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Teixeira (2012) chega a se referir a uma “lógica implícita” que associa a educação musical a educação musical para crianças. O que o autor chama de “lógica implícita” é o trataremos aqui como representações sociais a respeito da condição do adulto e da criança enquanto aprendizes iniciantes de música.

Essas representações a respeito do adulto como iniciante, nos parecem intimamente relacionadas com uma representação a respeito de uma “idade certa” para aprender música, acima da qual seria inviável começar o estudo de música. Essa representação aparece muito claramente no texto de Souza (2009), bem como a experiência do pesquisador como estudante e profissional da área:

Quando iniciei meus estudos de violoncelo era habitual escutar por parte de professores e colegas de escola de música, que só seria possível aprender violoncelo

se o indivíduo começasse o seu processo educacional na meninice. À luz dessa forma de pensar, se o aluno não fosse solista até a adolescência seria praticamente inviável se tornar profissional. (SOUZA, 2009, p.12).

Interpretando essas falas sob a teoria das representações sociais, Duarte e Mazzotti (2002, p. 32) nos lembram que:

Os professores, ao atribuírem a qualidade “apropriado ao uso escolar” a determinadas práticas e objetos musicais, partem de critérios para afirmar o que é ser “educado musicalmente” e o que é “musical”. [...] Propor, recusar e redefinir critérios são movimentos que têm caminhado junto com a nossa própria definição enquanto indivíduos e enquanto coletividade.

De fato, é o que os professores frequentemente fazem, de um modo ou de outro, como pode-se observar no texto abaixo:

G&B – Falemos um pouquinho sobre a educação musical instrumental. Qual é a melhor idade para uma criança começar a tocar um instrumento?

PB – É, acho que é como tudo na vida, não tem uma idade padrão pra se começar e depende da criança que está na frente: - se ela demonstra interesse, se ela é capaz de se concentrar, e se tem também quem a assista fora da sala de aula. Por isso uma criança de três anos de idade, por exemplo, que fora da sala de aula não tem quem a assista, não vale a pena, vocês sabem muito bem. Quer dizer, na verdade, na minha época era dito assim: “aprende-se a tocar violino junto com a alfabetização”. No meu tempo era isso. E isso era uma coisa que não era questionada, mas a gente sabe que sempre houve muita gente que começou muito cedo, não só grandes violinistas como Heifetz, mas também violinistas ‘não grandes’ que começaram muito cedo também. Depende muito da situação, do meio. Por outro lado, também, a criança tem que ter uma infância com menos obrigações, mas se ela demonstra vontade e tem quem a assista, até com três anos de idade, não é? Eu acho apenas que quando ela começa muito tarde, as coisas se tornam naturalmente um pouco mais difíceis - não impossíveis, mas um pouco mais difíceis - e acredito que sete anos de idade, oito anos de idade também é uma idade muito boa de uma maneira geral para dizer que se possa começar a estudar violino. (ROMANELLI, ILARI, BOSÍSIO, 2008, p. 10)

Essas representações da “idade certa” também fazem parte do discurso de alunos estudados em trabalhos de outros autores, conforme aparece na revisão no trabalho de Souza (2009, p.59) ao entrevistar a aluna Ana: “[...] Eu falava que era a idade, que tem que começar quando é criança e tudo...”

No entanto, são questões que, embora apareçam nas falas de professores e alunos, é algo passa sem discursão ou mesmo sem que seja percebido, por causa da característica que as representações têm de eclipsar a visão das pessoas, como discutido acima.

Por outro lado, uma vez identificadas essas ideias, ou como trataremos aqui, essas representações, são praticamente palpáveis como objetos de estudo. Como representações

sociais essas ideias se apresentam como estruturas invisíveis que orientam práticas e percepções nos processos de educação musical.

Nesse trabalho, a necessidade de questionar a respeito da percepção de uma idade “boa” para a iniciação musical se deve a pergunta inicial a respeito de “como é percebido um adulto no seu processo de musicalização?”. A revisão da literatura aponta no sentido de uma “naturalização” da educação musical na infância (TEIXEIRA, 2012).

De fato, quando perguntados a respeito de qual seria a melhor idade para a iniciação musical no seu respectivo instrumento segundo sua experiência pessoal todos os colaboradores situaram essa idade na infância, variando conforme adequação de aspectos físicos (tamanho do instrumento em relação ao tamanho da criança, capacidade física-respiratória, etc.), aspectos cognitivos (desenvolvimento da linguagem, compreensão, formação dos sentidos e gostos), e aspectos motivacionais (interesse dos pais e da criança). Abaixo algumas respostas que ilustram esses resultados:

Há, com certeza cedo. A partir dos 8 anos 9 anos, já dá se você tiver um instrumento que seja do tamanho da criança eu acho que é válido. (P1- Entrevista realizada em 2016).

Mas eu acho que música assim, a gente tem que musicalizar as crianças mesmo. [instrumento] inclusive eu acho que é um instrumento que a pessoa pode começar bem cedo. (P1 - Entrevista realizada em 2016).

O ideal, cara seria antes dos dez. Se você pretende viver só daquilo, entendeu? Só de música ... Também eu acho que depende um pouco do objetivo...Se você quer ser um músico de ponta, se destacar você tem que começar o quanto antes. (A2 - Entrevista realizada em 2016).

Eu acredito assim, que quando se tem uma iniciação musical boa assim - não necessariamente no instrumento, mas de música, aspectos musicais como solfejo, por exemplo – dez anos, beleza. (P4 - Entrevista realizada em 2016).

Com o instrumento, eu acho que onze doze anos já dá pra gente ir começando legal. Ai quem vem mais tarde um pouco, se for muito tarte, tipo dezenove, vinte anos é muito complicado. (P4 - Entrevista realizada em 2016).

Eu acho que é... é muito relativo. Mas se eu pudesse escolher, e escolheria que o aluno tivesse já uma iniciação musical com leitura, teoria musical, e ele começasse numa idade – não necessariamente assim... tantos anos – mas numa idade, por exemplo que ele já pudesse pegar um instrumento inteiro. (P5- Entrevista realizada em 2016). Eu sempre achei que instrumento você tem que começar cedo. Mas eu também acho que você devia dar uma experimentada. [...] acho que para começar, uns dez, doze anos dá pra você começar bem [instrumento]. (A3 - Entrevista realizada em 2016). Eu acho que como tudo o que você começa mais novo, você consegue desenvolver melhor. [...] Mas eu percebo que você começar cedo é essencial pra você se desenvolver bem. (A3 - Entrevista realizada em 2016).

Acho que os pais os pais e a criança devem ter vontade, sabe? Ter clima pra isso. Hoje em dia, isso não é minha prática, mas hoje em dia se consegue ensinar crianças muito jovens, crianças quase bebês. Mas pra minha experiência ache que a faixa boa é a partir dos seis, sete anos. Pra minha experiência que eu saberia lidar com a linguagem dessa criança. (P2 - Entrevista realizada em 2016).

Cara essa é uma pergunta difícil pra se responder porque eu não sei, não existe uma receita pra cada pessoa, mas...tem pessoas que acham que de crianças mesmo é a idade pra se começar na música por causa da educação musical, da etapa da musicalização, do contato com a música, da criação do gosto. [...] Por isso muitos defendem que a melhor hora é na infância que você tá passando por esse descobrimento do mundo através do ouvido. (A1 - Entrevista realizada em 2016).

A pergunta “qual a idade que o senhor considera mais adequada a iniciação em seu instrumento?” foi equivalente a se tivéssemos perguntado: “qual a idade que o senhor considera mais cedo para se iniciar ao instrumento?”. Melhor, mais adequado, nesse caso se transforma em um sinônimo de mais cedo. Desse modo temos mais cedo percebido e representado com o mesmo sentido de melhor.

A hipótese a partir de referencial teórico, é que justamente essa seja a representação social compartilhada a respeito da “melhor idade para a iniciação musical” ou “idade mais adequada para a iniciação musical”. Melhor ou mais adequado, nesse caso, remete a representação de mais cedo, mais precoce possível conforme as limitações a serem consideradas (sejam elas de ordem física, cognitiva etc.). O limite para o “mais cedo possível” é regulado pelo critério do professor ou do aluno, conforme sua experiência e seu conhecimento, mas sempre o mais cedo representa o melhor.

Retomando a fala do professor Paulo Bosísio (ROMANELLI, ILARI, BOSÍSIO, 2008, p. 10, grifo do autor): “[...] não tem uma idade padrão para se começar e depende da criança que está na frente [...]”.

Embora não exista um padrão definido a iniciação musical é representada, na literatura e no discurso dos entrevistados, sempre relacionada com a ideia de infância. Musicalização é sempre associada à criança. Daí pode-se notar que a invisibilidade de outros públicos que não a criança, como relação ao processo de musicalização se dá porque no centro dos discursos a respeito de musicalização está a associação à criança e ao período da infância.

Nesse momento lembremos de Sousa (2012) que traz o adulto representado como alguém que parou de crescer, por isso não é visto como alguém que precisa mais estudar. Quando se estabelece o novo paradigma do adulto inacabado (SOUSA, 2012), a prioridade

dessa contínua reconstrução é a adaptação a um mundo continuamente em movimento, no qual o que se aprende na universidade ou na escola já não serve mais “pra vida toda” e o adulto é continuamente exposto a um processo de educação continuada de modo a atualiza-lo conforme as necessidades do mercado. Nesse caso não se trata de necessariamente de aprender coisas novas, mas estar apto e competitivo para exercer a sua função em um mundo em rápido movimento.

Mais recentemente vem surgindo a partir da possibilidade de uma vida ativa e produtiva mais longa (SOUSA, 2012) a realização das atividades complementares que podem também tomar a forma da realização dos sonhos de infância. Alguns trabalhos tratados anteriormente (COSTA, 2004; ALBUQUERQUE, 2011; DIAS, 2014) tendem a categorizar o interesse pela educação musical fora da infância nesse sentido.

Novamente aqui o perigo de uma marginalização do adulto em relação a educação musical e em relação ao que esse adulto pode atingir com essa educação. Uma coisa é esse adulto pensar na música com uma atividade terapêutica, outra coisa é ele ser limitado porque na idade dele a música só pode ser uma atividade terapêutica.

5.4 SOBRE DIFERENÇAS ENTRE CRIANÇAS E ADULTOS NA INICIAÇÃO MUSICAL