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PARTE I UMA NOVA ÉTICA DA PRESERVAÇÃO DA NATUREZA E O

CAPÍTULO 1 O REPENSAR DO PAPEL DO HOMEM NO ECOSSISTEMA

2.2. Princípios e regras Breves debates e distinções

A necessidade no presente estudo de tratar das normas constitucionais distinguido-as entre as espécies princípios e regras não se trata do modismo ou da “euforia do novo”, fenômeno assim apontado por Humberto Ávila e que está presente principalmente na doutrina moderna

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Marcelo Abelha Rodrigues (2002, p. 134) dividiu os princípios ambientais da seguinte forma: a) princípios diretores do direito ambiental - ubiguidade; desenvolvimento sustentável; poluidor-pagador e partiocipação; b) subprincípios - precaução, prevenção, correção da poluição na fonte, intervenção estatal, função social propriedade, solidariedade, globalidade, educação ambiental e informação ambiental, multidisciplinaridade, etc.

constitucional do que se convencionou chamar Estado Principiológico, excessivamente preocupada com a definição e efetividade dos princípios jurídicos, tendo levado o debate a alguns exageros e problemas teóricos muito bem apontados por aquele autor. (ÁVILA, 2003, p.15)

No nosso caso, como nos é necessário enfrentar os princípios ambientais constitucionais, não poderíamos fugir da presente temática visto que iremos igualmente apontar, ao nosso ver, algumas impropriedade que envolvem a classificação e definição dos referidos princípios e regras, em que reiteradamente incorre a doutrina ambiental especializada.

Referenciais doutrinários de inegável valor no âmbito dos estudos das regras e princípios são as obras de Ronald Dworkin (2002) e Robert Alex (2001), aos quais recorreremos amplamente, bem como à contribuição monográfica interna - vale frisar, ousada e diferenciada - de Humberto Ávila (2003), base de contrapesos e reflexões amadurecidas sobre o tema.

Acompanhando o raciocínio desse último autor, partiremos para a distinção entre regras e princípios através das qualidades necessárias e não contingentes de cada uma das espécies normativas, e não simplesmente dos modos de aplicação e colisão daquelas.

Inicialmente é importante destacar que cada uma das espécies normativa possui funções determinadas, não havendo razões para tentativas de hierarquização entre elas.

Tratando da distinção moderna entre normas-regra e normas-princípio, dispõe Luis Roberto Barroso:

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. As normas- disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema. (BARROSO, 2003, p.151)

Ressalta o autor, no mesmo trabalho, que a normatividade de tais espécies não é colocada em prova, sendo ambos modais deônticos, dizendo ambos o que deve ser26.

Os princípios, além de imediatamente aplicáveis a determinada relação jurídica, possuem também a função de critério de interpretação e integração do Texto Constitucional. (MIRANDA, 2002, p.403). Tratando das principais funções dos princípios, assevera Jorge Miranda:

Exercem, finalmente, uma função prospectiva, dinamizadora e transformadora, em virtude de sua maior generalidade ou indeterminação e da força expansiva que possuem (e de que se acham desprovidos os preceitos, desde logo por causa das suas amarras verbais). Daí, o peso que revestem na interpretação evolutiva; daí a exigência que contêm ou o convite que sugerem para a adoção de novas formulações ou de novas normas que com eles melhor se coadunem e que, portanto, mais se aproximem da idéia de Direito inspiradora da Constituição (sobretudo, quando se trate de Constituição programática ). (MIRANDA, 2002, p. 434)

A Constituição, como sistema de normas jurídicas, pressupõe a harmonia dessas normas, como partes que convivem sem atrito. E os princípios são os alicerces, a base fundante, as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. No dizer de Luis Roberto Barroso, “eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos”. (2003, p. 153)

A distinção entre regras e princípios para Ronald Dworkin é primordialmente de caráter lógico, pois as primeiras não possuem a estrutura da prescrição e conseqüência (condições e conseqüências). À regra aplica-se o “tudo ou nada”: se válida, a resposta que ela fornece deve ser aceita; se não-válida, deve se rejeitada, não influindo na decisão. Não possuem uma dimensão de peso ou da importância que é vista nos princípios. A distinção para esse autor, portanto, estaria na estrutura lógica dessas figuras, não consistindo numa distinção de grau.

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Para maior aprofundamento acerca dos critérios de diferenciação entre princípios e regras (CANOTILHO, 1986, p. 172; DWORKIN, 2002, p.22; ALEXY, 2001.p.82, MIRANDA, 2002, P. 432.)

Para a solução de conflito de regras, serão usados critérios fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, como os critérios hierárquico (lex superior derrogat inferiori), critério cronológico (lex posterior derogat priori) e o critério da especialidade (lex specialis derogat generali).

Para Robert Alexy, a distinção entre regras e princípios é, além de gradual, qualitativa. Entende aquele jurista que os princípios seriam “mandatos de otimização” caracterizáveis por serem cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes, ao contrário das normas que simplesmente devem ou não ser cumpridas – se válida ou não – sem admitir qualquer tipo de graduação. (ALEXY, 2001, p. 86-87)

Observa que quando se dá a colisão entre princípios (ressaltando que só se pode falar de colisão de princípios válidos), como ultrapassada o âmbito de validez, ocorre na dimensão do peso. Assim, prevalecendo o de maior peso, o outro não será excluído do ordenamento ou declarado inválido, mas apenas não será aplicado naquele caso concreto, permanecendo válido no ordenamento. Mas em outra circunstância, poderá suceder o inverso, e um tenha prevalência de peso sobre o outro. Continuarão ambos coexistindo.

Dworkin e Alexy concordam que o momento que evidencia a diferença entre regras e princípio é o da interpretação-aplicação do direito, partes do processo dialético que compõem a hermenêutica jurídica. Nas regras poder-se-ia observar o processo de subsunção do fato hipotético à previsão normativa, já com os princípios não haveria a evidência desse silogismo prático. Os princípios não seriam entre si incompatíveis, mas concorrentes.

Segundo Humberto Ávila, não seria possível falar em dispositivos que contém regras ou princípios, mais essa qualificação vai depender da colaboração construtiva do intérprete, a variar, portanto, de acordo com as conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem. (ÁVILA, 2003, p. 26)

Resumindo os argumentos teóricos dos dois autores, expõe Humberto Ávila:

Em primeiro lugar, há o critério do caráter hipotético-condicional, que se fundamenta no fato de as regras possuírem uma hipótese e uma conseqüência que predetermina a decisão, sendo aplicadas ao modo se, então, enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto.

(...)

Em segundo lugar, há o critério do modo final de aplicação, que se sustenta no fato de as regras serem aplicadas de modo absoluto tudo ou nada, ao passo que os princípios são aplicados de modo gradual mais ou menos.

Em terceiro lugar, o critério do relacionamento normativo, que se fundamenta na idéia de a antinomia entre as regras consubstanciar-se verdadeiro conflito, solucionável com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre os princípios consiste num imbricamento, solucionável mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um deles.

Em quarto lugar, há o critério do fundamento axiológico, que considera os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada. (grifos no original) (ÁVILA, 2003, P.30,31)

Buscando apontar algumas impropriedades desses modelos distintivos, afirma com propriedade Humberto Ávila que a ponderação não é um método privativo dos princípios e que nem só os princípios possuem uma dimensão de peso. Defende que em alguns casos as regras ultrapassam o conflito abstrato mantendo a validade, carecendo que haja também uma ponderação de peso no caso entre as duas, em razão da finalidade que cada uma delas visa a preservar:

A ponderação diz respeito tanto aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador do caso concreto. O tipo de ponderação é que é diverso. (...) A dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de qualquer norma jurídica, como comprovam os métodos de aplicação que relacionam, ampliam ou restringem o sentido das regras em função dos valores e fins que elas visam a resguardar.(...) Não são, pois, os princípios que possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma dimensão de importância (...) Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica relativamente às regras, mas resultado do juízo valorativo do aplicador.” ( ÁVILA, 2003, p.50, 51)

Assim, os princípios estipulam fins a serem perseguidos, sem determinar, de antemão, quais os meios a serem escolhidos. Ou seja, não determinam diretamente a conduta a ser seguida, a

exemplo das regras. Mas tanto as regras como os princípios possuem o mesmo conteúdo de dever- ser.

A partir daí, utiliza-se aquele autor dos seguintes critérios de dissociação:

As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a previsão do comportamento.

(...)

Os princípios estabelecem uma espécie de necessidade prática: prescrevem um estado ideal de coisas que só será realizado se determinado comportamento for adotado.

Já as regras podem ser definidas como normas mediatamente finalísticas, ou seja, normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido. (...) Daí afirmar-se que as regras são normas-do-que-fazer (ought-to-do-norms): seu conteúdo diz diretamente respeito a ações (actions).

(...) Isso permite que o aplicador saiba, de antemão, que tanto os princípios quanto as regras fazem referência a fins e a condutas: as regras prevêem condutas que servem à realização de fins devidos, enquanto que os princípios prevêem fins cuja realização depende de condutas necessárias.

(...)

Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas, ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários. (ÁVILA, 2003, p.63-65, 72)

Esta discussão e distinção que acabamos de enfrentar, especialmente a lição e observações de Humberto Ávila, ser-nos-á de especial importância para tratamento e entendimento dos princípios e das regras ambientais constitucionais, exigindo particular atenção ao Poluidor Pagador, pelas razões que passaremos a exibir no presente capítulo.