CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.4. Currículo e as Teorias de Ensino-Aprendizagem
2.4.3 Pressupostos Teóricos do Cognitivismo
coordenação motora, que correspondem a uma infinidade de quadriculados, pontilhados e rabiscos que as crianças deveriam cumprir até a perfeição (cobrir os pontos sem sair da linha), desse modo, estariam preparadas para as tarefas mais árduas como a aprendizagem da leitura e da escrita, que, por sua vez, acontecia por meio de cópias, em cadernos normais ou de caligrafia, para aperfeiçoamento da letra, o que era atingido pela repetição ‐ o mesmo não pode ser dito da alfabetização, pois a repetição não garante a aprendizagem de todas as crianças.
2.4.3 Pressupostos Teóricos do Cognitivismo
Nesta seção discuto o cognitivismo. Segundo Mizukami (1986), essa abordagem estuda cientificamente a aprendizagem como sendo muito mais do que resultante do ambiente, das pessoas ou de fatores externos à pessoa, como a posição assumida pelos ambientalistas, discutida na seção anterior desta dissertação. O cognitivismo apresenta os nomes da médica italiana Maria Montessori (1870/1952) e do filósofo e psicólogo suíço Jean Piaget (1896/1980) como destaques e, mais recentemente, do psicólogo americano Jerome Bruner (1915/X). Neste estudo focarei somente a teoria de Piaget (1980). Segundo Sass15 (s/d), Piaget
utilizou o termo construtivismo com dupla finalidade, sendo que, primeiro, para reafirmar o papel ativo do sujeito na construção de novos conhecimentos e, segundo, para evidenciar sua adesão à perspectiva genética e explicar a construção de conhecimentos novos no âmbito da lógica, da matemática e da física. Desse modo, Piaget pretendia evidenciar que os problemas epistemológicos e as transformações das diversas ciências podem ser melhores explicados pela epistemologia genética.
Para a compreensão de suas questões centrais, de forma relativamente sintética, é fundamental partir do conceito de Equilibração. Para o pesquisador suíço, qualquer ser humano vivo procura manter o estado de equilíbrio com seu meio, buscando sempre superar possíveis perturbações, sendo que o estado
15 Sass, O. (s/d) Construtivismo e Currículo. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br. Acesso em:
constante em busca desse equilíbrio é denominado pelo pesquisador de equilíbrio
marjorante.
Assim, para manter o equilíbrio com o meio o indivíduo utiliza dois recursos: a assimilação e a acomodação. O primeiro compreende as “ações destinadas a
atribuir significações, a partir das experiências anteriores, aos elementos do ambiente com os quais interage”; e o segundo mecanismo corresponde ao ato de “restabelecer um
equilíbrio superior com o meio ambiente” (Davis & Oliveira, 1994:38). Em suma, todo novo conhecimento provoca um desequilíbrio na criança, que busca a acomodação pela assimilação do novo conceito, a partir dos conceitos já existentes. Davis & Oliveira (1994:38) apresentam um exemplo bastante ilustrativo:
Embora assimilação e acomodação sejam processos distintos e opostos, numa realidade eles ocorrem ao mesmo tempo. Por exemplo, ao pegar uma bola, ocorre assimilação na medida em que a criança pequena faz uso do esquema de pegar (uma certa postura de braço, mão e dedos) que já lhe é conhecido, atribuindo à bola o significado de “objeto que se pega”. No entanto, a acomodação também está presente, uma vez que o esquema em questão precisa ser modificado para se ajustar às características do objeto. Assim, a abertura dos dedos e a força empregada para retê‐lo são diferentes quando se pega uma bola de gude ou uma bola de futebol.
Dando continuidade às discussões relacionadas aos pontos relevantes da teoria de Piaget (1980), cabe destacar que o desenvolvimento, para esse autor, acontece por meio de estágios que se “inter‐relacionam e se sucedem até que se atinjam estágios da inteligência caracterizados por maior mobilidade e estabilidade” (Mizukami, 1989:60). Os estágios, para Piaget (1980), são sucessivos e lineares e correspondem a um momento específico do desenvolvimento, pela maturação biológica a criança vai transpondo cada um dos seguintes estágios:
o Estágio Sensório‐motor: compreende o período que vai do nascimento até os
2 anos. Nesse estágio ao construir os esquemas para assimilar o meio que o cerca, busca, também, adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. O estágio é chamado de sensório‐motor porque o conhecimento é adquirido por meio de suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas. A inteligência, nesse
período, é o que o autor chamou de inteligência prática, por esse motivo, o contato com o meio é sempre direto e imediato.
o Estágio Pré‐operatório: compreende o período que vai dos 2 anos até por volta dos 6 anos, nesse estágio a criança já interiorizou os esquemas construídos no estágio anterior. A grande marca desse estágio é que criança adquire a habilidade verbal, conseguindo nomear objetos e raciocinar intuitivamente, mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais. Nesse período a criança é marcadamente egocêntrica, ou seja, centrada nela mesma. Não discrimina detalhes, sua percepção de mundo é global. Tornando‐se capaz de imitar e interagir no mundo de faz‐de‐conta. o Estágio Operatório concreto: corresponde ao período que vai dos 7 aos 12 anos, a criança começa a lidar com conceitos abstratos, mas ainda ligados ao mundo concreto, como os números. A criança desenvolve, também, noções de tempo, espaço, velocidade e casualidade, entre outras. Torna‐se também capaz de abstrair fatos da realidade e relacionar diferentes aspectos. Esse estágio é caracterizado por uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos, nesse período surge também a capacidade de reversibilidade, ou seja, representar uma ação no sentido inverso.
o Estágio Operatório formal: corresponde ao período dos 12 aos 15 anos de idade. A criança começa a raciocinar lógica e sistematicamente. Esse estágio é definido pela habilidade de engajar‐se no raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos. As estruturas cognitivas da criança atingem o nível mais elevado de desenvolvimento, por esse motivo, pode‐se afirmar que a criança inicia sua transição para o modo de pensar adulto.
Como se sabe, os estudos de Piaget não se limitaram aos estágios de desenvolvimento, suas pesquisas se voltaram para diferentes aspectos da cognição infantil. Um dos trabalhos desenvolvidos pelo pesquisador, e que tem peso fundamental na educação de crianças, é a noção de autonomia. De acordo com Kamii (1995:103), autonomia significa “ser governado por si próprio”, que é contrário à heteronomia que significa “ser governado por outrem”. A educação que visa à
autonomia procura promover na criança a capacidade de se governar cada vez mais e, conseqüentemente, ser menos governada pelos adultos. Os pressupostos de Kamii (1995) partem das pesquisas de Piaget (1972) que apresenta dois tipos de morais: a moral da coação (da heteronomia) e a moral da cooperação (da autonomia) e, ressalta: Como a criança chegará à autonomia propriamente dita? Vemos surgir o sinal, quando ela descobre que a veracidade é necessária nas relações de simpatia e de respeito mútuos. A reciprocidade parece, neste caso, ser fator de autonomia. Com efeito, há autonomia moral, quando a consciência considera como necessário um ideal independente de qualquer pressão exterior” (Piaget, 1972:172).
Os adultos costumeiramente lidam com a questão da disciplina, no cotidiano da criança, impondo a aquisição de regras e ou normas de convivência. Na educação infantil, geralmente, existem os ‘combinados’. Essas regras ocorrem, primeiramente, por uma imposição externa dos adultos para as crianças, com o intuito de desenvolver o sentimento de justiça, pois há um trabalho intenso para a criança aderir às regras. Portanto, essas regras impostas às crianças em seus processos de interação social são, no início, condição necessária para o bom convívio em suas relações, depois, se tornam premissas básicas para o desenvolvimento do respeito mútuo: é preciso respeitar o outro para ser respeitado, esse é um princípio muito difundido para as crianças.
Contrariamente à corrente ambientalista, a punição para os cognitivistas não é vista com bons olhos, ela é antagônica ao desenvolvimento da autonomia e acarretaria três conseqüências: 1) cálculo dos riscos, que significa que a criança reincidirá no ato, só que da próxima vez evitará ser descoberta; 2) a conformidade cega que leva a criança a não tomar mais decisões; e 3) a revolta que aparece em dado momento, quando a criança se cansa de obedecer ao pai e mãe, e parte para atos mais rebeldes podendo chegar à delinqüência. Para que as crianças se tornem autônomas é preciso que os adultos criem oportunidades para o desenvolvimento o qual Piaget (1972) chamou de desenvolvimento da noção de justiça. Por esse motivo Piaget (1972) dividiu a justiça em dois tipos, de acordo com as noções de moral também desenvolvida em suas pesquisas: a justiça distributiva e a justiça retributiva. Pensar em justiça poderia remeter à idéia de punições e
sanções para aqueles que não respeitam as regras, ou melhor, a realização da justiça implicaria em punir os culpados. Portanto, é importante elucidar o significado de punir e o de sancionar. Segundo dicionário Michaelis: punir é “infligir pena a; dar castigo a”; sancionar significa “dar sanção a; confirmar; aprovar; ratifica”; e sanção equivale “a parte da lei que se apontam as penas contra os infratores
dela; pena ou recompensa com que se tenta garantir a execução de uma lei”. Essas
definições revelam um caráter muito mais severo para a punição do que para a sanção. Enquanto a punição castiga, a sanção tenta responsabilizar e educar pela falta cometida.
Desse modo, a justiça distributiva se revela pelo caráter de punição,
enquanto a justiça retributiva o faz pela proporcionalidade com o ato sancionado, sendo que há correlação entre o ato sancionado e sua retribuição. A esta segunda acepção de justiça está ligada a moral da coação adulta e, também, o fator de obediência que tende a desaparecer quando se evolui para o desenvolvimento da autonomia moral. Kamii (1995) apresenta o seguinte exemplo para ilustrar a justiça retributiva: se uma criança está perturbando os adultos à mesa durante a refeição, os pais poderão dizer: “Você poderá ficar aqui sem nos aborrecer ou então irá para seu quarto fazer barulho” (op.cit.:109)
Piaget afirma que “Todo ato julgado culpado por um dado grupo social
consiste numa violação das regras reconhecidas pelo grupo, portanto, numa espécie de ruptura do elo social” (Piaget, 1972:179). Assim, as sanções aplicadas ao indivíduo que comete um ato que rompe o elo social podem ser tanto as sanções denominadas expiatórias ou quanto as sanções por reciprocidade. As sanções expiatórias aparecem como um modo de “reconduzir o indivíduo à obediência, por meio de uma repressão acompanhando‐a de um castigo doloroso” (Piaget, 1972:179), nesse caso, há necessidade de proporção entre o sofrimento imposto pela sanção e a garantia da falta cometida pelo indivíduo. Por outro lado, as sanções por reciprocidade buscam as regras de igualdade e a cooperação, ao invés de sanções severas:
Seja uma regra que a criança admite no interior, isto é, que compreendeu que a liga a seus semelhantes por um elo de reciprocidade (por exemplo, não mentir, porque a mentira torna impossível a confiança mútua [...]. Se a regra for violada, não há absolutamente necessidade, para recolocar as coisas em ordem, de uma repressão dolorosa que imponha, de fora, o
respeito pela lei: basta que a ruptura do elo social, provocada pelo culpado, faça sentir seus efeitos; em outras palavras, basta pôr a funcionar a reciprocidade (Piaget, 1972: 180).
Buscando compreender ainda melhor a lógica do pensamento infantil,
Piaget (1972) interrogou várias crianças, apresentando‐lhes algumas histórias e opções de sanção para os culpados. Observou‐se que após os interrogatórios realizados, as crianças mais novas escolhiam as sanções expiatórias dando a impressão de que, para elas, quanto mais severa fosse a sanção, mais justa e corretiva seria. “Para os pequenos, a idéia de expiação combina‐se, necessariamente, com a idéia de prevenir a reincidência” (Piaget, 1972:196). Observou‐se também, que as sanções tendiam a ser mais brandas nas crianças mais velhas. Piaget (1972) concluiu, então, que o comportamento excessivamente severo nas crianças pequenas tende a se ajustar na medida em que amadurecem e começam a compreender as sanções por reciprocidade. Desse modo, pode‐se observar que as sanções por reciprocidade se direcionam para o exercício da autoridade moral.
Assim, de acordo com Kamii (1995), o respeito na criança se desenvolve pela forma como ela própria é respeitada, pois, a criança que é respeitada desenvolve maior capacidade de respeitar a maneira que os adultos pensam e sentem. A autora afirma que esse tipo de conduta, estabelecida por Piaget (1972) como justiça retributiva, desenvolve na criança condições para sua autonomia moral, na medida em que ela começa a considerar sozinha, o certo e o errado, antes de tomar suas decisões. Do mesmo modo, discute‐se a autonomia intelectual da criança partindo da asserção de Piaget de que “a criança adquire conhecimento ao construí‐lo a partir de seu interior” (Kamii, 1995:114). Essa autonomia equivale à capacidade da criança de pensar de maneira autônoma, não aceitando passivamente o que lhe é imposto. Dito de outra forma, pela autonomia intelectual a criança construiria seu conhecimento criando e coordenando relações. O erro, muito discutido por Piaget, seria percebido pela própria criança ao tentar coordenar seu ponto de vista com o do outro.
Apesar das pesquisas de Piaget se voltarem para a teoria e não para a prática, muito se tem utilizado suas discussões nas escolas. Discutindo o tema,
Macedo (1987) afirma que é inegável a contribuição do pesquisador suíço e sua influência no campo educacional. Do mesmo modo, Mizukami (1986) revela que a educação, para os epistemólogos genéticos, é condição necessária ao desenvolvimento, e o conhecimento é uma construção contínua e individual, sendo que, a escola deve dar oportunidade para que a criança descubra a solução para os seus problemas (desequilíbrio, assimilação e acomodação). Segundo a autora, as principais atividades da escola construtivista são: “jogos de pensamento para o corpo e o sentido; jogos de pensamento lógico; atividades sociais para o pensamento; teatro; excursões; jogos de faz‐de‐conta; ler e escrever; aritmética; ciências; arte e ofícios; música; educação física” (Mizukami, 1986:75).
2.4.4. Currículo Centrado na Criança
O Currículo Centrado na Criança está embasado na corrente teórica cognitivista, que tem como pressuposto principal a crença de que o desenvolvimento biológico prepara e antecede a aprendizagem, sendo a aprendizagem uma construção interna.
Os princípios estabelecidos pelas pesquisas de Piaget apontam um Currículo Centrado na Criança com atividades decididas por elas, estimuladas por um ambiente rico e bem planejado, capaz de despertar o interesse pelas investigações. O desenvolvimento das atividades respeita o ritmo e o interesse de cada criança, prioriza a aprendizagem individual que só é possível quando o desenvolvimento biológico dá condições (maturidade) para que esta ocorra.
Essa orientação Piagetiana prevê que o professor esteja sempre atento às necessidades e principalmente à etapa do desenvolvimento em que a criança se encontra, para que sua intervenção seja sempre voltada para a elevação dos problemas e a superação destes por parte da criança, promovendo desse modo, progressivamente a aprendizagem. O professor ofereçe materiais adequados, cria desafios e obstáculos, e se posiciona sempre próximo à criança visando atender a uma possível solicitação para criação de diálogos acerca dos problemas enfrentados por elas, devolvendo as perguntas e favorecendo o pensamento rumo à superação dos obstáculos propostos.