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4 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL E AS FINALIDADES DA PENA

4.2 Princípios de Direito Penal

4.2.5 Princípio da Culpabilidade

Mir Puig (2003) refere-se à exigência de culpabilidade como limite ao poder punitivo estatal que deriva de seus fundamentos políticos, especificamente do Estado Democrático de Direito, vinculando-se ao momento legislativo da atividade penal. Legislativo, porque o autor filia-se à corrente finalista, de acordo com a qual o dolo e a culpa afetam a antijuridicidade da conduta.

Explica o autor que, usualmente, sob a designação de princípio da culpabilidade, a doutrina inclui duas exigências limitadoras de natureza diversa.

A primeira diz respeito à necessidade de constatar a presença de dolo ou imprudência como condição necessária à punição do agente, afastando, portanto, as hipóteses de caso fortuito. Já de acordo com a segunda exigência, o Estado só está autorizado a punir o indivíduo quando o fato censurado puder ser a ele atribuído, como resultado de sua condição de ser humano dotado de autonomia e racionalidade, isto é, se ausentes as causas excludentes de culpabilidade.

Para a corrente doutrinária que entende o dolo e a culpa elementos que compõem a culpabilidade, o princípio abrange ambas as medidas restritivas da atuação penal do Estado, mas para a corrente finalista, somente se enquadra neste preceito a segunda exigência. Isso porque, quando a conduta do agente é desprovida

6 Nesse sentido, complementa o autor: “Así se caracteriza el bien jurídico como ‘bien vital’ reconocido

socialmente como valioso (Sch/Sch/Lenckner, antes de los §§13 ss., nm.9), como ‘valor jurídico’ o ‘interés jurídico’ (Baumann/Weber, AT, §12 II3 a), como interés jurídicamente reconocido ‘en un determinado bien como tal en su manifestación general’ (Maurach/Zipf), como ‘la pretensión de respeto emanada de supuestos de hecho valiosos, en la medida en que los órganos estatales han de reaccionar con consecuencias jurídicas ante su lesión no permitida’ (Schmidhäuser), o como “unidad funcional valiosa’ (SK- Rudolphi). Y Kienapfel denomina bienes jurídicos a ‘valores, instituciones y estados jurídicopenalmente protegidos, que son imprescindibles para la ordenada convivencia humana’” (p. 70- 71).

de dolo ou de culpa, sua punição se torna inútil do ponto de vista funcional; a pena perde seu caráter instrumental dirigido à prevenção, na medida em que mesmo os comportamentos desvinculados da vontade humana, imprevisíveis, portanto, passam a ser objeto de censura penal. Nesse sentido, também é a lição de Queiroz (2008):

Um direito penal que pretendesse exigir responsabilidade por fatos que não dependem em absoluto da vontade do indivíduo deve ser qualificado de arbitrário e disfuncional, haja vista que a norma penal carece de todo poder motivador e o castigo perderia toda a motivação (QUEIROZ, 2008, p. 57).

Por outro lado, quando se considera que o dolo e a culpa compõem a antijuridicidade, o conteúdo do princípio se reduz à possibilidade de atribuir o crime ao agente, pois aqueles elementos já foram verificados para caracterização da conduta antijurídica. Neste caso, sim, trata-se de limite que se vincula ao fundamento político da pena, porquanto conforme aponta Mir Puig (2003, p. 138), “un derecho penal democrático tiene que respetar la dignidad humana del ciudadano y ésta impide que pueda ser castigado por un hecho quien no es culpable del mismo”.

Tais distinções doutrinárias justificam-se pela adoção, no Direito Penal, de um “triplo sentido” (BITENCOURT, 2004, p. 14) para o conceito de culpabilidade: é

fundamento da pena, porque apenas quando presentes os “elementos positivos

específicos do conceito dogmático de culpabilidade” é que o autor de um fato típico e antijurídico pode sofrer sanção penal; é medida da pena, atrelando-se a outros fatores para definir o grau de reprovabilidade da conduta; por fim, impede a

responsabilização objetiva, ou seja, a produção de resultado não é suficiente para

aplicação da pena, que pressupõe, necessariamente, a atuação do agente com dolo ou culpa.

No entanto, esclarecem Bianchini, Molina e Gomes (2009), que o conceito de culpabilidade, na qualidade de princípio limitador do ius puniendi, exclui tanto o sentido do termo como categoria dogmática – juízo de reprovação que recai sobre o autor –, quanto o sentido que o confunde com responsabilização subjetiva. Seria, então, o preceito de política criminal que determina a imposição de sanção apenas para os sujeitos aptos a se orientar em conformidade com a norma de conduta. Em outras palavras:

Em sentido amplo (ou seja: como conceito de Política Criminal) o princípio da culpabilidade deve expressar a base (o eixo ou o fundamento) a partir da qual irradiam-se todos os pressupostos necessários para poder responsabilizar alguém pelo evento que motiva a pena. Essa premissa reside precisamente

na capacidade de acesso do agente à proibição, ou seja, na sua capacidade de motivação (no sentido da norma). Culpabilidade, neste sentido, é a capacidade do agente de se motivar de acordo com a norma (BIANCHINI, MOLINA e GOMES, 2009, p. 376).

Por fim, é indispensável mencionar o papel da culpabilidade para a teoria da finalidade da pena, especialmente dirigida à prevenção geral, conforme melhor será analisado em tópico específico. Por ora, esclareça-se que a exigência de culpabilidade como pressuposto para sancionar o indivíduo impede que a pena tenha o fim exclusivo de motivar a população a agir em conformidade com a norma penal, transformando o apenado em exemplo para os demais. Sobre o tema, é esclarecedora a lição de Mir Puig (2003), à qual se recorre para compreensão liminar do tema, que será revisitado adiante:

Al limitar la pena al injusto culpable, la instrumentalización del delincuente encuentra, por lo menos, un importante paliativo: se hace recaer la pena en el delincuente sólo cuando éste ha decidido cometer el hecho con arreglo a su capacidad de autodirección normal, consciente de que el delinquir iba a suponerle el riesgo de ser castigado (MIR PUIG, 2003, p. 139).

A prevenção geral, portanto, não seria suficiente para atender ao princípio da culpabilidade. Deve-se acrescer, no mínimo, a fim de legitimar o poder punitivo do Estado, outra finalidade, que considere a qualidade do indivíduo como um fim em si e não apenas como instrumento a serviço do bem comum. Este tema será revisto adiante, no tópico 3.3.4.