• Nenhum resultado encontrado

No estudo preliminar que se deu através do registro de uma atividade com graduandos (vide 3.3) também observou-se que muitas vezes os próprios alunos se encontravam ou passaram por um processo de musicalização em idade adulta4, tinham que conciliar o aprendizado de música com as obrigações e responsabilidades da vida adulta e ao mesmo tempo não enxergavam a si mesmos como alunos adultos de música.

Mais ainda, eles reproduzem representações a respeito do aluno adulto a partir de representações sociais baseadas na popularização da ciência5 que são contrárias à sua própria

experiência. Outro aspecto é que ao refletir a respeito da educação musical para adultos esses alunos se afastam ainda mais de si ao ancorarem o tema à educação musical no contexto das aulas para jovens e adultos em escolas públicas, onde eles não dão aulas, mas tem notícias de colegas que ensinam lá.

A partir daqui, será tratado a análise do material das entrevistas, nas quais percebemos que também o tema é de difícil percepção para os entrevistados que não vivenciaram as dificuldades de uma iniciação musical na idade considerada “boa”.

Para os entrevistados que tiveram a sua iniciação ao instrumento na idade considerada pelos próprios entrevistados como sendo a adequada, ou próxima a que eles consideravam adequada, a percepção de que existe uma distinção para aqueles que começaram seus estudos de música fora dessa idade considerada adequada é eclipsada e a relação entre idade do aluno e a iniciação musical tem uma conotação distante.

No entanto, para outros, em que a sua iniciação se dá fora da idade que os próprios consideram adequada, a relação entre idade, iniciação musical e desenvolvimento é continuamente apontada no seu discurso. Nota-se:

Com que idade você começou a estudar música? P4: Dez anos.

4 Considerando a própria classificação dos alunos como adultos a descreverem a sim mesmos e seus problemas

cotidianos.

5 Na área de estudos da TRS existe uma corrente de pesquisadores, incluindo o próprio Moscovici em seu estudo

clássico a respeito da psicanálise, que estuda os processos sociais pelos quais a ciência e a tecnologia são transformados em senso comum. No exemplo acima o aluno não tinha conhecimento científico a respeito de estudos cognitivos ou motores a respeito do aprendizado de música em adultos, mas compartilhava a representação de que “é cientificamente provado” de que “quanto mais ...é... idade você tem, mais dificuldade você tem de apreender algum conteúdo que você não tenha tido acesso na sua juventude”.

Na sua experiência qual a idade que você considera melhor para a iniciação no seu instrumento?

P4: Olha ...eu considero assim... a partir de dez anos, mas com muito cuidado. Muito cuidado. [...] (Entrevista realizada em 2016, grifo do autor)

De modo contrário, os alunos ou professores que se iniciaram em uma idade percebida como tardia, carregavam nos seus discursos essa percepção e as consequências dessa iniciação tardia:

Qual a idade que você começou a estudar? P1_Eu comecei com 20 anos de idade.

[...] (Sobre a idade melhor para começar o instrumento)

P1:Ah, com certeza cedo. A partir dos 8 anos 9 anos [...] Mas eu acho que música assim, a gente tem que musicalizar as crianças mesmo. [instrumento] inclusive eu acho que é um instrumento que a pessoa pode começar bem cedo.

[...]Eu antes de entrar aqui quando eu comecei, eu ouvi várias vezes que eu não devia...como eu comecei com vinte aos de idade eu devia parar de tocar... e fazer outra coisa... [...] (Entrevista realizada em 2016, grifo do autor).

Nesse caso, a relação entre a idade em que se deu uma iniciação considerada tardia, pelos entrevistados, e as implicações aparecem muito claramente para aqueles que sofreram as consequências dessa iniciação enquanto são diluídas no discurso daqueles que não passaram por essa experiência.

Outros aspectos desse eclipse da percepção e desse estranhamento são mais fortes e evidentes quando aquele que forma a representação não é o aluno nem o professor, mas um membro próximo da família desse aluno mais velho.

Eu queria ter começado a estudar música antes, mas minha família não tem ninguém, nenhum músico, muito menos músico da área erudita. Então meus pais achavam que tocar [instrumento] era coisa que não existia. [...] meus pais tentaram me dissuadir muito também...eles não entenderam quando eu quis largar o meu outro curso e eu mudei de cidade para estudar com esse outro professor da graduação...Não era a cidade em que eu morava, eu morava em [cidade] ele dava aula em [cidade]. E eu cheguei a passar em [cidade em que morava], mas eu falei: ‘não esse professor aqui é melhor e eu quero mudar para estudar com ele’. E ...tive vários problemas...vários problemas...Meu pai parou de me mandar dinheiro...tive que trabalhar...trabalhei de carreto, de técnico de informática, dei aula de inglês, fiz o que deu...e tocava muito em casamento. E por falta dessa cultura...meus pais pra você ter uma ideia não sabiam nem que tinha curso superior de música. Meu tio que é jornalista uma vez veio me perguntar se eu podia fazer faculdade de [instrumento]. (P1 - Entrevista realizada em 2016).

[...] quando eu disse que eu ia estudar música, né, durante aquele ano, enquanto chegava o vestibular, aí foi um Deus nos acuda. Que ‘música é coisa de vagabundo, de preguiçoso’, que eu não ia chegar a lugar nenhum com música que eu fosse fazer algo de futuro, que eu fosse procurar um emprego de vendedora num shopping. Então assim, a família toda caiu em cima. [...] (A3 - Entrevista realizada em 2016).

Nesse último caso, a falta de conhecimento a respeito do tema, aliado às representações negativas com relação ao estudo de música e sua profissionalização, tiveram consequências marcantes nas vidas dos alunos e nas relações familiares daqueles que sofreram essas dificuldades.

Esses exemplos também são interessantes para se notar o quão marcante pode ser esse tipo atitude na vida de um estudante de música e como após isso esse tema pode adquirir um carácter pessoal para aquele aluno em particular, o que pode contribuir para que o tema de musicalização na idade adulta, ou avançada, seja tão evidente para aqueles que sofreram consequências negativas dessa prática.

Nesse caso, essa representação por parte da família também revela representações da música e da educação musical em um contexto mais amplo no qual música “é coisa de vagabundo”, música “não é coisa de futuro”, no sentido de que a música não se enquadra nas categorias usadas pelos os familiares para definir ocupações que possam garantir uma segurança financeira e por não ser categorizada como uma atividade acadêmica. Ou seja, diga de ter investimentos de tempo e dinheiro que possam ser posteriormente convertidos em capitais culturais ou financeiros.