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Do processo colonial rumo à industrialização: as horizontalidades ganham força na formação da sociedade e da

ESQUINAS DO LABIRINTO

3 ACIDADE COMO PODE SER: AS BASES DO PROCESSO TARDIO DE VERTICALIZAÇÃO DE JOINVILLE

3.3 Do processo colonial rumo à industrialização: as horizontalidades ganham força na formação da sociedade e da

cidade

O espírito capitalista do empreendimento colonizador mais a ajuda financeira e política do Governo Imperial Brasileiro, o relacionamento econômico com o centro da economia nacional e com os mercados internacionais, principalmente os mercados da Europa, sempre estiveram presentes na ordem do dia, desde os primeiros tempos da Colônia Dona Francisca. Nesse contexto, a atuação dos diversos agentes urbanos no processo de produção do espaço se fez de modo peculiar, se comparado com as cidades de origem portuguesa contemporâneas.

A diferenciação se manifestava, em especial, no que se refere à ocupação da terra que, inicialmente, era controlada pela Sociedade Colonizadora, até o estabelecimento de um verdadeiro mercado imobiliário, em um período próximo à passagem para o Século XX. Entretanto apesar das condições que limitavam a instalação desse mercado imobiliário, podem ser encontrados em Ficker (1965) e Ternes (2007)registros da ocorrência de operações imobiliárias de caráter especulativo já na primeira fase da colonização.

A evolução econômica desde o período colonial até a consolidação da cidade de Joinville ocorreu segundo um modelo de desenvolvimento semelhante ao ocorrido no Vale do Itajaí com a cidade de Blumenau, ou seja, constituem formações sociais similares. O excedente econômico que deu suporte à industrialização teve sua origem no “complexo formado pelo comércio export-import e o sistema colônia-venda”, controlado pelos imigrantes, como observam Mamigonian (1965), Ficker (1965) e Schneider (1983). Em um primeiro momento, esse movimento foi comandado exclusivamente pelos comerciantes de origem germânica e, em um segundo momento, em conjunto com os empresários luso-brasileiros, que começavam a se instalar na cidade.

O lugar onde se instalaram esses colonos foi de fundamental importância para o desenvolvimento da Colônia Dona Francisca, pois apresentava especial vantagem locacional - uma determinação ambiental

77Cfme. FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1969.

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- em relação aos demais empreendimentos colonizadores contemporâneos. Por estar localizada ao fundo da Baía da Babitonga, que lhe facultava acesso ao porto de São Francisco do Sul e dali para os mercados de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e da Europa, também oferecia as melhores condições de para escoamento da produção do planalto norte catarinense (Rio Negro, São Bento do Sul, Campo Alegre). Essa condição de localização, não se deu por acaso, pois, resultou de um comando externo, inclusive ao Brasil, cujo melhor exemplo foi o acordo de colonização firmado entre a Companhia Colonizadora de Hamburgo de 1849 e o Príncipe de Joinville, que previa o uso de toda a influência do Príncipe junto ao Governo Imperial Brasileiro para conseguir as melhores vantagens para a Colônia (FICKER, 1965). Novamente aqui se manifesta a ação das verticalidades manifestadas por Santos (1996) representadas pela articulação internacional de capitais, que contribuíram para a produção de formas-conteúdo em nível local, que até o presente influenciam o processo de apropriação do território.

Uma análise mais detalhada de Santa Catarina/CEAG/SC (1980) e Rocha (1997) e Ternes (2002) que abordam a de industrialização de Joinville indica que ela esteve fortemente calcada na iniciativa dos empresários, com ascendência germânica, vinculados, direta ou indiretamente com a atividade comercial de importação e exportação ou, ainda, com a representação comercial. Já os empresários de ascendência luso-brasileira, que dominaram a atividade ervateira, dirigiram seus ganhos para a atividade imobiliária, para o aprimoramento cultural dos mesmos e dos seus familiares, transformando boa parte de sua renda em estudos no Rio de Janeiro ou na Europa e em atividades filantrópicas, como a construção do Lar Abdon Batista. Essa dualidade resultou em um processo de diferenciação socioespacial -manifestação da horizontalidade - de tal ordem que deixou marcas indeléveis no uso e ocupação do solo urbano de Joinville, como se verá no item 4.5 mais adiante.

No curso da cronologia do desenvolvimento da cidade de Joinville, o período da Iª Guerra Mundial representa um marco na sua evolução econômica. A partir deste acontecimento, se organizaram as “economias externas catalisadoras da industrialização” (SANTA CATARINA/CEAG/SC, 1980): o ramal ferroviário ligando Rio Negro (PR) a São Francisco do Sul (SC); a construção do porto e do Mercado Municipal, às margens do rio Cachoeira; a instalação de energia elétrica e telefones (SANTA CATARINA/CEAG/SC, 1980; FICKER, 1965; e TERNES, 1981), grande parte delas montadas a partir de capitais

oriundos da atividade ervateira. De outra parte, o volume de capitais investidos no equipamento do território e o “espírito empreendedor local”, permitiu que a crise nas importações de bens e equipamentos, durante a Iª Guerra Mundial, “empurrasse” a indústria local, ainda em estágio de organização, em direção ao processo de substituição de importações.

Da mesma forma, a 2ª Guerra Mundial também desempenhou um importante papel no processo de desenvolvimento e de consolidação da base econômica de Joinville e, consequentemente, na acumulação de significativo excedente de capital. Um segundo processo de substituição de importações, que permitiu à base industrial local se vincular definitivamente ao sistema econômico nacional e até mesmo internacional, como demonstraram Santa Catarina/CEAG/SC (1980) e Rocha (1997).

O fim da 2ª Guerra Mundial também está associado com o início de um período de urbanização intensa tanto da sociedade local (TERNES, 1986 e 1993; SOUZA, 1993), assim como toda sociedade brasileira em consonância com o que ocorria em nível mundial.

A industrialização de Joinville pode ser dividida em três momentos. O primeiro teve sua gênese a partir de estabelecimentos de produção artesanal, que evoluíram como decorrência natural da sua atividade inicial ou ainda que se vincularam à outras atividades, de maneira complementar, principalmente durante o ciclo da erva-mate e da madeira. Essa fase perdurou durante as três primeiras décadas da vida colonial e poucos desses estabelecimentos sobreviveram.

O segundo momento emergiu a partir de iniciativas artesanais e de capitais não ervateiros, como salienta Rocha (1997) oriundos dessa primeira fase e que tiveram a seu favor uma sucessão de períodos depressivos em escala mundial, marcados por duas guerras e crises econômicas. Essas circunstâncias permitiram que as empresas locais enveredassem pelo caminho da substituição das importações, iniciado com a indústria têxtil que, a partir da Iª Guerra Mundial, cedeu a posição hegemônica para o setor metal-mecânico.

O terceiro momento, iniciado na década de 50 e que se estende até os dias atuais, é marcado pela consolidação em nível nacional da indústria joinvilense e a conquista de expressivos mercados internacionais por parte de setores produtivos específicos. No entanto, desde meados da última década do século XX, já se observa uma diminuição da participação da indústria na geração do produto interno bruto da cidade, em favor das atividades do setor terciário, marcada pela prevalência do setor de tecnologia da informação. Essa mudança do

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perfil da base econômica de Joinville está em consonância com a característica do período técnico-científico e informacional vigente na sociedade contemporânea.

O processo de industrialização da cidade afetou de maneira significativa a organização física da cidade de Joinville. Em um primeiro momento, em estreita relação com a estrutura fundiária ainda vinculada à fase colonial. Geralmente localizados no interior dos lotes coloniais de grandes dimensões, os primeiros estabelecimentos fabris cresceram juntamente com a cidade, sendo posteriormente envolvidos pela trama urbana. Assim, a estrutura urbana nos primeiros 50 anos do século XX se apresentava bastante concentrada, apoiada em um pequeno centro comercial, em torno do qual se instalavam grande parte das fontes de emprego, sejam elas comerciais ou industriais.

Desse centro partiam as vias de penetração em direção aos bairros residenciais, cujos traçados remontam aos momentos iniciais do assentamento colonial. Muitas dessas vias ainda conservam seu traçado original, de modo que ainda cumprem essa função nos dias atuais, somente que com pequenas adaptações.

Essa característica do processo de ocupação resultou em uma “coexistência pacífica” entre as funções residenciais e industriais até meados da década de 1960.A partir desta década o crescimento das plantas industriais e o surgimento de novas empresas, produziu um conjunto de deseconomias, relacionadas à intensa circulação de veículos de carga e de trabalhadores, além de desconfortos ambientais causados pelo ruído, vibração e emissão de efluentes. Tais deseconomias fizeram crescer pressões da sociedade e dos próprios empresários sobre a Administração Municipal no sentido de se reservar uma área específica para a instalação das grandes fábricas.

Além dos incômodos gerados pela atividade fabril, os empresários enfrentavam a crescente valorização dos terrenos lindeiros às fábricas, que lhes dificultava a aquisição de áreas para a expansão das atividades. As pressões resultaram que na elaboração dos planos urbanísticos que se seguiram- e que serão discutidos no item 4.6, a seguir -, fossem reservados setores específicos para a localização industrial, seguindo tendências do “moderno” planejamento fortemente influenciado pelos planos europeus, como enfatizaram Zlonicky e Kunzmann (1978).

No entanto, apesar de os Planos Diretores de Joinville terem previsto a implantação de uma área industrial exclusiva (Distrito Industrial) - ela, de fato, somente se concretizou e ainda assim parcialmente, em fins da década de 70. Atualmente as indústrias

apresentam um padrão de localização espacial concentrado, formando dois núcleos, um na área central e outro na parte norte da cidade. Contudo, a malha urbana ainda é permeada pela presença de um grande número de pequenos e médios estabelecimentos industriais, desde que não ultrapassem a área construída máxima de 5 mil metros quadrados.

A industrialização através de suas demandas de força de trabalho e de espaço promoveu alterações estruturais na população (tamanho, composição e distribuição) e na configuração do espaço urbano de Joinville. Para dar a dimensão dessas alterações o próximo item traz um perfil evolutivo dos aspectos demográficos que permitem delinear um quadro sintético de alguns aspectos que marcam a formação social a cidade de Joinville.