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Processo gestionário democrático e o binômio teoria/prática

MECANISMOS DE PROVIMENTO DE DIREÇÃO ESCOLAR NOS SISTEMAS DE ENSINO DOS ESTADOS, DO DF E DAS CAPITAIS, POR REGIÃO DO BRASIL 1996 A 1998.

1.1.7.2 A década de 1990 e os pensadores da gestão democrática

1.1.7.2.2 Processo gestionário democrático e o binômio teoria/prática

Ainda na década de 1990, são inúmeros os autores que colocam ênfase na gestão democrática da escola. Dentre eles, destacam-se Guiomar Namo de Mello e Paulo Freire, pois, além de educadores e pesquisadores, puderam atuar como secretários municipais da educação de São Paulo e assim experienciarem o binômio teoria/prática no processo gestionário.

Guiomar Namo de Mello atuou como Secretária Municipal da Educação na Administração do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de Mário Covas (1983-1985) e sugere verdadeira revolução copernicana8, quando propõe colocar a escola – e não mais o governo, a secretaria de educação, os professores, ou mesmo os estudantes e suas famílias – na liderança da atividade educacional. Considera que descentralização e autonomia, apregoadas enfaticamente no atual momento histórico, não devem se vincular apenas à transferência de responsabilidades, mas à atuação descentralizada do processo educacional no que diz respeito a currículos, a orientação pedagógica, a seleção ou demissão de professores, a recursos financeiros e, essencialmente, a sua direção.

8 A revolução copernicana, conforme Mello (1997), coloca a instituição escola no centro das preocupações

educacionais. Nos países em desenvolvimento, esta revolução apenas se inicia, porém, nos países capitalistas centrais está em processo acelerado e mudando significativamente as formas de pensar e de efetuar a gestão dos sistemas de ensino.

Tendo em conta a autonomia proposta, para não se correr o risco do mau uso dos recursos nas escolas, alguns mecanismos são sugeridos: avaliação constante e com critérios bem definidos, divulgação dos resultados a todos os envolvidos e estímulo à participação e colaboração coletiva.

Também é enfatizada a importância de se priorizar a função “ensino” na escola, focando a gestão pedagógica. Segundo a autora, esta necessita de apoio e ampla investigação educacional, a fim de indicar caminhos que realmente transformem a sala de aula. Além disso, sugere prioridade na discussão educacional mais desafiadora que se coloca diante da sociedade no momento atual: a questão do fracasso escolar na escola fundamental.

Assim, a autora/administradora investe na concepção da construção de uma identidade institucional, com o fortalecimento da unidade escolar por meio da descentralização. Esta, de imediato, propicia iniciativa e autonomia de decisão, mediante interação impulsionada pela dinâmica de funcionamento interno, de equipe capacitada para definir proposta pedagógica com objetivos assumidos por todos e com responsabilidades compartilhadas.

Como extensão dessa proposta, ocorreria o uso eficiente dos recursos financeiros, humanos e pedagógicos, a capacitação continuada de professores, as mudanças curriculares e metodológicas, o melhor uso de equipamentos e materiais de ensino e, conseqüentemente, a produção de melhores resultados. Porém, nestas circunstâncias, a escola também verá, deslocada para si, a responsabilização pelos resultados da aprendizagem dos seus alunos.

Segundo Mello,

O entendimento da escola como o centro fortalecido do sistema, e não mais sua periferia debilitada, requer que ela seja entendida, no seu conjunto, como uma unidade de capacitação. Nesse enfoque a qualificação da gestão se caracteriza por um processo de diagnóstico, avaliação e definição de objetivos de desenvolvimento institucional que deve envolver toda a equipe (1997, p.96).

Nesse sentindo, para serem definidos objetivos compatíveis com a realidade de cada escola, todos os profissionais deveriam compartilhar do conhecimento das condições existentes, dos problemas a serem solucionados, dos recursos disponíveis, dos diversos

fatores que podem interagir na qualidade dos serviços prestados e, por fim, assumirem coletivamente a busca destes objetivos. Esse processo exige amadurecimento e aprendizagem. Não se efetiva a curto prazo, pois exige tempo para que a equipe consolide sua proposta de trabalho, identifique falhas e promova os ajustes necessários.

Para a autora, também a função do diretor da escola deveria ser fortalecida. Dentre outros fatores, seu conhecimento técnico e sua autoconfiança constituirão ponto de partida para uma liderança democrática e responsável. “Estrategicamente, é pela função do diretor que será mais provável ter sucesso para induzir a escola como um todo a engajar-se num processo de construção de identidade institucional que resulte num projeto de trabalho compartilhado” (MELLO, 1997, p.97).

Nessa prática de trabalho compartilhado e co-responsabilização, a existência dos colegiados ou conselhos de escola, com poder para deliberar, será fator imprescindível para dar forma à gestão democrática requerida pela Constituição.

Outrossim, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) venceu as eleições municipais de São Paulo, a 15 de novembro de 1988, a prefeita Luiza Erundina, nomeou o educador Paulo Freire para dirigir a Secretaria Municipal de Educação. Para Gadotti (in: FREIRE, 1999), a obra deste educador tem suscitado múltiplas polêmicas, convidando à experimentação educativa e à inovação. E, devido à atuação como secretário, foi possível para Freire incluir em sua biografia, uma etapa como tomador de decisões, como administrador. Nas palavras de Gadotti e Torres (in: FREIRE, 1999, p.13) sobre esse período: “Freire não passou tanto tempo refletindo teoricamente sobre o poder ou teorizando sobre a politicidade da educação, mas exercendo o poder – se bem que delimitado ou fragmentado - mas poder educativo, enfim”.

Não foi uma experiência fácil para o educador Freire. Conforme relatado por ele próprio (1999, p.23), a rede municipal de São Paulo contava, no início de seu mandato, com 700 escolas, servindo a 720.000 alunos da educação infantil e fundamental, muitas em estado de conservação bastante precário e com baixa qualidade de ensino. Constituía grande desafio a administração de pessoal, pois, dentre professores, administradores e funcionários de apoio, totalizavam-se 39.614, representando 30% dos servidores públicos da cidade de São Paulo. Cerca de 50 escolas se apresentavam em estado de conservação deplorável: teto caindo, pisos afundando, instalações elétricas provocando risco de vida,

quinze mil conjuntos de carteiras escolares arrebentadas, um sem-número de escolas sem uma carteira escolar sequer.

Apesar do desafio, Freire assim se pronunciou:

Assumir a Secretaria da Educação da cidade de São Paulo, ao lado do grande desafio e responsabilidade que isto representa, é para mim, sem dúvida, o momento de buscar pôr em prática um conjunto de propostas com que há muito venho sonhando e sobre o que venho escrevendo e discutindo (1999, p.96).

Freire se referia não só aos aspectos físicos, mas à necessidade de “mudar a cara da escola”, justificando que o modelo que predominava expulsava os alunos – o que comumente se denominava de “evasão escolar” – e ainda reproduzia as marcas do autoritarismo nas relações dos educadores com os alunos e no impedimento da entrada dos pais e da comunidade na escola. Mudar tudo isso não era simples e exclusivo trabalho técnico ou administrativo, mas uma conquista que requereria prazos. Para ele, essa escola não nasceria de puro decreto publicado em Diário Oficial, mas implicaria em trabalho profundo e sério com os educadores. Esse trabalho estaria ligado à questão ideológica, ao assumir compromisso, à qualificação dos profissionais e, apesar de enfrentar grandes desafios, Freire os encarava como barreiras ou obstáculos transponíveis.

De acordo com o primeiro documento elaborado pela administração Freire (1989 a 1991) e publicado no Diário Oficial do Município de São Paulo em 1º de fevereiro de 1989, foram definidos os eixos diretores dessa proposta de escola pública popular:

A qualidade dessa escola deverá ser medida não apenas pela quantidade de conteúdos transmitidos e assimilados, mas igualmente pela solidariedade de classe que tiver construído, pela possibilidade que todos os usuários da escola – incluindo pais e comunidade – tiverem de utilizá-la como um espaço para elaboração de sua cultura. [...] Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta suas necessidades e o torne instrumento de luta possibilitando-lhe transformar- se em sujeito de sua própria história.

Entregou à educadora Ana Maria Saul, da Pontifícia Universidade Católica – PUC, uma das mais experientes especialistas brasileiras em “Teoria do Currículo”, a incumbência da reformulação do currículo nas escolas, mas tornou clara sua concepção sobre a questão:

A reformulação do currículo não pode ser feita, elaborada, pensada por uma dúzia de iluminados para ser executada de acordo com as instruções e guias igualmente elaborados por iluminados. A reformulação do currículo é sempre um processo político-pedagógico e, para nós, substantivamente democrático (1999, p.24).

Para Gadotti, a administração de Freire em São Paulo foi marcada por quatro objetivos:

1) ampliar o acesso e a permanência dos setores populares – virtuais

únicos usuários da educação pública;

2) democratizar o poder pedagógico e educativo para que todos, alunos,

funcionários, professores, técnicos educativos, pais de família, se vinculem num planejamento autogestionado, aceitando as tensões e contradições sempre presentes em todo esforço participativo, porém buscando uma substantividade democrática;

3) incrementar a qualidade da educação, mediante a construção coletiva

de um currículo interdisciplinar e a formação permanente do pessoal docente;

4) eliminar o analfabetismo de jovens e adultos em São Paulo (in:

FREIRE, 1999, p.14).

A administração de Freire chegou determinada a implementar a fundo os Conselhos de Escola. Mesmo em partido político distinto, ao analisar seu próprio trabalho, reconhece a importância do governo de Mário Covas em relação às várias medidas tomadas por este no sentido de democratizar a escola. Mas, o principal ponto foi justamente a implantação dos Conselhos de Escola com caráter deliberativo, instalados em 1985, na gestão da secretária municipal Guiomar Namo de Mello, poucos dias antes do término do seu governo e evidentemente sem tempo hábil de colocá-los em prática. Lembra que os mesmos foram simplesmente arquivados pela administração de Jânio Quadros, e posteriormente desarquivados no início da gestão da prefeita Erundina.

Procurava-se, assim, tornar realidade a idéia de representatividade, participação e promoção não só do desenvolvimento e do acompanhamento dos Conselhos de Escola, mas

também dos Grêmios Estudantis. Assim, restabelecendo esses órgãos, contribuiu para que decisão de projetos pedagógicos próprios acontecessem no seio de cada unidade escolar. Vale lembrar que desde o início dos trabalhos de Freire em Recife no início da década de 1960, os conselhos eram por ele bastante valorizados. Na época, esses instrumentos de participação da comunidade não se denominavam especificamente “Conselhos de Escola”, mas “Círculos de Pais e Professores”.

A expectativa em relação aos conselhos populares, assembléias, ou plenárias pedagógicas, era a de que acontecesse, em nível profundo, a real participação da comunidade de pais e de representantes de movimentos populares na vida das escolas. Essas iniciativas poderiam representar um salto extraordinário nas possibilidades de atuação dos pais, dos alunos, dos professores e dos movimentos populares, frente ao poder central do diretor. Conclui-se, portanto, que Freire não compactuava com a crença de que às “massas” restava a apatia, ou ainda que pudessem se sentir satisfeitas ou confortáveis com a ausência de participação, nem tampouco com a tendência das instituições em se transformarem em oligarquias, já que acreditava, proclamava e procurava envolver a comunidade numa real e profunda participação.

Destacam-se ainda os seguintes objetivos desta administração: a proposição de ampla reforma curricular que trabalharia em torno de tema gerador em perspectiva interdisciplinar, paralelamente à capacitação permanente dos educadores; o enfoque na autonomia, possibilitando a descentralização do orçamento para as escolas, ampliando o adiantamento direto de recursos que pudessem ser gerenciados pelas próprias escolas; o estímulo à autonomia pedagógica das escolas, permitindo que elas mesmas elaborassem os seus planos de trabalho e apresentassem projetos que melhorassem a qualidade; o desenvolvimento de programas de formação permanente de pessoal; o estímulo e a criação de movimentos de alfabetização de jovens e adultos; a implementação da participação em trabalhos intersecretariais, garantindo ação integrada das diferentes secretarias. Assim, muitos instrumentos e políticas foram implantados, o que resultou na construção de um modelo político-pedagógico inspirado pela noção de escola pública popular.

Para Freire, um dos grandes objetivos de sua administração foi a transformação radical da máquina burocrática, alcançada por meio de postura progressista que aniquilou e emudeceu os entraves anteriormente característicos. A proposta agiu no sentido de recusar

o autoritarismo tanto quanto a licenciosidade e a manipulação tanto quanto o espontaneísmo. E acrescenta:

É preciso que o administrador aceite o dever de intervir, de liderar, de suscitar agindo sempre com autoridade, mas sempre também com respeito à liberdade dos outros, à sua dignidade. Não há para nós forma mais adequada e efetiva de conduzir o nosso projeto de educação do que a democrática, do que o diálogo aberto, corajoso (1999, p.44).

Freire afirma não ser fácil perfilar o educador progressista ou o reacionário sem correr o risco de cair em simplismos. Situa-se entre os educadores e educadoras progressistas do Brasil e isso significa lucidamente trabalhar em favor da escola pública, da melhoria de seus padrões de ensino, em defesa da dignidade dos docentes e de sua formação permanente.

O papel de um educador conscientemente progressista é testemunhar a seus alunos, constantemente sua competência, amorosidade, sua clareza política, a coerência entre o que diz e o que faz, sua tolerância, isto é, sua capacidade de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a crítica, a curiosidade, a pergunta, o gosto do risco, a aventura de criar (1999, p.54).

Assim, cabe aos administradores instigar professores e alunos, acreditar e investir na melhoria da escola pública da qual fazem parte. Vale ressaltar com as palavras do próprio Freire (1999, p.72) “A ideologia autoritária e elitista que nos marca e sufoca é um obstáculo fortíssimo a qualquer esforço de educação democrática em favor das classes populares”. E uma educação a favor das classes populares não pode deixar de envolvê-las neste processo.

Com a mudança estrutural realizada em sua gestão, Freire avaliou que o secretário perdeu cerca de 60% do poder arbitrário que tinha. As bases e a autonomia da escola foram fortalecidas, com a transferência para esta instituição de inúmeros atos anteriormente monopolizados pelo secretário:

Eu não podia mais nomear nem uma secretária de escola. Vinham as indicações das bases. Se não se arrebentar com aquele gosto colonial de administrar - em que cabia ao secretário dispensar até a professora que

perdeu aula no mês de setembro do ano anterior -, não se pode falar na

autonomia da escola (FREIRE, 1993, p. 8).

Fica evidente que o aspecto autonomia foi exatamente o mais incisivo do seu governo.

Gadotti detalha e destaca três frentes de atuação desta gestão: o programa de formação permanente, o programa de alfabetização de jovens e adultos e a prática da interdisciplinaridade.

O programa de formação permanente do professor do magistério foi orientado por alguns princípios e eixos básicos, dentre os quais se sobressaem:

O educador é o sujeito da sua prática, cumprindo a ele criá-la e recriá-la através da reflexão sobre o seu cotidiano; a formação do educador deve ser permanente e sistematizada, porque a prática se faz e refaz; a prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do conhecimento, ou seja, de como se dá o processo de conhecer; o programa de formação dos educadores é condição para o processo de reorientação curricular da esco a (GADOTTI, 2005).

Freire estava empenhado em propiciar melhor formação para os professores e insistia em que se portassem com nova postura pedagógica. Procurou pôr à prova doutrinas que há tanto defendia, como, por exemplo: a paciência pedagógica, as decisões políticas, a competência técnica, a amorosidade e o exercício da democracia.

No programa de alfabetização de jovens e adultos, a Secretaria se aliou a movimentos sociais e populares e propôs o Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo (MOVA-SP). Com a finalidade de implementar o movimento, foram criados os “Fóruns dos movimentos populares de alfabetização de adultos da cidade de São Paulo”. Nesse programa, a prefeitura dividia com as entidades conveniadas as despesas e oferecia os recursos técnicos. As entidades conveniadas criavam núcleos de alfabetização e assumiam o pagamento dos professores e dos supervisores, além de locação de salas e de material didático.

A possibilidade de fortalecimento dos movimentos populares e de parcerias entre a sociedade civil e o Estado, por meio de iniciativas como essa, fez com que o movimento tivesse grande repercussão não apenas no município de São Paulo, mas em outros estados.

A própria administração de Freire, entretanto, reconheceu que houve também discensos e conflitos, porém, ponderou que estes são imprescindíveis em um processo democrático.

Segundo assessores de Freire, o MOVA não teve caráter de campanha, como outros projetos implantados anteriormente no Brasil. Também não impôs um método único de trabalho e tampouco priorizou o costumeiramente chamado de “método Paulo Freire”. Apesar de não ter sido preceituado método específico, prevaleceu a concepção libertadora que evidenciava o papel da educação na construção de um projeto histórico. Os princípios que o fundamentaram foram os de considerar o homem como sujeito do conhecimento, atando a alfabetização à experiência e a processos afetivos e sociais e não apenas a aspectos técnicos, lógicos ou intelectuais. Para a administração em questão, essa premissa era essencial, pois como sempre apregoou, Freire acreditava que a alfabetização reduzida a um conhecimento intelectual não poderia oportunizar a formação da consciência crítica, tampouco o fortalecimento do poder popular e de suas possibilidades de organizações. Por isso, teve sempre forte vinculação com a formação da cidadania e preocupação com um caráter que levasse a maior autonomia intelectual e à possibilidade de formar multiplicadores para ações solidárias.

Outro destaque da administração de Freire que também vincula a experiência vivida à prática concreta no grupo e uma educação popular informal a uma reconceituação da teoria foi a interdisciplinaridade. Para Gadotti, a interdisciplinaridade deve:

Articular saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade, meio- ambiente, etc., é o objetivo da interdisciplinaridade que se traduz na prática por um trabalho coletivo e solidário na organização do trabalho na escola. Não há interdisciplinaridade sem descentralização do poder, portanto, sem uma efetiva autonomia da escola (2005, p. 21).

Dessa forma a escola poderá contribuir para a formação do sujeito social, capaz de pensar, agir e criar. Só assim, essa instituição conseguirá elaborar programas compatíveis com as necessidades de sua clientela, com as experiências cotidianas voltadas para uma visão de conjunto que possam resultar em transformação de vida e de vivência da realidade e promover a libertação das amarras de uma escola fragmentária e tradicional.

Ana Maria Freire, segunda esposa de Paulo Freire, em “A Voz da Esposa: A trajetória de Paulo Freire”, avalia o percurso do educador a partir de 1º de janeiro de 1989

quando foi empossado como Secretário da Educação do Município de São Paulo. Para ela, a gestão de Freire foi altamente democrática e ele deu provas de que o trabalho com colegiados e o entendimento mútuo promove a responsabilidade coletiva e a reinvenção do ato de educar com eficiência e adequação. A atuação de Freire, juntamente com sua equipe, foi marcada pelo exercício que transitou entre as necessidades da comunidade e as decisões políticas emanadas de sua própria teoria e de suas práticas de educador pelo mundo.

Na avaliação de Ana Maria, ele realizou um trabalho profícuo, de mudanças nas escolas municipais de São Paulo:

Reformou as escolas entregando-as às comunidades locais dotadas de todas as condições para o pleno exercício das atividades pedagógicas. Reformulou o currículo escolar para adequá-lo também às crianças das classes populares e procurou capacitar melhor o professorado em regime de formação permanente. Não esqueceu de incluir o pessoal instrumental da escola como agente educativo formando-o para desempenhar adequadamente tal tarefa. Eram os vigias, as merendeiras, as faxineiras, os (as) secretários (as) que, ao lado de diretores (as) , professores (as), alunos (as), e pais de alunos, faziam do ato de educar um ato de conhecimento, elaborado em cooperação a partir das necessidades socialmente sentidas (FREIRE, 2006, p. 18).

Sólon Borges dos Reis, secretário da educação de gestão posterior à administração do PT em São Paulo, foi um dos críticos à administração de Freire. Quando anunciou a desativação do MOVA esclareceu que o fazia, pois acreditava que este projeto apresentava objetivos políticos e ideológicos. Em pronunciamento, referindo-se à política de autonomia e de participação da escola que estavam associadas à pedagogia libertadora de Paulo Freire, enfatizou: “os valores da administração do PT não eram os valores que sua administração queria para a educação” (FREIRE; GADOTTI, 1993), e que ele priorizaria a pedagogia para a responsabilidade, além de se posicionar também a favor da neutralidade pedagógica na escola. Freire destacou que o professor Sólon teria o dever de procurar afirmar sua gestão de secretário na posição e na opção político-ideológica dele próprio, do governo do