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1.2 A ESCOLARIZAÇÃO EM CICLOS NO BRASIL

1.2.1 A experiência dos ciclos no Distrito Federal: a proposta do Bloco Inicial de

1.2.1.2 Princípios metodológicos do BIA

1.2.1.2.6 Princípio do Ensino da Matemática

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1997) informam que o ensino da matemática requer processos mentais ligados às formas, às quantificações e às representações. É importante a ação educacional em torno da disciplina de matemática para que esta seja trabalhada no sentido de promover a formação de capacidades intelectuais, a estruturação do pensamento e o raciocínio lógico-matemático, que, de forma dedutiva, deve ser aplicado na resolução de problemas, nas situações da vida diária e na construção de conhecimentos em outras áreas curriculares.

Os PCNs orientam ainda que a matemática seja trabalhada em quatro grandes blocos: espaço e forma; números e operações; grandezas e medidas; e tratamento da informação. Dentre as estratégias pedagógicas pensadas para o BIA (2010), tem-se o desenho representacional da atividade matemática proposto por Muniz (2001 apud, DISTRITO FEDERAL, 2010a), que é composto de cinco planos: Plano de Ideias (intuição, percepção); Plano das Representações (concepções, formulações); Plano dos Registros (manipulação material), Plano da Comunicação; e Plano da Argumentação (trocas, confrontações, validações).

Além disso, as estratégias pedagógicas no BIA orientam que os professores alfabetizadores não se aportem em repetições e raciocínios mecanizados.

26 Sistema implementado em 1990, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que conta com a participação e o apoio das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação das 27 Unidades da Federação.

Pensar a aprendizagem matemática para os diferentes anos do Bloco é mais que atentar para as implicações curriculares, é, sobretudo, favorecer o desenvolvimento do sujeito da aprendizagem para lidar com situações-problema de diversas naturezas e em diferentes contextos (DISTRITO FEDERAL, 2006, p. 46).

As estratégias pedagógicas (2010) orientam também para a construção do conceito de número e para as operações fundamentais, próprias da alfabetização e indicadas no PCN (2002), que devem estar fundamentadas no desenvolvimento dos processos mentais de correspondência, comparação, classificação, sequenciação, seriação, inclusão e conservação.

Para o ensino da matemática, a ação pedagógica a ser empreendida pelos professores deve garantir um ambiente positivo de estimulação, com possibilidades de provocar novos conhecimentos e novas questões nos quais os estudantes possam justificar raciocínios e legitimar conclusões na construção do conhecimento matemático, fato que implica “postura docente dinâmica, curiosa, investigativa e comprometida com as aprendizagens dos estudantes [...]”, valorizando “[...] o saber fazer dos estudantes enquanto sujeitos epistêmicos [...]” (MUNIZ, 2004, apud DISTRITO FEDERAL, 2010a, p. 100).

A sala de aula do BIA deve estar organizada como um ambiente matematizador, que possibilite a vivência da construção das estruturas lógico-matemáticas. O ambiente deve ser dinâmico (estar sempre em movimento, modificando-se conforme o interesse de aprender e ensinar), epistêmico (considerando a capacidade e o conhecimento dos alunos em seus aspectos sociais, culturais, cognitivos, históricos, linguísticos e lógicos) e exclusivo (cada ambiente é único, em cada fase, em cada momento) (MELO 2003, apud DISTRITO FEDERAL, 2010a).

A Provinha Brasil de Matemática tem o objetivo de produzir – assim como a Provinha Brasil de Português – um diagnóstico da aprendizagem das crianças. Em 2012, a sistemática de aplicação da Provinha Brasil de Matemática será exatamente igual à da Provinha de Leitura, ou seja, duas aplicações (início e final do ano), permitindo a percepção da evolução do desempenho das crianças.

Mediante o contexto dos princípios pedagógicos norteadores do BIA e as estratégias dirigidas à sua implementação, importa apresentar alguns eixos e discussões trazidos por pesquisas já realizadas no DF. Nessa acepção, destaca-se a pesquisa de Villas Boas (2010), que analisou as orientações que permeiam a avaliação e as questões referentes ao trabalho coletivo com reagrupamentos de alunos e o projeto interventivo. O estudo da autora apontou para necessidade de mudança na cultura das práticas avaliativas na experiência do BIA, passando da lógica classificatória comum do regime seriado para a lógica formativa, inerente à proposta dos ciclos.

Santos (2011) se propôs a analisar em uma escola pública do DF a organização das estratégias pedagógicas construídas e aplicadas pelo professor na Etapa III do Bloco, quando existe a ruptura do sistema organizado em ciclos para o regime seriado. Os resultados obtidos confirmam que o fato de estudantes serem avaliados de forma tradicional e não serem retidos ainda constitui um grande entrave e um desafio para a consolidação da proposta de alfabetização em ciclos. A pesquisa apontou ainda a necessidade de desconstruir a lógica seriada presente na organização do BIA, bem como a construção de uma nova cultura avaliativa e o investimento em formação continuada de professores.

As duas pesquisas apresentadas informam a necessidade de desenvolvimento pelo professor alfabetizador atuante no bloco – guiado pelos princípios norteadores da proposta – de um novo olhar sobre o processo de alfabetização quanto aos objetivos de trabalho, quanto às suas convicções e quanto ao caminho que ele precisa percorrer. As dificuldades destacadas nas pesquisas supracitadas e os desafios a serem vencidos podem concorrer para o êxito da proposta e a redução significativa na produção da queixa escolar de estudantes no processo de alfabetização. A questão da queixa escolar encontra-se imbricada às questões teórico-práticas e pedagógicas desenvolvidas, mas, conceitualmente, carrega também outras dimensões e contextos que merecem ser aprofundados.

2 QUEIXA ESCOLAR E ESCOLARIZAÇÃO EM CICLOS

As queixas de estudantes com problemas de aprendizagem têm sido justificadas frequentemente por fatores individuais, institucionais, escolares e familiares, mas estas também têm sido vinculadas estreitamente ao fracasso escolar.

O fracasso escolar, por sua vez, também pode ser visto como fenômeno social produzido por fatores multicausais. Essa situação de fracasso suscita discussões na própria instituição escolar quanto aos motivos de sua existência. Essas discussões estão marcadas pela confrontação de ideias, ideais, preconceitos e saberes, incluindo questões de caráter sociopolítico-econômicos e culturais (STEFANNI;CRUZ, 2006).

Ferraro (2004) e Torres (2004) pesquisaram a imbricada relação fracasso-exclusão escolar e verificaram que o fracasso escolar costuma encontrar correspondência com o número elevado de alunos repetentes, coincidindo com os evadidos e excluídos da escola (TORRES, 2004).

Queixa, fracasso escolar e dificuldades de aprendizagem estão inter-relacionados, visto que o estudante que “fracassa” nos processos de aprendizagem notadamente se configura como aquele indivíduo que, de alguma maneira, está na condição de vítima de fatores individuais, institucionais e/ou até sociopolítico-econômicos (COLLARES; MOYSÉS, 1996; SOUZA, 2007; PATTO, 1990). Patto (1990), em suas investigações, aponta que nas últimas décadas têm sido veiculadas no pensamento educacional brasileiro – de forma declarada ou dissimulada – explicações que atribuem o fracasso escolar em massa dos estudantes a fatores individuais.

A prática de responsabilizar apenas o estudante pelos resultados insuficientes na escola sugere, entre outros fatores, critérios avaliativos subjetivos do professor. Dessa forma, utilizando tais critérios, o docente outorgado pelo sistema educativo tem ainda em suas mãos juízos de valor capazes não só de mensurar rendimentos escolares do estudante, mas também de seu desenvolvimento infantil, de sua história social, pessoal e familiar, não se atendo a fatores que envolvam as práticas escolares, igualmente importantes e subsidiárias na produção da queixa escolar. Esses fatores conjugados concorrem para a decisão do docente de fazer o estudante repetir o ano (TORRES, 2004) ou de encaminhá-lo a serviços especializados em diagnósticos (ASSIS, 2003; COLLARES; MOYSÉS, 1996; SOUZA, 2007; TORRES; 2004).

Portanto, faz-se importante investigar, no primeiro momento, a caracterização do termo “queixa escolar”, situando-o por meio da definição de alguns autores e do contexto de

suas pesquisas. No segundo momento, tem-se a discussão das dificuldades de aprendizagem, visto serem constituídas como “[...] questão polêmica, do ponto de vista ideológico e conceitual” (ALMEIDA et al. 1995, p. 117). Acredita-se ser necessário atentar às concepções que permeiam os discursos e as práticas dos professores e dos profissionais que atuam nas escolas como possibilidade denunciadora das formas de atuação nos mecanismos de produção do sujeito constituído no lugar de queixa escolar.

Em busca da conceituação de queixa escolar, é possível encontrar explicações nas diferentes terminologias utilizadas no âmbito educacional, sendo a expressão “queixas escolares” o termo mais comum (DEL PRETE; DEL PRETE 2003). Encaminhamentos por “problemas escolares”, “problemas de comportamento” e de “aprendizagem” são, por convenção, denominados pelos psicólogos de “queixa escolar” (SOUZA, 2000; TAMACHI; ROCHA; PROENÇA, 2000), devido a tais dificuldades ocasionarem solicitações de encaminhamento pelos professores, pelos coordenadores pedagógicos e pelos orientadores educacionais a profissionais de saúde mental (TRAUTWEIN; NÉBIAS, 2005). Tais dificuldades também podem referir-se a problemas como aprendizagem, comportamento, delinquência, ausência e/ou negligência dos pais, indisciplina, entre outros.

Muitas das queixas apresentadas são entendidas como problemas individuais da criança encaminhada, sem ser considerado o que se passa na escola, carecendo a análise de tudo aquilo que faz parte de um processo de escolarização, como, por exemplo, as dificuldades de aprendizagem, cujas causas são de caráter estritamente psicológico. Assim, as dificuldades de aprendizagem são entendidas com base em uma perspectiva de medicalização/psicologização (BOARINI; BORGES, 1998; CUSTÓDIO, 1996). Contudo, a queixa escolar é complexa e envolve muitas facetas e definições, comumente implicando o quadro diagnóstico de dificuldades de aprendizagem.

Del Prete (2008) ressalta ainda que a conceituação de dificuldades de aprendizagem é bastante polêmica e inclui concepções biológicas, psicológicas, sociais e pedagógicas, por vezes excludentes. Muitos autores expressam críticas quanto ao atendimento e ao diagnóstico psicológico e psicopedagógico dos alunos com queixas escolares (COLLARES; MOYSÉS, 1996; MACHADO, 2007; SOUZA, 2000; 2007). Entretanto, Del Prete (2008) adverte que acreditar que dificuldades de aprendizagem são apenas um tipo qualquer de construção social pode ser tão equivocado quanto atribuir as causas de tais dificuldades ao aluno ou às suas famílias. Almeida et al. (1995; 2003), Souza (2007), Marinho-Araújo (2009), Neves (2001; 2007) atuam há mais de uma década em pesquisas voltadas à ampliação da psicologia escolar

para contextos e níveis educativos a fim de sistematizar ações que, diferenciadas, promovam o desenvolvimento e a aprendizagem dos envolvidos no cotidiano escolar.

Araújo (2002) define queixa escolar como um conjunto de fatores isolados ou concorrentes que dificultam o desempenho escolar e são influenciados pelas características da escola (físicas, pedagógicas, qualificação do professor), da família (nível de escolaridade e presença dos pais, interação com os deveres paternais e de orientação escolar dos filhos) e do próprio indivíduo.

A queixa escolar encontra-se ainda comumente atrelada a estudos e pesquisas que acercam o fracasso escolar, uma vez que os alunos, em sua maioria, vitimados por múltiplas repetências ou pelo abandono da escola, acabam por engrossar as listas “daqueles indivíduos” susceptíveis de algum transtorno nas habilidades cognitivas ou socioafetivo-comportamentais, sendo estes também portadores de problemas e/ou dificuldades escolares (COLLARES; MOYSÉS, 1996). Angelucci et al. (2004), por meio de pesquisas sobre fracasso escolar, verificaram que este é compreendido como:

a) problema psíquico: culpabilização da criança e de seus pais (foco no aluno); b) problema técnico: culpabilização do professor (foco no professor);

c) questão institucional: a lógica excludente da educação escolar (foco na política); d) relações de poder estabelecidas na escola: pelo fato de esta estruturar-se com base na

cultura dominante, desvalorizando a cultura popular.

Os estudos de Angelucci et at. (2004), assim como as considerações de Patto (1990), confirmam a retomada ou o retrocesso de explicações sobre o fracasso escolar que já deveriam ter sido superadas. As conclusões destacadas por Angelucci et al. (2004) revelam:

Um dos aspectos pregnantes da produção examinada é a continuidade de pesquisas do fracasso escolar que o concebem em chave psicologizante. A permanência desta versão, apesar de já superada pela crítica que desvela as lacunas ou silêncios do que ela é feita, pode nos revelar: a) a força da redução psicológica na explicação por sucessivos “renascimentos” mostra o poder de convencimento que têm as concepções, que vai além do senso comum; b) a compartimentalização do campo teórico, reforçada pela crença de que as ciências humanas se caracterizam por diversidade teórica benéfica que deve ser preservada; c) a recusa da crítica teórica, vista com maus olhos (porque entendida como implicância ou confusão equivocada ou mal-intencionada entre ciência e política), ou simplesmente ignorada, porque relativizada (ANGELUCCI et al., 2004, p. 63).

Dias (2008), ao pesquisar o termo “queixa escolar” no banco de teses da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) nas produções acadêmicas realizadas entre os anos de 2003 e 2006, encontrou 58 dissertações e teses que, dentre uma variedade de metodologias e embasamentos teóricos, investigam as questões

relacionadas ao tratamento de crianças com queixas escolares, os encaminhamentos para atendimentos em clínicas-escola de psicologia e a influência do discurso psicológico no meio educacional como forma de compreender os temas “fracasso” e “queixa escolar”.

Em geral, os artigos científicos que se ocupam do tema não trazem definições claras para as categorias de queixas utilizadas, de modo que o tema “queixas escolares” não corresponde a quadros nosológicos específicos. Contudo, as categorias de queixas agrupadas podem ser indicativas de um determinado quadro clínico (ARAÚJO, 2002). Por exemplo, mau desempenho escolar pode estar relacionado à conduta escolar inapropriada (indisciplina, agressividade), e não necessariamente fazer parte do quadro de dificuldades de aprendizagem.

Para Fonseca (1995), a queixa escolar e o campo das dificuldades estão intrinsecamente associados. As “dificuldades de aprendizagem” mostram-se como um termo fértil em concepções unidimensionais e em divisões conceituais entre diferentes profissionais, como médicos, psicólogos e professores. Para o referido termo, também não existe definição específica. Assim, Fonseca utiliza conceitualmente a definição do Naticional Joint Committee of Learning Disabilities (NJCLD), por reunir maior consenso.

Dificuldade de aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e no uso da escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Esses transtornos são intrínsecos ao indivíduo, supondo-se existirem devido à disfunção do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir, junto com as dificuldades de aprendizagem, problemas nas condutas de auto-regulação, percepção social e interação social, mas não constituem, por si próprias, uma dificuldade de aprendizagem. Ainda que as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes (por exemplo, deficiência sensorial, retardamento mental, transtornos emocionais graves) ou com influências extrínsecas (tais como as diferenças culturais, instrução inapropriada ou insuficiente), não são o resultado dessas condições ou influências (NJCLD, 1988 apud FONSECA, 1995, p. 194, grifo do autor).

Conforme exposto na definição do NJCLD, no discurso médico as explicações às perturbações nos processos do aprender são de natureza nosológica, “como uma ‘doença’ ou uma ‘disfunção’, merecendo, portanto, tratamento clínico” (ALMEIDA et al., 1995, p. 120). Em concordância com a crítica de Almeida et al. (1995), Collares e Moyses (1996) e Assis (2003) verificam que tal definição contribuiu para a biologização das questões educacionais, prevalecendo ainda uma clara evidência da tradição positivista sobre os problemas educacionais que, de modo geral, também tem negligenciado questões emocionais, sociais, pedagógicas e culturais, entre outros (ALMEIDA et al., 1995; ASSIS, 2003). Essas autoras criticam ainda o domínio das intervenções desses problemas pelas áreas médico-psicológicas,

percebendo como necessárias a abordagem e a intervenção interdisciplinar, composta por psicopedagogos, orientadores educacionais e pedagogos.

Além dos aspectos multifacetários que cercam o termo “dificuldades de aprendizagem”, conforme Fonseca (1995), os critérios quanto às faixas etárias para o agrupamento das queixas ou mesmo para sua categorização tendem a variar de acordo com os profissionais dos serviços psicológicos e psicopedagógicos especializados nesse atendimento em diferentes estados do país (ROMARO; CAPITÃO, 2003). Angelucci et al. (2004, p. 65) encontraram ainda dissonâncias nas pesquisas sobre esse tema, tais como: “[...] coexistência de concepções inconciliáveis que caminham em paralelo [...] simplificação teórica recorrente [...] dispersão temática que revela escolhas que desconsideram as questões mais prementes da problemática educacional”. Esse contexto tem concorrido para que os termos “fracasso escolar”, “dificuldades de aprendizagem” e “queixa escolar” apareçam consorciados, quando, nos estudos apresentados, envolvem problemas na aprendizagem escolar.

No levantamento de dissertações e teses sobre a organização da escolaridade em ciclos no Brasil entre 2000 e 2010 realizado por Stremel e Mainardes (2011) não se encontra pesquisa alguma que relacione, especificamente, queixa escolar e ciclos de alfabetização. As investigações, em sua maioria, estão focadas em determinados aspectos, a saber: associação dos ciclos à prática da não retenção escolar e/ou à progressão continuada, com a possível redução dos índices de fracasso escolar (abandono da escola e reprovação); impactos dos ciclos no processo de ensino-aprendizagem; avaliação e análise do desempenho de alunos; questões curriculares, concepção e política de ciclos; ciclos e formação continuada de professores; gestão escolar, relação família-escola, educação inclusiva e ciclos.

Entretanto, as pesquisas apresentadas a seguir pretendem, por meio de análises de dados realizadas por diferentes pesquisadores, identificar a frequência e as causas dos encaminhamentos para atendimento à queixa escolar, a fim de apreender, contextualmente, suas causas, estratégias de enfrentamento e as práticas clínicas aplicadas, sobretudo pela psicologia escolar, reconhecendo-se esta como a área do conhecimento que mais se destaca em estudos e pesquisas sobre o tema em questão.

Barbosa e Silvares (1994), ao analisar crianças encaminhadas pelas escolas a três clínicas-escolas em Fortaleza, Ceará (CE), entre 6 e 12 anos, encontrou predominância do sexo masculino. As cinco queixas mais presentes foram: mau desempenho escolar (19,8%); comportamento agressivo ou de brigas (10,6%); comportamento agitado, sem parada (6,5%); comportamento dispersivo ou falta de concentração (5,7%) e dificuldades na fala (5,1%).

Graminha e Martins (1994) procederam à categorização das queixas escolares encaminhadas aos serviços especializados em psicologia por intermédio dos pais de 130 crianças com idade entre 7 e 12 anos. O estudo das autoras apontou como principal queixa os problemas de aprendizagem. As cinco queixas mais frequentes foram: problemas de aprendizagem (40%); agressividade/provocação (27%); irritabilidade/nervosismo (18%); rebeldia/desobediência/dominância (12%); e retraimento (11%). Notadamente, os pais não indicaram como causas dos problemas de aprendizagem dos filhos questões de ordem pedagógica.

Bernardes-da-Rosa et al. (2000), ao estudar a clientela da clínica-escola de psicologia no interior de SP na faixa etária de 7-12 anos, verificaram que 60% dos sujeitos pesquisados eram do sexo masculino, sendo as queixas mais frequentes: distúrbio do desenvolvimento das habilidades escolares (88%); distúrbio de comportamento explícito (76%); distúrbio de comportamento não explícito; distúrbio orgânico (12%); e distúrbios de alimentação e de sono (8%).

Catto (2002), em um estudo da atividade docente com foco no significado da queixa escolar na experiência em ciclos, verificou em 302 queixas escolares que há predominância de meninos (68,2%), na faixa etária de 7-10 anos, do Ciclo I da fase inicial de alfabetização, e maior indicação de causas comportamentais (66,8%), como a baixa concentração (38%), a apatia (36%) e a agressividade (25,8%), e ainda as dificuldades de aprendizagem (53,3%) por falta de compreensão (21,8%), por não ler (17,8%), por escrever errado (15,8%) e por ser repetente (13,9%).

Glória e Mafra (2004) discutem o fato de os alunos na política de ciclos estarem avançando nos períodos escolares sem os conhecimentos e as competências exigidos pela sociedade contemporânea, e que os alunos que eram excluídos pela falta de acesso à escola ou pela impossibilidade de nela permanecerem hoje o seriam por não dominarem as competências escolares. Substantivamente, a escola exclui menos, mas continua excluindo, visto que, para as autoras, as demandas de queixas escolares ainda persistem no sistema.

Mattos (2005) ao pesquisar duas escolas – uma urbana e a outra rural – no Rio de Janeiro que atuam utilizando a política de ciclos, centrou os estudos nos conselhos de classe (reunião coletiva que ocorre ao final dos bimestres, dos semestres e ao final de ano para avaliação dos processos de ensino-aprendizagem e decisão coletiva sobre retenção/aprovação de alunos). Nesses conselhos, verificou-se que os professores avaliavam apenas os alunos, e não a interação pedagógica, e muito menos questionavam as práticas pedagógicas. Os educadores também atribuíam facilmente às causas e aos diagnósticos psicológicos o fraco

desempenho dos alunos, sem possuírem os elementos e os conhecimentos necessários para tais afirmações. A partir daí, as soluções eram remetidas para um âmbito externo à escola, por meio de encaminhamentos para psicólogos, fonoaudiólogos, psiquiatras, logopedistas ou psicopedagogos. Esses encaminhamentos ocorriam igualmente em decorrência de dificuldades de aprendizagem, bem como de problemas comportamentais, de relacionamento, de assiduidade, de agressividade e de concentração.

Para Souza (2007), no universo de demandas de crianças com problemas de aprendizagem, as dificuldades na alfabetização têm sido um dos mais frequentes motivos de encaminhamento. São queixas como: “não aprendeu a ler”, “copia tudo, mas não entende o que copiou”, “escreve, mas não lê”, “escreve tudo atrapalhado”, “come letras”, dentre outras. A autora também denuncia o alto índice de analfabetismo como “subproduto perverso da progressão continuada” (SOUZA, 2007, p. 138) desde a implementação da política dos ciclos em SP em 1983.

Sobre outros aspectos dos estudos quanto ao fracasso escolar e às possibilidades de