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PARTE I UMA NOVA ÉTICA DA PRESERVAÇÃO DA NATUREZA E O

CAPITULO 4 A ATUAÇÃO ESTATAL E A NECESSIDADE DE INSERÇÃO

4.2. A proteção do meio ambiente como princípio geral da ordem econômica

No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira dentre as nossas Cartas Constitucionais que, sob influência das Constituições do México de 1917 e de Weimar de 1919, traçou normas e princípios sobre a Ordem Econômica (SILVA, 1997, p.762; GRAU, 1998, p.153). Na atual Carta Constitucional, reservou-se Título à Ordem Econômica e Financeira (Título VII) e à Ordem Social (Título VII), divididos em diversos capítulos e inauguradas pelo art. 170, portador dos Princípios Gerais da Atividade Econômica77.

Ao longo de tais capítulos, é prevista a interferência do Estado na economia, não somente de forma subsidiária78 - como já previa Adam Smith (1776) - mas substituindo a “mão invisível” do mercado pela mão visível do Estado, que assume a responsabilidade e condução de planos econômicos e políticos, implementando políticas públicas e buscando garantir uma maior efetividade do direito de igualdade real, na tentativa de manter um maior equilíbrio social (GRAU, 1998, p.82). Com o caráter social do Estado, inúmeras garantias passaram a ser constitucionalmente asseguradas aos cidadãos79.

de que o direito deixa de meramente prestar-se à harmonização de conflitos e à legitimação do poder, passando a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas – não deve ser tomada em termos absolutos” 77

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; II – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V- defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido das empresas de pequeno porte constituídas sob a lei brasileira e que tenham sua sede e administração no País.

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Art. 173 CF/88. 79

“As Constituições Sociais elevam os direitos sociais e econômicos ao nível de norma fundamental, havendo uma ampliação do leque de direitos fundamentais...” (MAGALHÃES, 2000, p.145).Ver também (SARMENTO, 1997, p. 138-139)

Além de direitos fundamentais, a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento econômico encontram-se paralelamente dispostos no Texto Constitucional, enquanto fatores indispensáveis para a otimização do sistema econômico e social nacional, constituindo-se em princípios vetores do ordenamento jurídico (GRAU,1998, p.245,258, 281).

A ordem econômica brasileira é fundada na ‘valorização do trabalho humano e na livre iniciativa’, e, a partir daí, enumera os princípios que devem ser observados também como limites à livre iniciativa, entre os quais:

Art. 170 [...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação80.

Como todos os fenômenos sociais - sobretudo os ligados às ações estatais - as alterações ambientais produzem enormes reflexos no mercado e na economia, sendo o meio ambiente, a um só tempo, palco e combustível para as ações econômicas.

Percebendo o legislador constituinte a intrínseca relação entre a iniciativa privada e o meio ambiente, estabelece que estão desconformes à Ordem Econômica e Social as atividades (privada ou pública)81 que causem ou possam causar distúrbios àquele.

O inciso IV do art. 170, a exemplo do art. 225 retro-mencionado, pode ser indicado como grande e significativo avanço, a partir da Reforma Constitucional n.º 42/2003, no que se refere à defesa ambiental, haja vista o alcance e as consequências que possam advir de tal preceito. Determina que a atividade econômica seja guiada e limitada pela proteção ambiental assim como autoriza o tratamento diferenciado de produtos, serviços e produção diante de um melhoramento do

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Redação modificada pela Emenda Constitucional n.º 42/2003 81

Ressalva feita por Milaré (2001, p. 233), fundamentando também no art. 225, visto que a Ordem econômica e social trata da intervenção Estatal na economia privada, de forma a regulamentá-la e conformá-la aos anseios do Estado Democrático de Direito.

meio. É a tentativa de implementação do princípio global ambiental do desenvolvimento sustentável – fazendo progredir a economia sem desacelerar o meio ambiente e a vida.

Celso Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (2002, p.119) também asseveram que:

Se assim foi elencado pelo legislador constituinte, ou seja, livre concorrência e defesa do meio ambiente caminhando lado a lado para o alcance da ordem econômica voltada para a justiça social, é porque esses princípios, em última análise, convergem entre si. Acentua-se aí, a adoção ao desenvolvimento sustentado, com o fim de preservar o hoje e o amanhã (futuras gerações).

O inciso IV do art. 170 traz consequências pontuais na instrumentalização de figuras tributárias, notadamente no campo da extrafiscalidade, autorizando um tratamento mais gravoso (que pode ser implementado pela variação de alíquotas na tributação, por exemplo) para aqueles produtos, serviços ou processo de produção impactantes. Da mesma forma que a Constituição cria tributo, nela também se encontra o permissivo da extrafiscalidade – seja sob a finalidade ambiental, baseada nos valores ambientais expressos no texto constitucional, seja sob outra finalidade de interesse social.

Ao cuidar do meio ambiente, a Constituição Federal dá como fundamento a qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana, como visto acima, lançando a preocupação sobre “a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco de vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.”82 Clara, portanto, é a preocupação constitucional com a produção e o consumo sustentável, espelhada na locução ‘uso dos recursos ambientais’, não havendo como desvincular desenvolvimento de consumo, pela enorme demanda de matéria-prima e produtos industrializados.

Como bem ressaltou José Afonso da Silva (1997, p.67),

O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de

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estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as de iniciativa privada. Também esses são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade de vida.

É uma necessidade social, por consequência, para que se possa gozar dos demais direitos humanos fundamentais.83

Diante disso, forte é a influência da economia no direito ambiental – ou do direito ambiental na economia – à luz do conceito de desenvolvimento sustentável, tentando a convergência entre o desenvolvimento da economia e a sustentabilidade e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.