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4 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL E AS FINALIDADES DA PENA

5.3 Finalidades e justificação da pena

5.3.2 Teorias da retribuição

Sinônimo de expiação da culpabilidade ou justa retribuição, pela imposição de um mal justo em resposta a um mal injusto, a retribuição é o papel mais antigo que se atribuiu à pena e sua sobrevivência histórica é dada por três fatores: 1) De base antropológica, ligada à influência que a lei de talião exerce na psicologia popular, “mecanismo comum dos seres zoológicos e, por isso, atitude generalizada do homem, esse zoon politikon”; 2) de base social, que se constituiu através da poderosa força cultural da tradição religiosa judaico-cristã que incutiu na sociedade ocidental a imagem da justiça divida como “retributivo-vingativa”; 3) De base filosófica, em vista de a filosofia idealista ocidental ser essencialmente retributiva, seja com base na ideia de retribuição sob um fundamento ético, conforme Kant concebeu, seja sob um fundamento jurídico, de acordo com Hegel; 4) Por fim, cabe ressaltar que há ainda um fator jurídico determinante, de base dogmática, uma vez que há comando normativo expresso no Código Penal brasileiro que impõe ao aplicador do direito a aplicação da pena com fundamento na retribuição. Tal dispositivo é o artigo 59, de cujo conteúdo se extrai a determinação do legislador ao juiz para que este estabeleça a pena em conformidade com o grau de culpabilidade do agente, bem como em atenção à reprovação, de modo necessário e suficiente, do crime (SANTOS, 2005, p. 3-5).

Em que pese a inegável subsistência do caráter retributivo da pena, que se explica pelos fatores anteriormente relatados, a teoria da retribuição já era alvo de crítica pelos defensores da prevenção, pois, como argumento extraído de concepção religiosa e cultural que era, carecia de índole científica e, mais, encerrava um conteúdo antidemocrático, na medida em que representava a vontade de Deus e não do povo. 5.3.3 Teoria da Prevenção Especial

O objetivo da pena é evitar que o criminoso pratique mais crimes no futuro e, para tanto, o Estado atua sobre ele em dois momentos: na aplicação da pena, quando o órgão jurisdicional faz sua individualização e define o quantum e o tipo de pena necessários à prevenção de novos delitos, e na execução da pena, quando entram

em cena os profissionais habilitados a promover a ressocialização do executado. Por isso, diz-se que a prevenção especial possui uma dimensão positiva e outra negativa.

Por meio da dimensão negativa, a prevenção do crime se perfaz com a inocuização do criminoso, que ficará encarcerado e, assim, durante o cumprimento da pena, não representará perigo à sociedade, de forma que é possível falar em segurança social. A neutralização do criminoso é, portanto, de acordo com Juarez Cirino dos Santos, uma das funções declaradas da pena. Já na dimensão positiva, realiza-se a finalidade última da prevenção especial, isto é, a ressocialização o agente (SANTOS, 2005).

As críticas à teoria da prevenção especiais quem aponta é Santos (2005). Primeiro, argumenta que “o Estado não tem o direito de melhorar pessoas segundo critérios morais próprios” (SANTOS, 2005, p. 8). A ressocialização apenas seria legítima se harmonizada com o desejo espontâneo do indivíduo de se submeter aos métodos de “melhoria terapêutica” que o Estado faz uso com aquela finalidade. Por outro lado, a teoria da prevenção especial encontra um duro argumento contrário quando confrontado com a constatação de sua ineficácia na realidade.

Tal constatação decorre dos estudos produzidos pela moderna teoria crítica criminológica, cujas conclusões podem ser reunidas nos seguintes pontos:

a) Privação da liberdade produz maior reincidência – e, portanto, maior criminalidade –, ou pelos reais efeitos nocivos da prisão, ou pela seletividade desencadeada pela mera prognose negativa da condenação anterior; b) a privação de liberdade exerce influência negativa na vida real do condenado, mediante desclassificação social objetiva, com redução das chances de futuro comportamento legal e formação subjetiva de uma auto-imagem de criminoso – portanto, habituado à punição; c) a execução da pena privativa de liberdade representa a máxima desintegração social do condenado, com a perda do lugar no trabalho, a dissolução dos laços familiares, afetivos e sociais, a formação pessoal de atitudes de dependência determinadas pela regulamentação da vida prisional, além do estigma social de ex-condenado; d) a subcultura da prisão produz deformações psíquicas e emocionais no condenado, que excluem a reintegração social e realizam a chamada self fulfilling prophecy, como disposição aparentemente inevitável de carreiras criminosas; e) prognoses negativas fundadas em indicadores sociais desfavoráveis, como pobreza, desemprego, escolarização precária, moradia em favelas etc., desencadeiam estereótipos justificadores de criminalização para correção individual por penas privativas de liberdade, cuja execução significa experiência subcultural de prisionalização, deformação pessoal e ampliação da prognose negativa de futuras reinserções no sistema de controle; f) finalmente, o grau de periculosidade criminal do condenado é proporcional à duração da pena privativa de liberdade, porque quanto maior a experiência do preso com a subcultura da prisão, maior a reincidência e, portanto, a formação de carreiras criminosas, conforme demonstra o labeling approach (SANTOS, 2005, p. 25-26).

5.3.4 Teoria da Prevenção Geral

Assim como na prevenção especial, o objetivo da pena, de acordo com a teoria da prevenção geral, também é coibir a prática de novos crimes. Seus pilares, porém, são diversos.

Comporta, igualmente, uma dimensão negativa que, segundo Santos (2005) é antiga, fundada na imposição da pena como ameaça direcionada a toda a sociedade. A dimensão positiva, ao revés, caracteriza-se por comportar um posicionamento doutrinário pós-moderno, expresso no final do século XX e representado, sobretudo, por Claus Roxin e Jackobs.

Para Roxin (et al., 1997), a pena tem por fundamento de validade a proteção dos bens jurídicos, realizada de forma subsidiária e fragmentária, consoante se esclareceu anteriormente. Quanto aos efeitos políticos-criminais desejados e produzidos, defende a existência de três: a demonstração da inviolabilidade do Direito por meio do exercício da fidelidade jurídica, o aumento da confiança do cidadão no ordenamento e a pacificação social, alcançada com a imposição da pena como solução do conflito estabelecido com a prática do crime.

A prevenção geral, porém, tem natureza relativa, pois coexiste junto a outras funções declaradas da pena. Por isso, sua posição doutrinária enquadra-se com mais adequação às correntes teóricas unificadoras.

Já para Jakobs (apud SANTOS, 2005), que rechaça a ideia de bens jurídicos como objeto de proteção do Direito Penal, a pena tem por finalidade única e exclusivamente a afirmação de validade da norma jurídico-penal, esta sim, objeto de proteção do Direito Penal. A função positiva da pena, portanto, desdobrar-se-ia também em três: reforço ao exercício de confiança na norma, fidelidade jurídica e aceitação das consequências.

Partindo da concepção segundo a qual a teoria da prevenção geral baseia-se na ameaça dirigida à sociedade – pune-se o infrator da norma penal para que sirva de exemplo aos demais membros da comunidade –, Zaffaroni e Pierangeli (2011) defendem que esta teoria encerra um conteúdo irracional, incompatível com o objetivo do Estado de Direito, cujo objetivo é a formação de cidadãos responsáveis e conscientes. Explicam:

A prevenção geral se funda em mecanismos inconscientes: o homem respeitador do direito sente que reprimiu tendências que outro não reprimiu:

que se privou do que o outro não se privou, e experimenta inconscientemente como inútil o sacrifício de uma privação a que o outro não se submeteu. Inconscientemente, quem se reprimiu clama por vingança, e daí que o passo da prevenção geral à vingança nunca seja de todo claro e que a prevenção geral sempre encerre um conteúdo vingativo (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2011, p. 99).

Dessa forma, a crítica dos autores tem fundamento em argumentos psicológicos e sociais. A crítica sociológica orienta a considerar a existência de grupos dominantes e de grupos marginalizados na sociedade, de modo que a prevenção geral serve de instrumento à contenção destes por aqueles, sob o argumento de que o Direito Penal atua de modo seletivo, reprimindo as condutas violadoras de “bens jurídicos”.

Entretanto, importante perceber que negar a função jurídica de prevenção geral à pena, não significa negar também que esta seja um resultado social decorrente da imposição da sanção penal sobre o criminoso. Quer-se dizer que, se da aplicação da pena, sempre na forma de privação de bens jurídicos do apenado, decorre como uma de suas consequências a prevenção geral, este é um resultado social e não jurídico, atinente ao âmbito de estudo dos sociólogos.

O que os autores repelem é que a pena seja imposta com a finalidade precípua de retribuir mal causado e, por conseguinte, atingir reflexamente a população, compelindo-a a se comportar em conformidade com o ordenamento jurídico. Este é um mecanismo que serviria a regimes autoritários, como se viu, na medida em que se transveste em argumento de contenção da parcela da sociedade mais humilde e, portanto, mais vulnerável.