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4 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL E AS FINALIDADES DA PENA

4.3 Finalidades e justificação da pena – Principais Teorias

4.3.3 Teoria da Prevenção Especial

De acordo com a teoria da prevenção especial, a pena teria natureza precipuamente terapêutica, pois sua finalidade é conduzir o infrator a um futuro sem crimes, inibindo-o da prática delituosa. A personalidade do criminoso constituía, assim, elemento fundamental para a incidência da sanção. Em primeiro plano, atuaria sobre os indivíduos recuperáveis à convivência harmoniosa na sociedade, intimidando-os para não reincidir e promovendo sua ressocialização. Por outro lado, determinaria o encarceramento daqueles reincidentes, cuja prática delitiva habitual comprovaria a inviabilidade de reinserção social.

Desse modo, a pena cumpriria com exatidão os fins do Direito Penal de proteção subsidiária de bens jurídicos, tanto do ponto de vista do indivíduo, para o qual garantia o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade e respeito à dignidade humana, quanto sob a perspectiva comunitária, protegida de crimes que futuramente poderiam ser executados pelo apenado (ROXIN et al., 1997).

A teoria da prevenção especial tem, assim como a teoria da retribuição, referências na antiguidade, tendo apenas perdido espaço para a teoria da retribuição, que melhor respondia ao contexto histórico que subsistiu até o Estado Liberal. Foi reavivada pela escola jurídico-penal sociológica, cujo mais reconhecido representante foi Liszt (ROXIN et al., 1997).

O retorno à teoria da prevenção especial se deu, fundamentalmente, com o surgimento do intervencionismo do Estado Social. A crise do Estado Liberal significou o abandono da postura de mero expectador das forças sociais e a assunção de uma

postura ativa na distribuição e organização de tais forças. Estas transformações se refletiram na política criminal, cujos esforços passaram a priorizar o combate à delinquência. Por isso, não era mais suficiente atribuir à pena o papel de retribuição do mal causado pelo crime, porque, assim, não se estavam cumprindo as finalidades reservadas ao Direito Penal e ao próprio Estado no novo contexto sócio-político.

De acordó com Mir Puig (2003)

La finalidad de prevención especial se cumple de forma distinta según las tres categorías de delincuentes que muestra la criminología: a) Frente ao delicuente de ocasión necesitado de corrección, la pena constituye un “recordatorio” (Denkzettel) que le inhiba de ulteriores delitos; b) frente al delincuente de estado (Zustandsverbrecher) corregible, deben perseguirse la corrección y resocialización por medio de una adecuada ejecución de la pena; c) frente al delincuente habitual incorregible, la pena ha de conseguir la inocuización a través de un aislamiento que puede llegar a ser perpetuo (MIR PUIG, 2003, p. 57).

As formulações da prevenção especial, ainda, harmonizavam-se “extraordinariamente bien con el cometido del Derecho penal” e “mejor que cualquier otra doctrina las exigencias del principio del Estado Social” (ROXIN et al., 1997, p. 86) porque legitimavam a interferência do Estado na esfera jurídica do cidadão, na proporção de sua periculosidade. Mas não só. Evidenciava o caráter assistencial do Estado, que, instituído com a finalidade de, a um só tempo, proteger sociedade e cidadão, à medida que auxiliava este, impondo-lhe a sanção penal, realizava seu fim perante aquela. O contexto sócio-político que propiciou a difusão das ideias preventivo-especiais pode ser resumido nas seguintes palavras:

A fines del siglo XIX el positivismo criminológico podía acusar a la escuela clásica, como representante de este derecho penal liberal, de haber permitido el aumento considerable de la delincuencia y, en especial, de la reincidencia a lo largo del pasado siglo. Esta crítica respondía a una evolución empezada a operar en la segunda parte del siglo XIX; el paso del Estado liberal clásico al Estado social de derecho. De una filosofía del Estado como mero guardián del orden jurídico, no legitimado para invadir activamente la configuración positiva de la sociedad, que se considera exclusiva competencia de los particulares, se ha pasado a una concepción intervencionista del Estado, el cual no sólo se considera facultado, sino incluso obligado a incidir en la organización de lo social. Se han desbordado las barreras que separaban sociedad y Estado. Desde la nueva perspectiva el fundamento de la facultad punitiva del Estado permite – y obliga – a éste a ejercerla no sólo en defensa de las garantías del ciudadano como posible delincuente, sino también como activo instrumento de prevención de delitos dirigido a la protección de los bienes jurídicos: como medio al servicio de la “política criminal” (grifos no original) (MIR PUIG, 2003, p. 104-105).

A teoria da prevenção especial, contudo, também apresentou problemas que comprometeram sua ampla aceitação.

Para atingir seus fins, a pena deve dispor de mecanismos capazes de conduzir à ressocialização do indivíduo, o que, todavia, não a instrumentaliza para a adequada medição da pena. Tal deficiência tem por inconveniente a produção de graves distorções, como a imposição de uma pena duradoura ao indivíduo que demonstre grande potencialidade de reincidir, mas cujo crime não tem significância suficiente a justificar a consequência. Ao revés, se o autor cometeu crime envolvido por circunstâncias atípicas que amenizam sua periculosidade ou mesmo revelem sua inexistência, independente da gravidade do delito, sequer se justifica a imposição da pena.

Exemplo ilustrativo, citado por Mir Puig (2003, p. 58), é o dos vigilantes dos campos de concentração do regime nazista, “Pese a la gravedad de sus cargos, bajo la nueva situación política dejaron, en su mayor parte, de encerrar peligrosidad criminal, condicionada al régimen que potenció su actividad criminal”.

E, só por este fato, seria legítimo isentá-los de pena? A prevenção especial não responde a tal questionamento.

A teoria da prevenção especial ainda esbarraria na proibição da educação forçada, por ofender o núcleo básico dos direitos da personalidade. Conforme assevera Queiroz (2008), poder-se-ia falar, no máximo, em direito do apenado à ressocialização e reintegração social, mas jamais em finalidade precípua da pena sem, com isso, ofender a dignidade da pessoa humana (QUEIROZ, 2008, p. 93).

Por fim, no pós-guerra instaurou-se, na política criminal internacional, a tendência de combate às penas de duração indeterminada – admitidas na prevenção especial, já que a privação de liberdade deveria durar o tempo necessário à ressocialização do infrator – e o tratamento forçado. Entretanto, o fato que mais contribuiu negativamente com a teoria foi a frustração generalizada de seus fins, em razão da ineficácia das medidas de ressocialização implementadas para aplicação da pena. Afinal

Educar para a liberdade em condições de não-liberdade é, como afirma Muñoz Conde, não só difícil de realização como constitui uma utopia irrealizável nas atuais condições de vida nas prisões, cujos nocivos efeitos são amplamente conhecidos (QUEIROZ, 2008, p. 93).