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Teorias da moeda como convenção e o conceito de poder simbólico: outras

Capítulo I. Contribuições teóricas para compreender a relação entre moeda, Estado e poder

I.2 Teorias da moeda como convenção e o conceito de poder simbólico: outras

A teoria cartalista em grande medida pautará a definição de moeda que será utilizada ao longo deste estudo. Contudo, outras abordagens sobre moeda convergem com a teoria cartalista e somam à percepção da moeda e sua aceitabilidade na economia.

Dentre essas abordagens está a teoria convencionalista da moeda de Aglietta e Orléan (2002). Dessa forma, busca-se nesta seção demonstrar a convergência entre duas abordagens teóricas que foram desenvolvidas separadamente.

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De acordo com Aggio (2008), a teoria da moeda como convenção compartilhada entre Aglietta e Orléan e a abordagem cartalista não se excluem mutuamente. Conjuntamente, estes dois instrumentais teóricos complementam a análise da moeda, contribuindo para entender sua aceitação na economia capitalista pelos agentes econômicos.

Para estes autores, a aceitabilidade de uma moeda em um dado ambiente econômico é resultado de uma convenção social. A moeda, para eles, se configura ela mesma em uma instituição social, correspondendo a “uma reserva de riqueza de liquidez absoluta” (AGGIO, 2008:38). Ela se torna representante da riqueza absoluta por possuir uma aceitação generalizada, sem qualquer acordo explícito entre os indivíduos.

Os indivíduos vivem, de acordo com Aglietta e Orléan (2002), em um ambiente de incerteza e insegurança inerente em função da ausência de laços sociais entre eles. A busca de subsistência entre os agentes não está garantida. Desse modo, a fim de minimizarem os efeitos dessa realidade, os indivíduos buscam uma forma de proteção. A “riqueza de liquidez absoluta” corresponde ao objeto de desejo de todos que cobiçam essa proteção. “Dito de outra forma, dentro da nossa perspectiva, a ‘riqueza’ é definida como aquilo que permite a proteção contra a incerteza mercantil” (AGLIETTA, ORLÉAN 2002: 38, apud AGGIO, 2008:39). Como a “riqueza” (pensada em sua forma de proteção) é buscada por todos, as trocas comerciais são realizadas com referência a ela.

A riqueza, por sua aceitabilidade generalizada, corresponde, nesta perspectiva, ao bem mais desejável de uma economia, o que torna os agentes sempre predispostos a alienar o que possui para obtê-la. Nessa busca, a riqueza consegue criar um desejo de unanimidade entre os agentes, possibilitando a organização destes. Sua posse liberta da necessidade de laços sociais de proteção (AGGIO, 2008).

Os indivíduos buscarão pela forma líquida de riqueza, não importa qual seja esta forma. Na gênese desse processo, cada agente preferirá que a forma geral de riqueza socialmente aceita seja o bem que ele produz ou tenha fácil acesso, a fim de obter vantagens. Porém, esse processo de seleção da riqueza líquida geral ocorre dentro de uma dinâmica própria, não relacionada com a vontade individual de cada agente. Isso acontece, de acordo com Aglietta e Orléan (2002), porque nenhum indivíduo possui mais relevância que outro. Necessariamente se engendra um ambiente de unanimidade em relação à eleição da forma da

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riqueza líquida. A escolha da moeda se deve, portanto, a um processo de unanimidade (convergência das crenças rumo à unanimidade) e não em decorrência do poder do Estado, como defende a teoria cartalista.

Inicialmente, nenhum agente sabe qual é a forma dessa riqueza de maior liquidez. A moeda, por sua vez, surge como a forma concreta da “riqueza”. Contudo, a moeda só se torna instituição social que adquire a forma de riqueza após o reconhecimento de todos os agentes da economia. Por isso que a moeda é “aquilo que todo mundo considera que seja moeda” (AGLIETTA, ORLÉAN, 2002: 85, apud AGGIO, 2008: 40). Dessa forma que os autores a definem como “riqueza socialmente reconhecida e legítima”. Os indivíduos buscam em uma moeda a proteção reconhecida socialmente contra a incerteza na economia. Sua aceitação por todos os agentes, se transformando em um instrumento econômico, é o pressuposto para sua liquidez. Assim, da mesma forma que na teoria cartalista, a moeda não deriva seu valor de suas características intrínsecas, de sua materialidade.

Uma vez escolhida a moeda, os agentes a terão como referência nas práticas econômicas. A confiança de que outros agentes também a aceitarão (confiança na aceitabilidade) confere solidez e durabilidade a uma economia monetária. Um agente a aceitará porque sabe que ela será aceita pelos demais. Ela se torna a moeda da economia.

Porém, nessa perspectiva da moeda como convenção, embora seja socialmente aceita, ela pode ser contestada, existindo a possibilidade de concorrência entre várias moedas. Assim, a moeda aceita de forma generalizada pode ser substituída, deixando, portanto, de ser legítima.

A moeda, enquanto forma da “riqueza”, deve constantemente provar sua legitimidade. Não possui nenhuma característica que inerentemente a coloque neste posto, algo que a torne mais apta a exercer a função de moeda. A escolha de uma moeda é um processo aleatório na sociedade, no qual em um dado momento se chega a uma unanimidade concernente ao que será tratado como tal.

Todavia, quando a moeda é estabelecida pelos agentes, estes tendem a vê-la como possuidora de uma “(...) uma natureza radicalmente diferente das outras mercadorias profanas” (AGLIETTA, ORLÉAN, 2002: 85, apud AGGIO, 2008: 48). Isso ocorre pelo fato de a moeda possuir legitimidade. “A noção de legitimidade da moeda, portanto, é um

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elemento que alimenta a crença na singularidade da moeda e auxilia na continuação do seu uso, uma vez que a moeda deve ter seu caráter autorreferencial inabalável” (AGGIO, 2008: 48). É sobre a legitimidade que se constrói a confiança na moeda, se garante sua durabilidade e a continuidade de seu uso no decorrer do tempo.

Apresentada resumidamente a essência da moeda para Aglietta e Orléan (1990), ter-se-á como pressuposto o mesmo argumento desenvolvido por Aggio (2008) de que a teoria cartalista da moeda é coerente e compatível com o caráter da moeda como convenção.

Da mesma forma que a abordagem cartalista, Aglietta e Orléan (1990) questionam a abordagem da ciência econômica ortodoxa, pois esta desconsidera a natureza dos fenômenos monetários e seu caráter inerentemente social: “Trata-se de uma tarefa de purificação de tudo o que a moeda traz de desordem, de arbitrário, de luta, de poder, de compromisso convencional, de fé cega; em resumo, de toda vivência social, para elevar-se ao céu resplandecente da teoria” (AGLIETTA, ORLÉAN,1990: 27). As relações econômicas não são relações naturais. Como a linguagem é um sistema estruturado, a moeda também é um sistema estruturado, tão pouco natural quanto o é a fala. A moeda possui “um modo de socialização particular, determinado historicamente, e não a forma absoluta das relações entre produtores privados” (Idem:37).

Desse modo, defendemos neste estudo que a moeda aceita de forma generalizada em uma economia capitalista mantém seu caráter social de convenção (abordada por Aglietta e Orléan) e é a moeda do Estado. Ou seja, um indivíduo aceita a moeda porque espera que os outros também a aceitem e ela é em algum grau arbitrária. Nesse sentido, o Estado é a instituição mais apta para gerar um contexto de confiança (dado seu poder de impor a unidade de conta) suficiente para que demais agentes privados essa moeda e pautem suas relações econômicas nela. A “moeda aceita de forma generalizada em uma economia capitalista deve ser a moeda do Estado” (AGGIO, 2008). Destarte, a moeda estatal tem menos propensão a deixar de ser aceita pelos agentes econômicos.

Mas a moeda estatal não perde sua característica de convenção, pois pode deixar de ser aceita quando o Estado não consegue manter um contexto de confiança suficiente para que os indivíduos aceitem manter relações econômicas pautadas nessa moeda. A Argentina, por exemplo, para tentar sustentar a estabilidade, e consequentemente, a aceitabilidade de

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sua moeda nacionalmente, manteve a paridade do peso argentino, de 1991 até o começo dos anos 2000, com a moeda mais importante da economia global (o dólar).

Assim sendo, a ideia de que os agentes em uma dada comunidade de pagamento aceitarão uma moeda porque eles esperam que os outros também a aceite (conceito de moeda convenção) é totalmente compatível com a ideia de que a moeda mais aceita no campo econômico seja a moeda que o Estado recebe como pagamento de tributos (moeda estatal) – ideia defendida pela abordagem cartalista. Os agentes possuem uma participação mais ativa na legitimação da moeda estatal na economia do que inicialmente defendem os cartalistas.

Entretanto, não é qualquer moeda que é eleita por um processo de construção de uma unanimidade, diferentemente do que afirmam Aglietta e Orléan (1990). A moeda que está pautada em um poderio estatal forte, ou seja, a moeda estatal terá o contexto favorável para se tornar legítima e ter uma aceitabilidade generalizada por parte dos demais agentes. É o Estado que cria uma unidade de conta que se torna âncora para as demais moedas, instituindo a cobrança de impostos, ao deter o monopólio legítimo da força, e poder declarar qual moeda aceitará como pagamento desses tributos. Além do mais, é o Estado que pode regulamentar os contratos, ao ser responsável por manter uma relação estável e contínua entre unidade de conta e meio de pagamento, criando um contexto de confiabilidade nestes.

Dado o poderio da autoridade soberana em estabelecer a unidade de conta, todas as moedas ficam referendadas nesta unidade determinada pelo Estado. Todavia, a moeda que expressa essa unidade de conta não perde seu caráter de convenção, já que pode deixar de ser aceita pelos agentes da comunidade de pagamento deste Estado. A contribuição da teoria da moeda como convenção à teoria cartalista é como os agentes têm participação fundamental na legitimação da moeda em uma dada comunidade de pagamento, não somente o Estado.

A comunidade de pagamento do Estado pode ser mantida apesar de sua moeda deixar de ter aceitabilidade plena. Caso tal falência da moeda não comprometa a existência do próprio Estado, este, dado seu poderio, pode estabelecer uma nova moeda e regular a conversão entre esta e a antiga. Contudo, a nova moeda também estará sujeita à aceitação pelos agentes. Somente o poder soberano é capaz de manter a relação estável e contínua entre unidade de conta e meio de pagamento.

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Assim, ampliando o conceito de moeda pela abordagem cartalista, a moeda estatal não é somente aquela que o Estado aceita em seus guichês de pagamento, mas também a que os agentes privados aceitam amplamente. A aceitabilidade de uma moeda não está somente vinculada ao fato de o Estado a requerer para pagamento de tributos, mas também se deve ao fato de os agentes a demandarem por considerarem que outros a aceitarão. A moeda é demandada na economia em quantidade superior à necessária para pagamento de impostos. Esta situação ressalta o caráter da moeda como convenção. Outro fator que destaca esse caráter, e que está relacionada com a abordagem cartalista, diz respeito em como a aceitação por parte do Estado de uma dada moeda (tornando-a moeda estatal) a tornará mais apta a se tornar a moeda-convenção. Igualmente, a recusa do Estado em aceitar uma certa moeda em pagamento de tributos a tornará menos apta a se tornar uma moeda vastamente aceita (ou com menor liquidez).

Em suma, um agente econômico aceita a moeda do Estado porque os outros também a aceitarão, criando um contexto de confiança e de perenidade dessa ampla aceitação:

Confiar na moeda significa postular que será indefinidamente aceita e que por conseguinte garantirá a realização contínua e potencialmente ilimitada das relações mercantis. A confiança na moeda é a confiança na perenidade da ordem mercantil, além dos horizontes individuais de cálculo dos agentes privados. A moeda é esta instituição central que representa a perenidade de toda uma ordem social. Em cada intercâmbio em que a moeda troca de mão, encontra-se implícito o postulado de que esse intercâmbio se inscreve em uma cadeia ilimitada de intercâmbios futuros (AGLIETTA, 1987: 53).

Essa aceitação está altamente condicionada pelo poder do Estado de estabelecer a unidade de conta de sua comunidade de pagamento por meio da cobrança de tributos a todos os membros dessa comunidade, impondo a condição de devedor a eles. Dessa forma, os “súditos” do poder soberano, a fim de pagar os impostos, deverão de algum modo ter acesso à moeda aceita pelo Estado para liquidar esses impostos. Essa aceitação inicial pela moeda estatal pode se tornar uma aceitação generalizada.

Destarte, uma das maiores contribuições de Aglietta e Orléan (1990) para o entendimento da moeda que será adotada neste estudo refere-se à sua definição como um instrumento que sustenta uma lógica social. A aceitação generalizada necessária para uma

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moeda exercer seu papel enquanto tal dá o conteúdo inerentemente social a ela. Dessa forma, a preferência por determinada moeda em uma dada economia não é um mero resultado de um cálculo a priori que o indivíduo traz no isolamento de sua consciência, mas possui todo um contexto social que engendra essa preferência.

O caráter social da moeda apresentada por Aglietta e Orléan (1990) permite conjecturar um pouco mais sobre a natureza de sua aceitabilidade na economia para além do poder do Estado – mas que não exclui este último para a conformação de um sistema monetário.

A ampla aceitabilidade de uma moeda está calcada não somente na confiança na perenidade de sua aceitação pelos demais (caráter da moeda como convenção) e no poderio do Estado emissor dessa moeda (ao impor tributos aos seus cidadãos, criando uma comunidade de pagamento, e definindo a unidade de conta da economia). Também está baseada em uma forma de poder transfigurada, transformada e legitimada – a que Pierre Bourdieu (1989) denomina “poder simbólico” – que a moeda líder exerce no campo econômico. Esta moeda, enquanto um símbolo, mantém uma lógica social que corrobora sua aceitação generalizada por parte dos agentes econômicos e ajuda a explicar sua hegemonia. Dessa forma, observa-se uma confluência entre o caráter da moeda como convenção enfatizada por Aglietta e Orléan (1990), e o conceito de poder simbólico proposto por Bourdieu (1989).

O caráter consensual da moeda apresentada por Aglietta e Orléan (1990) pressupõe a aceitação geral dela pelos agentes econômicos a fim de ganhar legitimidade. Mas essa aceitação é, para eles, um processo espontâneo, que ocorre a largo das preferências individuais. Contudo, o reconhecimento social da moeda detém um caráter arbitrário para além da característica tax-driven da moeda.

A moeda estatal, enquanto manifestação de poder, exerce hegemonia em sua respectiva comunidade de pagamento. E essa hegemonia está pautada tanto na capacidade de o Estado impor a unidade de conta geral (abordagem cartalista) quanto na aceitação geral da moeda na economia respaldada pelo poder simbólico que exerce.

A aceitação pelos agentes é importante para a legitimidade de uma moeda. Todavia, essa aceitação não é fruto da espontaneidade. Ela é engendrada pelo poder

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simbólico que a moeda amplamente aceita exerce em uma dada comunidade de pagamento e que esconde sua natureza estatal e arbitrária.

De acordo com Bourdieu (1989:14-15), o poder simbólico é:

poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos ‘sistemas simbólicos’ em forma de uma ‘illocutionary force’ mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença.

Os agentes, ao estarem inseridos na comunidade de pagamento do Estado, não percebem a moeda como um instrumento de poder estatal, não se sentem coagidos face à sua hegemonia. A aceitação dessa moeda pelos indivíduos é percebida como “natural”, não conformada por uma estrutura de poder estatal que consegue impor o domínio de sua moeda a todos os agentes econômicos que fazem parte de sua comunidade de pagamento. Porém, a moeda de ampla aceitação na economia está sim calcada no poderio estatal (ao aceitá-la no pagamento de tributos), mas cria-se um ambiente de “aceitabilidade” face a essa moeda, por meio do poder simbólico que exerce, o que obscurece o caráter impositivo da moeda.

Sua aceitação generalizada, seja no plano nacional, seja no plano internacional, adquire um grau de abstração tal em relação ao poder estatal que configura a unidade de conta principal da economia, que a moeda se torna uma espécie de “poder invisível”. Neste sentido, pode haver um diálogo com o conceito de poder simbólico, já que “o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989: 7-8). “[A moeda] implica, ao contrário, um desconhecimento desses agentes, face ao fenômeno que eles provocam’” (AGLIETTA, ORLÉAN, 1990:19-20). Dessa forma, a abordagem da moeda como convenção ganha destaque, já que ressalta seu caráter social, a necessidade de sua aceitação generalizada pelos agentes econômicos para que ganhe proeminência. Porém, essa abordagem ofusca o caráter estatal e arbitrário da moeda.

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Poder simbólico corresponde a “uma espécie de ‘círculo cujo centro está em toda parte e em parte alguma’ [...]” um poder que “se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico” (BOURDIEU, 1989:7). O poder simbólico que a moeda estatal exerce no campo econômico cria uma lógica social que corrobora sua proeminência na economia.

A moeda estatal funciona como uma forma simbólica que exerce um poder estruturante. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem, um sentido de mundo. “[O]s símbolos são os instrumentos por excelência da ‘integração social’”. “Eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social” (BOURDIEU, 1989: 10). O poder simbólico da moeda estatal é traduzido na confiança (crença) na sua legitimidade e naquele que acredita nesta crença.

Portanto, essa confiança, essa preferência pela moeda estatal no sistema monetário (nacional e internacional) está pautada não somente no poderio do Estado ao estabelecer a unidade de conta da economia, mas também em um “poder subordinado, [...] uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder...”, o poder simbólico (BOURDIEU, 1989: 15).

A “junção” entre as perspectivas cartalista, da moeda como convenção e o conceito de poder simbólico contribui para analisar a hegemonia da principal moeda internacional atual (o dólar americano) na economia global, principalmente no estabelecimento do padrão dólar-flexível nos anos 1970. A hegemonia do dólar no sistema monetário internacional tem como base, portanto, não somente o poder do Estado americano, ao estabelecer a unidade de conta principal da economia global, mas também a aceitabilidade generalizada de sua moeda pelos agentes econômicos, demonstrando o caráter de moeda como convenção. Por sua vez, essa aceitação geral da moeda americana, criando legitimidade e confiança nela, é fruto do poder simbólico que o dólar exerce na economia global, o que camufla sua natureza política. E como buscaremos discutir à frente, diante das instabilidades de um sistema monetário-financeiro global dependente do dólar americano, lança-se o desafio de uma moeda supranacional (emitida por uma instituição não estatal) poder alcançar

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a posição de moeda-chave global, angariando sua aceitação generalizada na economia internacional.