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Capítulo II. A história dos Direitos Especiais de Saque (DES)

II. 1 Problema de liquidez no sistema de Bretton Woods

Como discorrido no capítulo anterior, uma moeda verdadeiramente internacional tem por objetivo primeiro trazer mais estabilidade ao sistema monetário internacional. Esse instrumento pode ser eficaz, de acordo com seus defensores, no combate aos problemas decorrentes dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos e da falta de coordenação política entre os países. Essa maior estabilidade resultaria de um maior controle sobre a liquidez mundial.

A moeda internacional de Keynes nunca foi institucionalizada e o sistema de Bretton Woods foi estabelecido em torno de um padrão monetário no qual o dólar exercia as funções de uma moeda internacional. Contudo, o padrão-ouro não suportaria por muito tempo a necessidade de ampliação da liquidez global sem trazer instabilidade ao sistema monetário global. Os Estados Unidos se tornariam tecnicamente ilíquidos, ou seja, os mantenedores estrangeiros de dólares passariam a não estar mais seguros quanto à possibilidade de trocar suas reservas em dólar por ouro. Isso levaria necessariamente a uma crise de confiança no dólar como um ativo de reserva no sistema de Bretton Woods, assim como na capacidade de os Estados Unidos em manter indefinitivamente a conversibilidade do dólar ao ouro.

Dessa forma, a partir dos anos 1960, ganhou notoriedade o debate concernente à conformação de uma moeda eminentemente internacional, como inicialmente proposta por Keynes na década de 1940. Assim, em 1969, foram criados os Direitos Especiais de Saque

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(DES), um instrumento monetário que seria emitido por uma instituição internacional. A instituição escolhida foi o FMI, um dos pilares do sistema de Bretton Woods.

Os DES originalmente foram estabelecidos para responder aos problemas de um sistema monetário internacional dependente do dólar e do ouro. O professor Robert Triffin, da Universidade de Yale, se focou na dependência do sistema monetário internacional à moeda americana, dando especial atenção ao incremento do déficit americano em função de os Estados Unidos serem o grande provedor de liquidez mundial.

A expansão de oferta da moeda americana para a recuperação de seus aliados se deu por meio de grandes déficits no seu balanço de pagamentos, o que traria futuramente problemas para a economia dos Estados Unidos e para a ordem monetária internacional. Esse déficit, que até um determinado momento era responsável pelo sucesso do sistema de Bretton Woods, seria igualmente responsável pela destruição desse sistema.

Até o final dos anos [19]50, o sistema monetário de Bretton Woods funcionou razoavelmente bem. Enquanto os economistas, de uma forma geral, celebravam o fim da escassez de dólares, o Professor Robert Triffin, de Yale, previu a aproximação de problemas. Em seu importante depoimento ao comitê econômico conjunto do Congresso em 1959, Triffin argumentou que o sistema de Bretton Woods era congenitamente fraco. O mecanismo responsável por seu sucesso, a saber, crônicos déficits no balanço de pagamentos dos Estados Unidos, trazia as sementes da destruição do sistema. A essência do que se tornou conhecido como dilema de Triffin era que os déficits americanos não poderiam servir eternamente como fonte de moeda internacional – enquanto os Estados Unidos mantivessem ligação entre o dólar e o ouro (MOFFITT, 1984:28).

O fluxo constante de dólares no exterior terminaria por estimular os governos estrangeiros a demandarem ouro com esses dólares. Como consequência, o estoque deste metal pelos americanos diminuiria, solapando a confiança na capacidade dos Estados Unidos de honrarem o lastro de sua moeda em ouro (que no sistema de Bretton Woods estava estabelecido em 35 onças por dólar) levando, assim, a uma crise monetária internacional (MOFFITT, 1984). Essa questão ficou conhecida como “dilema de Triffin”:

[...] acumular reservas em dólares era algo atraente apenas na medida em que não houvesse dúvidas sobre sua conversibilidade em ouro. Mas, depois que os saldos em dólares do exterior cresceram muito em relação às reservas norte-americanas

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de ouro, a credibilidade desse compromisso poderia ser colocada em dúvida (EICHENGREEN, 2000: 160).

E como já alertara Triffin (1960), nos anos 1960 a quantidade de ouro do Tesouro americano era menor que a quantia de dólares no exterior. Desde 1958, os Estados Unidos começaram a apresentar déficits de aproximadamente US$ 3 bilhões por ano, quase o triplo da magnitude dos déficits acumulados durante quase toda a década de 1950 (com exceção de 1957). A quantidade de ouro que os americanos possuíam em suas reservas (total de US$ 15,5 bilhões em 1963) não mais cobriria a quantidade de dólares mantida por estrangeiros (que totalizava US$ 18,2 bilhões em mãos oficiais e US$ 10,6 bilhões em mãos privadas no ano de 1963).

A perda de controle sobre o balanço de pagamentos dos Estados Unidos se deu inicialmente em função da competição econômica da Europa e do Japão, já recuperados economicamente graças ao Plano Marshall e ao Plano Dodge.

O aumento do ativismo concorrencial entre Estados Unidos, Alemanha e Japão provocou a perda de competitividade das empresas americanas. Para Medeiros e Serrano (1999: 122), “vai ficando claro para o governo americano que um realinhamento cambial se tornava necessário para desacelerar o declínio relativo da competitividade dos [Estados Unidos]”.

O crescente déficit americano também esteve vinculado às consequências da guerra do Vietnã. “Com o declínio da supremacia industrial americana (anos 1960) [...] cresceu a pressão para que os Estados Unidos reduzissem seus gastos externos em outras áreas, como, por exemplo, os gastos militares. O Vietnã tornou isso impossível” (MOFFITT, 1984: 30). A guerra resultou em inflação já que se optou por financiá-la sem aumentar os impostos. Logo, o financiamento ocorreu por meio da emissão de mais moedas. Como decorrência, aumentaram-se periódicas explosões especulativas contra a moeda americana já que governos estrangeiros procuravam trocar seus dólares por ouro (a inflação nos Estados Unidos reduziu o poder aquisitivo do dólar e, portanto, do valor das reservas da Europa de moedas estrangeiras – que correspondiam basicamente à moeda americana). A confiança no lastro do dólar estava ameaçada.

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Nesse sentido, os americanos enfrentavam um dilema que correspondia ao desejo de desvalorizar sua moeda (o que poderia provocar uma fuga para o ouro) concomitantemente à manutenção do papel do dólar como moeda internacional.

Em meio à ampliação do déficit no balanço de pagamento americano – resultando em dúvidas em relação à conversibilidade do dólar ao ouro – começou-se a pensar em alternativas para o fornecimento de liquidez internacional. Intentou-se pensar em complementar a liquidez internacional com um novo ativo de reserva a fim de prevenir o que Triffin havia alertado. A solução para ele correspondia em criar um ativo internacional para combater a escassez de dólares, funcionando como um suplemento à moeda americana nas reservas oficiais. Buscava-se, dessa forma, o estabelecimento de um sistema mais ordenado para a criação de liquidez internacional.

Nesse contexto de necessidade de uma reforma do sistema monetário internacional, ganhou notoriedade o debate concernente à existência de uma moeda supranacional. Assim surgiram os DES.