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Princípios de acesso

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CAPÍTULO 2. A PARTICULARIDADE DOS PRINCÍPIOS DO SUS

2.2. Princípios de acesso, universalidade e equidade: direitos

2.2.1. Princípios de acesso

O princípio de acesso está disposto no Título I, § 1º da Lei nº 8.080 de 1990 que preconiza: o dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (Lei 8.080/90).

Conforme o Art. 3º do mesmo Título, esse acesso não se limita apenas à saúde, mas também a outros determinantes e condicionantes, como: alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, bem como o acesso aos bens e serviços essenciais.

Cohn et. al., (1999), discute o acesso à luz de dois víeis: o da racionalidade e o da carência. Para eles, esta compreensão se dá na seguinte frase: “Igualdade de acesso para necessidades iguais”. Aqui novamente se coloca a dificuldade de definição do conceito, já que, na prática, as necessidades são imensuravelmente maiores do que a igualdade de acesso.

Nesse sentido, Cohn et. al., (1999) afirma que:

O acesso assim entendido deveria ser em tese, a base concreta para a viabilização do princípio da articulação funcional que sustenta a concepção de hierarquização da demanda pelos serviços de saúde, a condição sine qua non para a regionalização e descentralização que a Constituição impõe. Essa concepção se pauta na acessibilidade do usuário ao serviço como mecanismo básico para que, de fato, as propostas se traduzam em resultados observáveis e mensuráveis ( p. 68).

Compreende-se assim, que por um lado, garantir o acesso da população à rede de serviços de saúde é função do Estado e das políticas que ele formula para viabilizá-lo. Por outro lado, a efetivação pela população é função do confronto que se criou entre os recursos oferecidos e a demanda existente.

O acesso também deve ser entendido como disponibilidade de serviços, já que a proposta de expansão da rede de serviços básicos de saúde é preconizada

na Carta Magna (1988). Portanto, a análise da relação entre acesso e utilização se torna essencial tendo em vista o paradoxo existente entre certos serviços em saúde e a necessidade de expansão destes à população de todo o país.

Desta forma, Cohn et. al., (1999) sinaliza que:

As políticas de saúde no país, na medida em que restringem o seu objeto à necessidade do atendimento médico, não consideram as condições de vida dos usuários e a carência maior em que sobrevivem – nutricional, habitacional e educacional e se limitam a prover recursos de assistência médica. A saúde para o brasileiro, enquanto manifestação da qualidade de vida e tradução das necessidades concretas de atenção médica acaba assim por circunscrever-se ao momento da necessidade, da doença e da possibilidade de sobrevivência. A grande maioria da população procura ter acesso aos serviços no contexto para manter a saúde, não questionando a reprodução da dinâmica de práticas clientelísticas e paternalistas. A saúde, portanto, dificilmente é percebida como uma questão de cidadania, e a concepção que dela predomina não se baseia no âmbito coletivo. Daí a procura de serviços de saúde manifestar-se principalmente nas situações onde existem riscos concretos e verificáveis e, portanto, em situações onde predomina a perspectiva curativa (p.92).

A população precisa compreender acesso como direito aos serviços de maneira plena, pois, para a maioria, esse conceito subordina-se à imagem de assistência médica imediata, deixando transparecer apenas traços históricos do modelo que busca determinar por meio de políticas, a maneira de viabilizar o acesso e a utilização de uma rede hierarquizada de serviços (COHN et. al., 1999).

A interpretação veiculada pela mídia às pessoas, segundo Cohn et. al., (1999), insiste em informar que o acesso à assistência médica é assegurado por convênios de empresas com hospitais, fortalecendo assim o caráter contratual no qual fica a ideia de que o privado é melhor do que o público.

A partir da afirmação de Cohn et. al. (1999), é importante ressaltar que por mais ideário que o sistema de saúde seja no sentido de universalizar os serviços à população, ele somente se concretizará se de fato as ações apresentadas nos projetos de lei se fizerem reais, tendo como pressuposto básico os incentivos financeiros para que o acesso realmente se torne universal.

Nesse sentido, Elias (1999) aponta que:

O objetivo em prol da melhoria da saúde dos brasileiros e da implementação de um sistema que contemple pelo menos a universalização da assistência em todos os níveis de atenção com parâmetros definidos socialmente exige que as políticas macroeconômicas articulem-se de alguma maneira com as de saúde e educação (p. 65).

Esta assertiva conduz ao entendimento que os princípios postos pelo SUS quanto à universalização somente serão efetivados quando se tornarem prioridade na direção do combate a pobreza e a exclusão social.

Os debates atuais em torno da saúde têm enfatizado as formas de reorganizar o setor, na divisão de responsabilidades entre os setores públicos e privados.

Um exemplo a citar foi a criação do Projeto de Lei Complementar24 (PLC) n. 92/2007 que cria as Fundações Estatais de Direito Privado apresentado pelo governo do presidente Lula ao Legislativo que abrange todas as políticas que integram a área social consideradas atividades não exclusivas do Estado.

Conforme Silva (2003) existe atualmente uma dificuldade de equacionamento do financiamento e gastos públicos nos quadros de ajustes financeiros macroeconômicos, que vêm determinando o corte e a redução da capacidade de intervenção estatal, sem que se tenha delineado com clareza novas e consolidadas formas, comprovadamente eficazes e efetivas, de parceria entre o setor público e o privado, entre os níveis nacionais e subnacionais de governo (no caso de unidades federativas), e entre os níveis central, regional e local de governo (no caso de Estados unitários).

24Congresso Nacional Decreta: “Art. 1º Poderá, mediante Lei específica ser instituída ou autorizada a instituição de fundação sem fins lucrativos, integrante da administração pública indireta, com personalidade jurídica de direito público ou privado, neste último caso, para o desempenho de atividade estatal que não seja exclusiva do Estado nas seguintes áreas: I – saúde; II – Assistência Social; III – Cultura; IV – desporto; V – ciência e tecnologia; VI – meio ambiente; VII – previdência complementar do servidor público, de que trata o Art. 40 § 14 e 15 da Constituição; VIII – comunicação social e VIX – promoção do turismo nacional”. § 1º Para efeito desta Lei Complementar, compreendem-se na área da saúde, também os hospitais universitários federais. (CÂMARA DOS DEPUTADOS - COORDENAÇÃO DA COMISSÃO PARLAMENTAR – DECOM P-5369).

Os ajustes financeiros macroeconômicos que determinam o corte e redução da atuação estatal nos sistemas de saúde, bem como a ausência de uma consolidação de serviços entre o setor público e o privado, dificultam cada vez mais o grau de ajuste dos recursos e o acesso das populações economicamente menos favorecidas aos serviços de saúde.

De acordo com Cohn et. al. (1999), as representações populares sobre a utilização de serviços de saúde ainda se encontram marcadas pela dificuldade de acesso a estes serviços. As falhas operacionais tão comuns no sistema, segundo a autora, precisam ser superadas a partir da efetivação de políticas públicas de saúde.

Trata-se enfim, de avançar no tema sobre acesso aos serviços de saúde, para além da conceituação e destacar aspectos normativos e operacionais no âmbito do Sistema Único de Saúde. Isso significa abrir possibilidades também para que a universalidade ocorra de maneira real e plena.

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