – a medida em que “O lugar metropolitano se redefine, ganha outro conteúdo sob o impacto do novo sistema técnico informacional” (SILVA, 2001, p.146). Consideramos, portanto, que a redefinição dos

conteúdos técnicos dos espaços metropolitanos é condição fundamental para a reorganização espacial das estruturas produtivas e das ações dos agentes econômicos hegemônicos, inclusive dos bancos, como discutiremos de forma detalhada no seguinte capítulo.

Esta reestruturação produtiva, portanto, impulsiona um processo de reestruturação urbana cujo traço marcante é a dispersão e concentração espacial simultâneas das atividades econômicas, de modo que, “Tal concentração segue uma hierarquia entre as camadas dos centros urbanos com as funções de nível mais alto, tanto em termos de poder quanto de qualificação, e está localizada em algumas importantes áreas metropolitanas” (CASTELLS, 1999, p.405).

No caso brasileiro a cidade de São Paulo abriga as maiores densidades técnicas exigidas para o funcionamento do circuito de serviços avançados, denominado como “quaternário” (SILVA, 2001), exercendo as principais funções de comando no território. Assim,

Diremos que São Paulo é a fração do território brasileiro que, novamente, acolhe as inovações mais dinâmicas do presente e cujo cerne do movimento reside na produção de informações. Assumindo certas feições de metrópole global ou informacional, a metrópole paulista comanda o novo tempo da modernidade que chega ao país. Tratar-se-ia de uma modernidade destinada a funcionalizar, em áreas do território nacional, o sub-sistema de poder das redes globais. (SILVA, 2001, p. 102)

Contudo outras cidades, como Campinas, também possuem as condições técnicas exigidas para o funcionamento de alguns ramos de atividades avançadas – como é o caso das empresas que compõem os polos de alta tecnologia desta cidade – ainda que com menores densidades e menor participação na produção das ordens e comandos estruturantes dos fluxos internacionais e do território nacional.

Deste modo, nos fundamentamos em Santos (2000a) e Silva (2001) na compreensão da complexidade dos papeis e funções desempenhados pelos centros urbanos no atual contexto de modernização. Para aquele autor, a globalização alcança todos os lugares de maneira hierárquica, deste modo, apenas para efeitos analíticos, propõe-se a existência de “lugares globais complexos” e “lugares globais simples”, ambos resultado da nova divisão territorial do trabalho, ou seja, dos novos modos de fazer.

Assim, nos lugares globais complexos há uma maior espessura e diversificação das atividades econômicas, sobretudo aquelas atreladas à produção de informações e ordens, assim como uma maior participação na coordenação dos fluxos de capitais (SILVA, 2001). Esses espaços abrigam, ainda, os objetos técnicos mais modernos e são mais profunda e diretamente transformados pelos vetores das modernizações capitalistas.

Por outro lado, os lugares globais simples também participam da constituição do meio técnico-científico-informacional abrigando sistemas técnicos que permitem o funcionamento de certas atividades modernas, entretanto, com maior tendência à especializações produtivas, sobretudo ligadas às atividades de serviço e consumo, fabris e agrícolas. Assim, no caso da urbanização paulista,

É significativa a expansão da nova divisão do trabalho (...) tanto no interior do estado, quanto na região metropolitana [de São Paulo]. Como já salientado, prevalecem funcionalidades diferenciadas entre o interior e a metrópole; no primeiro caso temos a ampliação da densidade técnica e informacional, porém atrelada à operacionalização da produção (sobretudo atendendo aos ditames da modernas especializações fabris, agrícolas, financeiras e de consumo), enquanto no segundo caso temos o exercício do comando político da produção (...) (SILVA, 2001, p.80)

Deste modo, notamos que as transformações urbanas articuladas aos processos de modernização atuam seletiva e hierarquicamente no território estabelecendo na rede urbana uma ordem específica determinada pelas funções desempenhadas pelas cidades em razão de suas densidades técnicas que, dentre outras variáveis, determinam sua participação na divisão territorial do trabalho atual.

No caso brasileiro estas transformações têm como marco fundamental o processo de desconcentração espacial e econômica a partir de São Paulo que produz um impulso de interiorização do desenvolvimento econômico (CANO, 1988). Este processo econômico materializa-se em uma importante reestruturação urbana, de modo que algumas cidades passaram por uma ampliação e/ou reforço de seus papeis na rede urbana brasileira.

Neste contexto, destacamos que a desconcentração espacial da indústria não beneficiou apenas a periferia nacional, senão, promoveu um adensamento do tecido produtivo no interior do próprio estado de São Paulo, neste contexto “Campinas está no centro da região que mais se beneficiou do processo de interiorização do desenvolvimento no estado de São Paulo, que ocorre a partir de 60” (BRANDÃO; CANO, 2002, p.105)

A região metropolitana de Campinas, a partir de 1960, conheceu um rápido crescimento urbano e intenso processo de tecnificação de seu espaço, processos impulsionados pela interiorização da indústria no estado de São Paulo que atraiu população, intensificando os fluxos migratórios, e também os investimentos, o que proporcionou a emergência de uma nova dinâmica urbana e regional com novas características próprias dos chamados, à época, polos regionais (BRANDÃO; CANO, 2002).

A consolidação de Campinas como polo regional (BRANDÃO; CANO, 2002), a partir da densificação do meio técnico-científico-informacional e da instalação de atividades dinâmicas e de alta tecnologia (SANTOS; SILVEIRA, 2001), é precedida por um

encadeamento de eventos que, por meio do planejamento do poder público em articulação aos interesses das elites locais (BISNETO, 2009), preparam terreno para a constituição de um espaço corporativo pronto a atender os interesses dos agentes econômicos hegemônicos (MESTRE, 2009), fazendo com que a cidade de Campinas ocupasse posição privilegiada na dinâmica de modernização capitalista pela qual passa o território brasileiro.

As análises apresentadas por Bisneto (2009), Mestre (2009) e Cano e Brandão (2002) nos ajudam na compreensão dos eventos que marcaram o desenvolvimento urbano de Campinas, contudo, com base em nosso recorte temporal discutiremos brevemente alguns aspectos do período mais recente de estruturação da cidade, que se desenrola sobretudo a partir de 1930.

O desenvolvimento urbano da cidade de Campinas nas primeiras décadas do século XX, principalmente a partir de 1930, é marcado pela mudança no padrão de acumulação com a passagem da economia cafeeira para a urbano-industrial (CANO, 1988:1998), neste sentido

A transformação do padrão de acumulação capitalista da nação, forjada de modo pactuado, na ditadura varguista, entre a decante oligarquia rural e o capital financeiro e industrial, abriu, então, o palco da cidade para outros atores. (SANTOS; SILVEIRA, 2001, 317)

Como apontado por Santos e Silveira os atores privilegiados e herdeiros das benesses desse novo padrão de acumulação foram banqueiros, industriais e a própria burguesia urbana que passam a promover campanha para ampla reforma da cidade. Assim,

[...] as décadas de 1930 e 1920 são marcadas pela instalação da indústria na região e no município de Campinas, aproveitando a estrutura e a acumulação de capital deixadas pelo complexo cafeeiro. Com a sua erradicação, o algodão passou a ser o principal produto cultivado, o que propiciou a integração entre indústria e agricultura[...] (BISNETO, 2009, p.32)

Entre as décadas de 1940 e 1950 a industrialização se acelera com a instalação de inúmeras indústrias em Campinas – Singer, General Eletric, Bosch, Clarck e Rhodia –, sobretudo em razão da inauguração de novas rodovias que fazem aumentar a fluidez entre Campinas e a capital paulista – com destaque para a Rodovia Anhanguera – mas também em função da densificação das infraestruturas técnicas de comunicação e por fortes investimentos em polos tecnológicos (RIBEIRO, 2006) que formam parte da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (; FARIAS, 2004, apud BISNETO, 2009).

Assim, Campinas tornou-se durante o contexto do pós-guerra uma das frações mais dinâmicas da expansão industrial no Estado de São Paulo (CANO; BRANDÃO, 2002),

passando a figurar como um dos municípios que mais se urbanizaram, chegando a superar as taxas de crescimento estadual e nacional, como pode ser observado na tabela a seguir.

Tabela 1- Percentual da população urbana do Brasil, do Estado de São Paulo e do município de Campinas (1960 – 2000).

1960 1970 1980 1991 2000

Brasil 45 56 67 76 81

Estado de São Paulo 63 80 89 93 93

Campinas 84 90 90 97 98

Fonte: HOGAN, D. et al. (2001) apud Mestre, 2009.

O período caracteriza-se, assim, por um intenso crescimento urbano marcado pela abertura de inúmeras ruas, avenidas e estradas que viabilizam a criação de muitos loteamentos que fazem expandir o tecido urbano da cidade, impulsionando uma tendência de urbanização dispersa típica das metrópoles brasileiras (LENCIONI, 2017). Além disso, a construção do Aeroporto Internacional de Viracopos, a inauguração de importantes universidades, como a UNICAMP e PUCCCAMP, e a instalação de indústrias e laboratórios de alta tecnologia foram os fatores que contribuíram para a consolidação de Campinas, no final da década de 80, como uma das maiores e mais importantes cidades do Estado de São Paulo e do país (BISNETO, 2009).

Vale ressaltar, ainda, que houveram vultuosos investimentos estatais na construção destas condições gerais de infraestrutura para a produção industrial e agroexportadora (CANO; BRANDÃO, 2002), condições fundamentais para a expansão dos investimentos privados na instalação de um importante contingente industrial e de serviços na cidade. Deste modo, entre os anos de 1970 e 1980

[...] grandes redes de lojas, supermercados e shopping centers se sobrepõem ao antigo comércio tradicional. Além disso, o setor quaternário também se dinamiza com a chegada de muitas empresas de consultoria, de engenharia, de publicidade e de informática. (BISNETO, 2009, p.36)

Entretanto é a partir de 1988 que Campinas consolida sua condição de importante polo regional e nacional firmando uma prolifuncionalidade baseada nos setores terciário e quaternário ligados às universidades, empresas de consultoria, bancos estrangeiros, informática e etc., que transformaram o conteúdo de sua urbanização (MESTRE, 2009). Destaca-se, também, a expansão de grandes redes de lojas, supermercados e shopping centers (BISNETO, 2009) como novo vetor de modernização das atividades terciárias – sobrepondo-

se ao comércio tradicional – e conformando novas centralidades que contribuíram para uma reestruturação do espaço urbano em Campinas ritmada aos impulsos da modernização contemporânea no território brasileiro. Neste sentido,

A densidade técnica e informacional que se acumula no território é cada vez maior à medida que novas modernizações em tempos cada vez mais curtos se superpõem às antigas. O movimento da totalidade salta aos nossos olhos principalmente nos dias de hoje em que temos a informação como grande carro-chefe do período atual[...]. (BISNETO, 2009, p.66)

Deste modo, a compreensão do processo de reestruturação urbana ao qual se articula a cidade de Campinas passa pela interpretação das variáveis que fundam a modernização capitalista contemporânea. Assim, as transformações na produção do espaço nesta cidade passam a estar condicionadas, cada vez mais, aos interesses coorporativos, ou seja, às lógicas de reprodução dos capitais das grandes empresas, de modo que assistimos a um aprofundamento da “alienação do território”, processo que diz respeito

[...] àqueles lugares que preparam seu território com todo um conjunto de obras de infra-estrutura e isenções fiscais no intuito de atrair investimentos, mas acabam por se transformar em reféns da política das empresas em função do poder econômico que as empresas transnacionais possuem. (CATAIA, 2003, p.2)

Esta lógica coorporativa que predomina na redefinição das funções e na produção do espaço nas cidades é sustentada pelas ideologias da produtividade e da competitividade que são milimetricamente racionalizadas para a maximização dos lucros e moldam seletivamente os espaços das cidades a seus próprios interesses (SILVA, 2001). Portanto, consideramos que também a produção do espaço na cidade de Campinas serve a estes interesses coorporativos, sobretudo ao orientar os investimentos públicos à constituição das condições materiais e imateriais necessárias ao funcionamento das atividades ligadas aos interesses dos agentes hegemônicos da economia e da política.

Deste grupo de agentes consideramos que os bancos ocupam posição destacada no processo de reestruturação urbana e das cidades (OLIVEIRA, 2016), sobretudo por constituírem os nexos entre os fluxos econômicos locais, regionais, nacionais e internacionais, possibilitando que os lugares participem das dinâmicas da modernização na medida em que exigem, para o pleno funcionamento de suas funções, sistemas técnicos cada vez mais modernos e uma articulação cada vez mais intensa aos fluxos estruturantes da rede urbana nacional.

Esta tendência, por sua vez, assevera-se no período atual a medida em que a rarefação desses sistemas técnicos-informacionais impõem sérias barreiras à plena expansão

das atividades financeiras no contexto do atual paradigma técnico bancário, cujo traço marcante é a expansão dos canais digitais de autoatendimento que exigem, para seu pleno funcionamento, acesso à rede de internet e telefonia móvel, assim como aos objetos técnicos mais modernos.

Por outro lado, os bancos também proporcionam uma transformação nas práticas de consumo ao expandir seus diversos serviços de crédito e financiamento que penetram nas mais diversas camadas da sociedade, sobretudo nas metrópoles, constituindo também novos elos entre a órbita das finanças e o cotidiano das cidades, o que faz com que a população torna-se cada vez mais dependente dos serviços bancários para a realização de suas atividades diárias.

Em suma, o processo de reestruturação urbana e da cidade de Campinas, sob a orientação de uma lógica coorporativa, a situa em uma posição de relevância para o estudo das lógicas espaciais dos bancos em sua atual fase de desenvolvimento técnico e é com base na investigação destes nexos que desenvolveremos nossas discussões na parte II deste trabalho.

PARTE II – AS ARTICULAÇÕES ENTRE ESTRUTURA, PROCESSO, FUNÇÃO E FORMA.