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PARTE I UMA NOVA ÉTICA DA PRESERVAÇÃO DA NATUREZA E O

CAPITULO 4 A ATUAÇÃO ESTATAL E A NECESSIDADE DE INSERÇÃO

6.2. Tributos ambientais Condições de implementação

Constatamos que o sistema tributário está aberto, para além dos fins meramente fiscais, àqueles extrafiscais. Ou seja, à criação de figuras tributárias que, desde sua concepção, são instrumentos de políticas públicas para alcançar fins sócio-econômicos estabelecidos pelo Estado, que não o puramente arrecadatório.

Desta forma, podem os tributos surgir como ferramenta de política ambiental, buscando condicionar as condutas dos obrigados a atitudes mais preservacionistas. Ganham o qualificativo categorias tributárias ambientais, ou autênticos tributos ambientais, por terem sua estrutura diferenciada dos tributos ordinários, nascendo como verdadeiros estímulos ao cuidado com o meio ambiente.

Como apropriadamente observou Herrera Molina, o adjetivo “ambiental” aplicado aos tributos é tão ambíguo quanto o conceito de “extrafiscaldidade”. Questiona aquele autor: Onde radica o núcleo ambiental? Na estrutura do tributo, ou no destino dos fundos arrecadados? (MOLINA, 199, p. 57)

Atribuir o qualificativo ambiental aos tributos pelo simples fato de que seus montantes arrecadados tomariam um destino ambiental, ou seja, seriam afetadas à finalidade ambiental, não se mostra de todo suficiente. O destino dado às somas arrecadas através de instrumentos tributários extrapolam o âmbito de atuação desse ramo do Direito.

Em relação à destinação da receita, por outro lado, é bem possível que se observe a existência de receita tributária afetada a fins ecológicos120, sem que a estrutura da exação importe qualquer estímulo à preservação ambiental.121 Em resumo, a definição do caráter extrafiscal independe dos fins arrecadatórios ou não, assertiva que igualmente se aplica à observância ao princípio da Capacidade Contributiva, conforme restará demonstrado.

A dificuldade de imposição de um tributo ambiental122 inicia-se desde a eleição de situações-jurídicas a serem gravadas, por serem os recursos ambientais de titularidade difusa123. Os pressupostos de fato desses tributos devem, pois, encontrar pontos de conexão com a atividade humana em cada um dos setores ambiental, a exemplo do consumo daqueles recursos, da emissão de resíduos, etc, - comprovando-se a partir daí a interferência humana no meio, prévia ou posterior à produção de uma determinada alteração no meio ambiente (GARCÍA, 1999, p. 122).

Posicionando-se acerca dos questionamentos, afirma Herrera Molina:

Os autênticos tributos ambientais – cuja estrutura difere dos ordinários – são aqueles que constituem um incentivo ao cuidado do meio ambiente (tributos de ordenamento). (MOLINA, 1999, p.58) (grifos nosso)

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No Brasil, entretanto, essa possibilidade de afetação, sobretudo no que tange à receita dos impostos, encontra-se limitada pelo disposto no Ar. 167, IV.

121

Ver capítulo 5 122

“Com independência de cuál sea ala estructura jurídica del tributo, lo verdaderamente relevante es su configuración o no conforme a los princípios de justicia tributaria admitidos constitucionalmente” (BORRORO MORO, 1999, p.55) 123

Trata-se de tributos criados a partir de uma conotação ambiental, cujos elementos estruturais de sua regra-matriz pautam-se sobre aspectos relativos ao meio ambiente. São tributos, por exemplo, em que o montante é calculado a partir de uma quantidade de poluição, emissão ou degradação a que é exposto o meio em que vivemos. Podem incidir aprioristicamente sobre a exploração de recursos naturais e a utilização de produtos degradantes ou, de forma posterior, sobre a quantidade de poluição já emitida no meio a partir de determinada atividade.

Ponderando princípios constitucionais tributários e a sua relação com a função ambiental do Estado, perceberemos que a Constituição Federal (art. 154, I) e o Código Tributário Nacional (art. 4º, II) determinam que são os elementos que compõem a norma jurídico-tributária que darão a natureza jurídica do tributo, sendo-lhe inócuo considerar a vinculação da receita por ele obtida. A natureza dos tributos ambientais, assim, pode variar de acordo com a tomada de posição do legislador acerca das notas essenciais dos tributos em questão.

Têm os tributos ambientais caráter extrafiscal preventivo, ao tentar redirecionar a conduta do agente poluente à sustentação ambiental, não em caráter sancionatório ou reparador, considerando que não possuem finalidade eminentemente arrecadatória. Quando da adoção de tributos extrafiscais, o Estado deve buscar a redução da arrecadação, impondo altas cargas tributárias às condutas que deseja reduzir, bem como concedendo incentivos fiscais àqueles que se insiram no comportamento desejado.

Nesses casos, como referimos em capítulo próprio124, quanto mais se arrecada, mais distante se mostra dos fins extrafiscais visados, ou seja, de um desenvolvimento sustentável.

Tributar nem sempre significa arrecadar; muitas vezes o interesse maior mesmo no aspecto econômico é a não arrecadação. Exemplo disso é o imposto de importação; quanto menos se arrecadar com ele, melhor para a economia do país. (VARGAS, 1998, p. 71)

Entretanto, mesmo que dotados da nobre finalidade ambiental e não propriamente arrecadatória, a implementação desses tributos, criando novas figuras tributárias, não escapam dos ‘efeitos colaterais’ causados pela soma à alta carga tributária já existente

De fato os efeitos redistributivos dos ecotributos são tanto mais graves, quanto maior for a estrutura de proteção atacada. O agravamento das alíquotas sobre produtos de consumo poluente, por exemplo, não apresenta sérios e nefastos efeitos redistributivos, ao contrário dos tributos incidentes sobre a energia, cujo impacto se dá em larga escala. Normalmente, porém, é necessário adotar-se regras de incidência simples, de fácil mensuração e que se aproximem o máximo possível da fonte de poluição (consumo ou produção), facilitando o manejo de políticas de equilíbrio. (TAPIASSU, 2003, p 102)

Os tributos ambientais estarão cumprindo sua função no momento em que se estruturam de modo a inviabilizar ou tornar por demais inconveniente o comportamento danoso ao meio, sem, entretanto, deixar de considerar os diversos fatores que estão a influenciar na estrutura social e econômica. (ROSEMBUJ, 1995, p.64)

A imposição de categorias tributárias ambientais chegaram a ser classificadas ou ordenadas pela doutrina como categorias a priori, nas quais teriam os tributos a preocupação de agir sobre as atividades que causem ou possam vir a causar danos ao meio ambiente, ou seja, preventivamente. Incidiriam sobre a fabricação, a extração ou mesmo comercialização e consumo de bens que geram situações de risco, sendo-lhes intrínseca a possibilidade de gerarem efeitos negativos no meio ambiente. O objetivo de tais figuras é tentar influenciar previamente na mudança de conduta daqueles que lançam mão das referidas atividades.

Nestes casos, em observância aos limites da imposição tributária, o índice de riqueza sobre o qual se deve basear a exação seria a compra ou consumo dos referidos produtos insustentáveis.

Já nas categorias que agiriam a posteriori, a incidência tributária se faz a partir de elementos que demonstrem já ocorrido o suposto dano ao meio ambiente, seja através de uma emissão de

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resíduos ou qualquer outro produto ou substância contaminante ao meio. Mesmo neste caso, a tributação incidiria sobre a conduta não de forma a reparar o dano ocorrido, ou sancionar a ação – sob os fundamentos da responsabilidade – mas conduzir a ação do agente poluidor à não reincidência ou continuação da conduta danosa.

Atuaria a tributação ambiental tanto com o caráter incentivador como redistributivo. De incentivo porque, como vimos, afetaria as condutas degradantes do meio de forma a desestimulá- las, através da elevação de seus custos. Neste caso, o objetivo seria alcançar índices toleráveis de poluição ou ainda reduzi-las abaixo desse – o que não é alcançado por intermédio das condutas repressivas-sancionatórias.

A função redistributiva, por outro lado, estaria mais assemelhada aos fins financeiros de captação de recursos, voltados à criação de fundos destinados a ações protetivas e reparadoras dos males causados ao meio ambiente. Aqui a preocupação não é propriamente trabalhar diretamente em conjunto com o cidadão, condicionando e lhe incentivando determinada conduta, mas apenas fazendo com que estes contribuam a partir simplesmente de recursos, para que o Estado possa dar execução à determinada política ambiental, fazendo uso do referido fundo.

Neste último caso, estamos diante de tributos com efeitos fiscais, arrecadatórios, criados com a finalidade de formação específica de fundos para o Estado, mesmo que a destinação destes recursos seja a proteção do meio ambiente.125

O Texto Constitucional dispõe sobre as figuras tributárias admitidas126, podendo qualquer delas, desde que compatíveis em sua estrutura, comportar os proveitos e fins ambientais em sua concepção.

Afora raras taxas parafiscais127, não existe, no cenário jurídico nacional tributos diretamente relacionados à proteção ambiental, nenhum que, implícita ou explicitamente, incida sobre atividades

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Mas lembramos que a destinação dos recursos financeiros foge à delimitação do objeto do nosso trabalho. 126

destruidoras do meio ambiente ou causadoras de exaustão dos recursos naturais não renováveis. (FREITAS, 1993)

A competência para a instituição de imposto deve ser exercida na moldura dos artigos 153 e 154 do Título VI da Constituição Federal, sendo, portanto, proibido aos entes políticos instituir qualquer outro imposto distinto dos ali determinados. E a possibilidade de criação de figura inédita, em matéria de impostos, foi regulada pelo art. 154, I, do Texto Constitucional, mediante aprovação do processo de Emenda Constitucional. A criação de impostos ambientais evidentemente, estaria sujeita a essa determinação.

Passamos recentemente por um Reforma Tributária, mas não houve nenhuma novidade nesse sentido.

Entretanto, a criação de tributárias ambientais de forma estrita passa por algumas dificuldades, como, por exemplo, a mensuração da quantidade de poluição ou degradação a que foi exposto o meio ambiente, bem como a própria identificação do sujeito passivo128, – elementos de caracterização de todo tributo ambiental stricto sensu.

Além disso, há de se considerar também o impacto econômico causado pela criação de uma nova figura tributária, vez que possuímos uma das cargas tributárias mais altas do mundo. É preciso avaliar se seria menos custoso a inserção do elemento ambiental nas figuras tributárias já existentes, já que não haveria a necessidade de se despender gastos na montagem de uma estrutura completamente nova129.

Mais ainda: diante da altíssima carga tributária suportada pelas pessoas físicas e jurídicas no Brasil, a simples criação de mais um tributo, seja ele ‘verde, amarelo ou azul’, só seria cabível diante de uma ampla reformulação e amortização do sistema tributário, sob pena de incorrermos

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A exemplo da Taxa de Preservação Ambiental de Fernando de Noronha, cobrada pelo IBAMA. 128

Ver a respeito ALTAMIRANO, Alejandro C. El derecho constitucional a un ambiente sano, derechos humanos y su vinculación con el derecho tributario, p. 71-72

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contra os princípios constitucionais do não-confisco e do mínimo existencial. Aprioristicamente, seria necessária a adoção de mecanismos que evitassem ocorrência de efeitos sócio-econômicos indesejáveis.130