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4 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL E AS FINALIDADES DA PENA

4.3 Finalidades e justificação da pena – Principais Teorias

5.2.3 Princípios da Subsidiariedade e da Fragmentariedade

Assim como o princípio da legalidade, tais preceitos tiveram seu nascedouro com as ideias iluministas do século XVIII, a exemplo da imposição contida no artigo VIII da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão ao legislador, no sentido de limitar a atribuição de penas a restritas situações e apenas quando a medida se fizesse absolutamente necessária (BATISTA, 2007).

O princípio da intervenção mínima, ao qual se associam as ideias de subsidiariedade e fragmentariedade, orienta o legislador a recorrer ao Direito Penal

somente no último caso, quando outros ramos do direito não oferecem a adequada proteção ao bem jurídico tutelado, por isso dizer que o direito penal é a ultima ratio.

Assim, o direito penal se distingue dos outros ramos do direito, não por perseguir a segurança jurídica, mas em razão do meio que emprega para realizar este fim. Nem todos os bens jurídicos são objeto de específica tutela penal, pois somente quando os mecanismos ordinários de proteção, os quais lançam mão os outros subsistemas jurídicos, não são suficientes a garantir a segurança, a coerção penal passa a interferir, com o caráter próprio e particular da prevenção e reparação (ZAFFARONI, e PIERANGELI, 2011).

De acordo com Batista (2007), não está legalmente expresso no ordenamento jurídico, mas seu fundamento reside na orientação política do constituinte, que elegeu os Direitos Humanos como centro de proteção da ordem legal e elencou a proteção do bem comum e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivos a serem perseguidos na sociedade.

Fala-se em subsidiariedade, assim, para se referir à intervenção excepcional do Direito Penal, necessário apenas quando outras formas menos gravosas de proteção não são suficientes.

Por outro lado, a legislação e interpretação da norma jurídica penal não têm por finalidade preencher lacunas ou alcançar a integralidade do sistema normativo penal. A rígida seleção, não apenas dos bens jurídicos que serão objeto de tutela penal, mas também a escolha das modalidades de ofensas que serão repudiadas, por serem formas mais graves de violação – e aqui reside o caráter fragmentário –, guarda estrita consonância com os fins a que se propõe o Direito Penal.

Assim, explica Batista (2007), a inteireza normativa harmonizar-se-ia com as propostas meramente retributivas, em que qualquer tipo de ofensa deve ser repudiada, já que se busca simplesmente “fazer justiça”. Ao revés, predomina modernamente a concepção preventiva do Direito Penal: pune-se com o desiderato de prevenir novas práticas delitivas. Para tanto, é preciso observar medidas de política criminal, investigar em que situações deve o Estado intervir, utilizando-se do ius puniendi, com a estrita finalidade, todavia, de coibir futuros crimes.

Ainda de acordo com Batista (2007), na opinião da doutrina prevalecente no Brasil, o Direito Penal tem por objetivo a proteção de bens jurídicos. Todavia, para o autor, o conceito de bem jurídico está intricado, ou melhor, inter-relacionado, com os conceitos de valor e interesse e, se pensado dentro de uma sociedade de classes,

não podem estes conceitos dela se desvincular por, inevitavelmente, refletir os valores e interesses da classe dominante.

O fim do direito penal, portanto, é, neste aspecto concordando com a opinião doutrinária dominante, a proteção de bens jurídicos, tomada esta expressão, porém, sob o significado crítico que se apreende de uma sociedade não unitária e homogênea, cujo objetivo será por em salvaguarda as “relações sociais (ou ‘interesses’, ou ‘estados sociais’, ou ‘valores’) escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações” (BATISTA, 2007, p. 96).

Batista (2007) reconhece a dificuldade doutrinária em conceituar a expressão, haja vista as inúmeras tentativas, bastante discrepantes em seus resultados. Para ele, o entrave decorre da “diversidade categorial dos bens jurídicos”. Os bens jurídicos não são, defende, realidades fáticas dadas ao legislador para que este os reconheça e, assim, defira a eles tratamento de proteção mais rígido perante a ordem jurídica. Não são, portanto, anteriores ao crime em sentido formal, pois “resulta(m) da criação política do crime (mediante a imposição de pena a determinada conduta)” (BATISTA, 2007, p. 96).

Conclui-se, portanto, que os bens protegidos em determinada ordem jurídica decorrem de escolha política do legislador, ao definir quais os comportamentos serão concebidos como delitos. Por isso, afirma Batista (2007) que o conceito de bens jurídicos “guarda a mais estrita dependência daquilo que o tipo ou tipos penais criados possam informar sobre os objetivos do legislador”. Por esta razão também seria equivocado dizer que os bens jurídicos são realidades imutáveis. No contexto de uma sociedade estratificada, todavia, dividida em classes sociais:

Os bens jurídicos hão de expressar, de modo mais ou menos explícito, porém inevitavelmente, os interesses da classe dominante, e o sentido geral de sua seleção será o de garantir a reprodução das relações de dominação vigentes, muito especialmente das relações econômicas estruturais (BATISTA, 2007, p. 96).

O arbítrio do legislador, porém, esbarra nos limites impostos pelo texto constitucional, cujas valorações positivas ou negativas em relação a certos comportamentos devem ser observadas, sob pena de destituir-se da legitimidade que o discurso oficial sobre os fins da pena lhe confere.

O indivíduo somente pode sofrer a coerção penal do Estado quando sua conduta intervém no resultado, repelindo-se, pois, a responsabilidade objetiva. Ainda, mesmo quando haja concorrido com a produção do resultado, necessário aferir a reprovabilidade de seu comportamento.

No contexto da doutrina crítica, destaca-se a noção de co-culpabilidade, que orienta os órgãos aplicadores da pena a considerar, para fins de avaliação do grau de reprovabilidade da conduta delitiva, as circunstâncias socioeconômicas experimentadas pelo agente em sua vida e que condicionaram (ou não) sua formação individual. Em outras palavras:

Trata-se de considerar, no juízo de reprovabilidade que é a essência da culpabilidade, a concreta experiência social dos réus, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade geral do estado que vai impor-lhe a pena; em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar nos bancos dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu, como queria Ernst Bloch (BATISTA, , 2007, p. 104).

5.2.5 Princípio da Humanidade

As penas devem se pautar pela racionalidade e proporcionalidade. Sob o prisma da racionalidade, as penas não podem constituir um fim em si mesmo, objetivarem o sofrimento do agente. Devem ser coerentes com seus fins, daí a proscrição de penas de tortura, cruéis, de morte, de banimento e de trabalhos forçados no ordenamento jurídico pátrio.

Zaffaroni e Pierangeli (2011) propõem uma nova perspectiva do princípio da humanidade. É certo que a pena não pode ser cruel em abstrato, isto é, em sua tipificação legal, mas também não pode no plano concreto. De acordo com os autores:

O princípio da humanidade das penas têm vigência absoluta e que não deve ser violado nos casos concretos, isto é, que deve reger tanto a ação legislativa – o geral – como a ação judicial – particular –, o que indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não violá-lo. Comprovados os extremos fáticos que conduziriam a uma violação de tal princípio no caso concreto, entendemos que a sentença, como ato que “diz o direito” (“jurisdicional”, de juris dicere”, não pode dizer o antijurídico, ou seja, não pode violar o princípio da humanidade (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2011, p. 161).

5.3 Finalidades e justificação da pena