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O problema aqui, é verificar quais são as representações sociais para o tema educação inicial de adultos e verificar como elas interferem no processo de musicalização de adultos. Para isso, considerou-se dois grupos de sujeitos (alunos e professores da Escola de Música da UFRN) e suas representações a respeito do objeto “aluno adulto iniciante de instrumento”.

As experiências, as referências e o contexto apontam na direção de um habitus

conservatorial relacionado a emergência dessas representações, por isso o recorte busca os

instrumentos de tradição conservatorial através do recorte feito entre os cursos de uma instituição que traz em sua história também a tradição conservatorial.

Neste trabalho, buscou-se a descrição do conteúdo cognitivo de uma representação relacionando à análise das condições socioculturais que favorecem sua emergência sem nos aprofundar no estudo da natureza epistêmica que cercam essas representações (SÁ, 1998). Essa delimitação aqui se deve a estabelecer um norte dentre os diversos trabalhos que usam a TRS. A natureza epistêmica indica de onde vem as representações e é naturalmente mais aprofundada em estudos que tratam da passagem do conhecimento científico para o senso comum.

Descrever o conteúdo cognitivo é diferente de descrever o núcleo central de uma representação, que já pressupõe outro aparato metodológico. Aqui a descrição do conteúdo cognitivo se refere às associações de ideias que são evocadas através das representações, semelhante ao núcleo central, mas que nos permite entender também o papel dos investimentos afetivos como motores da transformação das representações (SPINK, 2013)

Segundo Sá (1998), a construção da pesquisa pode ser vista como um processo decisório, pelo qual transformou-se um fenômeno do universo consensual, em um problema do universo reificado e, em seguida, selecionou-se os recursos teóricos e metodológicos a serem usados no problema. (SÁ, 1998, p. 26).

Para relembrar, no universo consensual no qual as pessoas são vistas pertencentes a um grupo “de pessoas que são iguais e livres, cada um com possibilidade de falar em nome do grupo e sob seu auspício” (MOSCOVICI, 2009, p. 50). Nesse sentido, utilizou-se esse pressuposto para pesquisar as representações, que compreende parte do objeto de estudo, através de entrevistas semiestruturadas realizadas com dois grupos, de um lado professores da Escola de Música da UFRN, e de outros alunos dessa instituição.

Estes últimos, foram também indicados pelos professores. Segundo Spink (2013, p. 105) “trata-se do que chamamos de ‘sujeitos genéricos’ que, se devidamente contextualizados, tem o poder de representar o grupo no indivíduo”.

Ainda segunda essa autora, tendo em vista a necessidade de compreensão dos conteúdos que circulam nos diferentes tempos anteriormente definidos – o tempo da interação, o habitus e o imaginário social - a coleta de dados exige entrevistas semiestruturadas acompanhadas de levantamentos paralelos que informam os indivíduos enquanto sujeitos sociais. (SPINK, 2013).

Sendo assim, uma vez definido o contexto social, foram entrevistados cinco professores da escola de música sendo dois de cordas friccionadas, um de piano, um de metais e um de madeiras. Nesse momento esses professores foram solicitados a indicar alunos que eles considerassem adultos para a segunda etapa de entrevistas.

Apesar dessa pesquisa não ter colhido mais dados entre os alunos da instituição, como previsto no projeto inicial, notou-se que ao evocar o tema da inicialização musical entre os professores entrevistados muitos deles se aprofundaram na sua história pessoal como estudantes fornecendo muitos elementos para a análise de como são (ainda hoje) percebidos, categorizados e tratados alunos conforme a sua idade de iniciação.

De maneira semelhante, entre os alunos entrevistados, todos desenvolviam atividades profissionais com a música concomitante ao seu estudo, os dois alunos de piano e violino na época da pesquisa já exerciam atividades como professores particulares de música durante a pesquisa, sendo um deles até empreendedor em diversos projetos de música em sua comunidade, ambos com mais de um ano de experiência no ensino de seu instrumento.

A outra participante, ex-aluna de Escola de Música da UFRN, também trabalhava com música na época de sua estada na Escola de Música como realizadora e bolsista de projetos na instituição. Sendo assim, muitas vezes esses alunos também forneceram precioso material de análise a respeito da maneira como alunos adultos procuram o estudo do instrumento fora da instituição, além de fornecerem elementos que permitem a compreensão da sua posição como professores em relação a esse público.

Dessa forma, embora tenham sido entrevistados professores e alunos, muitos professores trouxeram um rico relato da sua percepção como alunos e a maioria dos alunos acabou contribuindo também como professores, principalmente em relação ao público adulto com o qual esses alunos já têm contato.

Mesmo que essas experiências, as dos professores entrevistados na posição de alunos e a dos alunos entrevistados na posição de professores, tenham ocorrido fora do locus de pesquisa, notou-se como essas histórias de vida são determinantes para a formação das percepções, representações e atitudes dentro do locus de pesquisa.

Aqui, essa distinção se faz necessária porque, em certas narrativas transcritas aqui, os professores narram situações que viveram enquanto alunos, nas quais a autoridade pedagógica, prática, comportamentos e atitudes censuráveis pela ética e pedagogia contemporânea e, busca- se deixar claro, que esses comportamentos e atitudes não aconteceram na Escola de Música da UFRN.

São essas experiências anteriores que contribuem para definir a afiliação ou rejeição aos paradigmas que esses profissionais adotam e para a construção de suas representações a respeito do ensino de música ao instrumento. Consequentemente, essa experiência coletiva é incorporada a Escola de Música da UFRN, formando o ambiente no qual circulam as representações.

Para a criação do roteiro das entrevistas foram observadas referências e experiências anteriores que apontam para algumas questões centrais nos discursos observados na literatura e nos discursos do senso comum, tais como: a idade “ideal” para aprender, as diferenças de tratamento com relação a essa idade, entre outras.

Também observou-se em diversas referências a dificuldade na percepção da condição de adulto, por outro lado notou-se (SOUSA, 2010) que ao mesmo tempo em que características como trabalho e paternidade/maternidade aparecem relacionadas a adultez, também aparecem em relatos (FELLS, 2012; COSTA, 2004) como empecilhos ao estudo da música. Baseado nessas pistas, a proposta de questionário para os professores procurou meios de levantar essas questões.

Procurou-se também verificar as fontes às quais os sujeitos atribuem suas respostas e até que ponto suas respostas refletem a educação na qual eles se formaram e a visão de seus colegas (grupo social em que se compartilham as representações). Vide o apêndice A. De maneira semelhante, o apêndice B traz o roteiro de perguntas para os alunos que buscou também complementar os dados colhidos na entrevista com os professores e evocar o conteúdo representacional trazido pelos alunos.

Todas as entrevistas foram realizadas após um contato anterior com o colaborador que sugeriu o local e horário da entrevista conforme conveniência do entrevistado. Todos os colaboradores foram informados e esclarecidos a respeito da pesquisa e consentiram sua participação, no qual foi utilizado o termo de consentimento livre e esclarecido em anexo (vide apêndice C).

Com relação aos professores colaboradores, o pesquisador, como músico instrumentista, já havia estabelecido uma relação profissional anterior por compartilhar muitas vezes os palcos e salas de ensaio com esses profissionais. Em um primeiro momento, isso facilitou a comunicação devido ao fato de que o colaborador já me conhecia como músico.

Nenhum desses colegas que se tornaram colaboradores tinha uma relação próxima comigo e os contatos anteriores geralmente se resumiam a um breve comprimento. No ato da entrevista essa relação anterior serviu para abreviar explicações com relação a locais, escolas de música e profissionais que faziam parte do repertório comum de referências.

Entre os alunos, a mediação do professor que o indicou para a entrevista, tornou a entrevista, com o fato de conhecer pessoalmente apenas no dia da entrevista, em um primeiro momento mais direto e “burocrático” que se dissolveu ao longo da entrevista.

Um dos alunos se encontrava em uma fase na qual o trabalho e a necessidade de gerar renda exerciam um forte impacto em seu discurso por isso era para ele uma situação relativamente nova. Esse aluno começou na música aos oito anos e só na adolescência começou a estudar o seu instrumento “seriamente” buscando a profissionalização.

Com ele, ao mesmo tempo em que se tinha um relato muito rico das condições de estudo de um aluno “típico”, pude perceber o significado do trabalho e da necessidade de independência que são características da adultez e estavam começando a ser vividas agora como aprendiz de um instrumento diferente do que ele conheceu na infância.

Outro aluno foi um exemplo de foco, suas respostas sempre foram muito diretas e sua experiência profissional, assim como no caso do colaborador anterior, foi enriquecedora no sentido de mostrar como a sua história de vida implica na formação da representação dos alunos adultos de instrumento com os quais ele trabalha.

A ex-aluna, apesar de ter demonstrado interesse em participar da pesquisa se portou de maneira reflexiva e direta, demostrando muita maturidade ao se descrever e descrever seus sentimentos e experiências vividas. Talvez pela distância temporal entre as situações descritas,

que era maior do que a dos outros alunos colaboradores, essa colaboradora rendeu um rico relato.

A aplicação do roteiro de entrevistas resultou em entrevistas de durações diferentes conforme os entrevistados. Em alguns casos o colaborador respondia sucintamente as perguntas principais e seus desdobramentos de modo que tentativas de aprofundamento em alguns temas resultaram em respostas repetidas.

Outras vezes a evocação de um tema transportava o entrevistado a experiências com profunda carga afetiva o que resultava em entrevistas mais longas. Não necessariamente o conteúdo evocado tinha referência ao tema proposto, nesses casos, optou-se por dar voz ao colaborador e retomar o roteiro em seguida.

Desta maneira, algumas entrevistas duraram mais de uma hora, outras nos renderam cerca de quinze a vinte minutos de conversa. Mesmo assim, seguindo os procedimentos da análise de discurso (ORLANDI, 2001; FREIRE, 2014), observou-se em todas as entrevistas a saturação do discurso relacionado ao tema proposto.

A articulação entre a teoria da análise do discurso e a TRS pode ser justificada pelo tratamento do conteúdo simbólico na TRS e pela forma com a qual a teoria da análise de discurso liga a língua, discurso e a ideologia segundo a tradição de Pêcheux (ORLANDI, 2001, p. 17).

Nesse caso, a ideologia da qual trata Pêcheux é definida segundo Althusser como “uma relação imaginária (a imagem que temos das coisas), transformada em práticas guiadas por essa relação” (FREIRE, 2004, pos. 145). Para Althusser “há um assujeitamento do indivíduo à ideologia e, a partir do momento em que ele é assujeitado, ele passa a falar da posição determinada por ela” (FREIRE, 2004, pos. 148).

Spink (2013) propõe o uso da análise de discurso aplicada à TRS como uma forma de pesquisa qualitativa que possa ser aplicada em poucos sujeitos considerando esses sujeitos como via de acesso às representações sociais do grupo do qual eles pertencem.

Segundo a autora existem duas perspectivas para o estudo das representações sociais enquanto processo: “de um lado a perspectiva tradicional de estudar muitos para entender a diversidade; de outro o estudo de casos únicos para buscar na relação representação-ação os mecanismos cognitivos e afetivos da elaboração das representações sociais (SPINK, 2013, p. 100).

Nesse sentido, ao considerando os relatos de vida de professores da Escola de Música da UFRN na sua fase de estudantes, esteve-se procurando por esses mecanismos cognitivos e afetivos, os quais considerados na dinâmica do processo de formação das representações, têm peso importante para a formação do conteúdo representacional do sujeito. Para Spink (2013) a análise do discurso segue os seguintes passos:

1. Transcrição da entrevista;

2. Leitura flutuante do material, intercalando a escuta do material gravado com a leitura do material transcrito de modo a afinar a escuta deixando aflorar os temas, atentando para a construção, para a retórica, permitindo que os investimentos afetivos emerjam; 3. Retornar aos objetivos de pesquisa e definir o objeto da representação;

4. Construção de mapas que transcrevem a entrevistas;

5. Transportar essas associações para um gráfico pontuando as relações entre elementos cognitivos, as práticas e os investimentos afetivos. (SPINK, 2013, p. 105-108)

Foram seguidos esses passos na análise que resultaram na Figura 1, abaixo.

Figura 1 – Representações sociais do aluno adulto iniciante de instrumento

5 ECLIPSE E ESTRANHAMENTO

[...] nós não estamos conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se nosso olhar ou nossa percepção estivessem eclipsados [...]. (MOSCOVICI, 2009, p. 30)

Nesse capítulo serão feitas as primeiras análises do material representacional. Esse capítulo tratará dos problemas relacionados à percepção dos objetos da representação e sua relação com os sujeitos formadores das representações.