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Repensando os Conselhos de Escolas

CAPÍTULO 2 DIRETOR DE ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

2.4 O PAPEL DOS CONSELHOS NAS PRÁTICAS DEMOCRÁTICAS

2.4.1 Repensando os Conselhos de Escolas

Nos Conselhos se delibera. Ao tratar dos Conselhos e do sentido da expressão deliberar, Cury (2001, p.48) observa: “Deliberar implica a tomada de uma decisão, precedida de uma análise e de um debate que, por sua vez, implica a publicidade dos atos na audiência e na visibilidade dos mesmos”.

A participação nos Conselhos implica em atenção ao que é de interesse coletivo. Requer análise minuciosa e transparente em debate público, rico em argumentações e manifestações de possibilidades por parte dos envolvidos, a fim de que resulte, como conseqüência, na melhor decisão para a maioria dos envolvidos.

Esta participação nos Conselhos ou em outros órgãos das escolas, evidentemente, demanda aprendizado e convivência participativa dos seus elementos nas relações que se estabelecem no dia-a-dia. Se os alunos falam desordenadamente, possivelmente não desenvolverão a disciplina e o respeito de ouvir o outro. Se apenas ouvem, dificilmente adquirirão a fala arguitiva. Se somente são avaliados, não desenvolverão competências que possibilitem avaliar. Se só trabalham no âmbito individual, de forma fragmentada, multifacetada, dificilmente transporão para uma organização coletiva, no modo de agir e pensar. Se apenas obedecem ordens e cumprem regras pré-estabelecidas, das quais não participaram na elaboração, não apresentarão espírito autônomo, emancipado e criativo

A escola educa quando organiza seus espaços, mediante a disposição das salas, carteiras e dos locais para os intervalos e a disponibilização da quadra, dos laboratórios ou dos seus equipamentos.

A escola também educa quando organiza o seu tempo. De início, pode-se ressaltar a importância da elaboração do “calendário escolar”, que é um documento que visa organizar todo o ano de trabalho. Este calendário começa a ser delimitado pelas imposições legais e é, em seguida, estruturado pelas Diretorias de Ensino e posteriormente enviado às escolas, como sugestão. Considerando as férias de alunos e professores no mês de janeiro, o procedimento, em geral, é tarefa exclusiva do diretor. E, constituindo-se em um dos mais importantes documentos de organização do tempo da escola, torna-se necessário ressaltar que sua elaboração individual e hierarquizada não propicia

aprendizado ou possibilidade de alavancar os interesses do alunado. O corpo discente também fica excluído da possibilidade de opinar sobre o calendário de reuniões, provas e horário das aulas, os quais lhe são, normalmente, apenas comunicados.

Para Ciseski e Romão,

Querendo ou não, a prática cotidiana, os atos do dia-a-dia, contribuem para reforçar ou superar determinadas formas de agir e pensar que poderão contribuir para superar determinado tipo de sociedade. É necessário que os educadores tenham consciência de sua prática e saibam a serviço de que

sociedade ela está (1997, p.66).

Nesta perspectiva, os atos cotidianos precisam conduzir para o aprendizado da participação nas decisões. O ser humano demanda estar imbricado nos processos ativos para que realmente se caracterize uma participação significativa. Sua participação evidentemente deverá estar articulada a um projeto que lhe é intrínseco, extremamente peculiar e que represente também o seu projeto de vida. Neste sentido, o Conselho de Escola se configura como instrumento para que esta meta seja alcançada, já que é órgão colegiado que conta com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar.

Em relação a este órgão, pequenas, mas progressivas melhorias nas formas de participação, têm-se implantado nas escolas. Dois aspectos podem ser observados a partir da transcrição de Freire em relação a trabalho de uma de suas alunas que, em entrevista, formulou a seguinte questão para mães de alunos de escolas municipais:

−Você acha importante o Conselho de Escola? Por quê? “Sim, respondeu a

mãe indagada. É bom porque em parte a comunidade pode saber como a escola é por dentro. O que é feito com nossos filhos, a utilização do dinheiro. Só entrávamos na escola para saber das notas e reclamações dos filhos. Era só para isso que, antigamente, os pais eram chamados – ou para trazer para as festas um prato de quitute”.

“Com a chegada do Conselho se abre um espaço para o pai”, continua ela, “ao entrar na escola, começa a conhecer a escola por dentro. Através do Conselho conseguimos almoço para o Segundo Período, porque, pelo horário, as crianças não almoçam em casa”.

“Não foram poucas, porém, as resistências que enfrentamos por parte de Diretoras, de Coordenadoras Pedagógicas, de Professoras, ‘hospedando’ nelas a ideologia autoritária colonial, elitista - “Que isso? Indagavam às vezes, entre surpresas e feridas, será que vamos ter que aturar palpites e críticas dessa gente ignorante, que nada sabe de Pedagogia?” (2001, p.76).

O primeiro aspecto traduz o crescimento de nova mentalidade participativa dos pais, menos voltada para a função tarefeira concedida ou solicitada pelas administrações escolares e mais voltada para o engajamento político, para a intencionalidade pedagógica.

O segundo deixa visível a ideologia, além do ranço autoritário que continuam presentes nas escolas e funcionam como impedimentos para que se estabeleça o diálogo com as classes populares. São fatores que impossibilitam que os educadores das escolas reconheçam nos educadores primeiros, que são os pais, a grande contribuição que podem oferecer para o crescimento da escola. Na troca, esta contribuição poderia se reverter às famílias, que lucrariam muito em aproveitar do conhecimento dos educadores para aprimorar a educação dos filhos em casa.

“É que, para os autoritários, a democracia se deteriora quando as classes populares estão ficando demasiado presentes nas escolas, nas ruas, nas praças públicas, denunciando a feiúra do mundo e anunciando um mundo mais bonito” (FREIRE, 2001, p.77). As escolas poderiam ganhar o colorido da participação das classes populares, possibilitando ganho incalculável nesse intercâmbio educativo.

Paro, no entanto, faz algumas ressalvas em relação ao papel dos Conselhos de Escolas, quando afirma que, em muitos sistemas de ensino do país, estes órgãos dependem da vontade política do diretor de escola:

Embora, em termos legais, esse colegiado seja deliberativo e se coloque ao lado do diretor, fazendo parte (supostamente) da direção, o diretor de escola, premido pelas circunstâncias, fazendo uso de sua autoridade como responsável último pela unidade escolar e diante da insuficiente pressão por participação da parte dos demais setores da escola, acaba por ‘montar’ ele próprio um conselho apenas formal e inoperante, que só decide questões marginais e sem importância significativa para os destinos da escola, ficando o diretor sozinho para tomar as decisões, já que sabe ser ele quem arcará com as responsabilidades (2001, p.102).

Dessa forma, torna-se claro não ser suficiente que a legislação institua e garanta amplos poderes aos órgãos colegiados, se os poderes plenos continuarem concentrados na figura do diretor.

2.4.2 A constituição

O Conselho de Escola é um órgão de natureza colegiada formado por representantes de todos os segmentos da unidade escolar, eleitos pelos seus pares: pais, alunos, professores e funcionários. O único elemento que não é eleito pelos pares, por se constituir membro nato, é o diretor de escola.

Todos os membros do Conselho de Escola eleitos por seus pares têm direito a voz e voto. Porém, apresenta direito a voz qualquer membro que, apesar de não eleito pelos pares, pertença à comunidade escolar, isto é, trabalhe, estude, possua filhos, faça parte de movimentos organizados da região a que a escola pertença e que deseje voluntariamente ou seja convidado a participar das reuniões. Assim, poderão participar das reuniões, com direito a voz e não a voto, os profissionais de outras Secretarias que atendam às escolas, representantes de Entidades conveniadas, Grêmio Estudantil, membros da comunidade, Movimentos Populares organizados e Entidades Sindicais.

Esse é o pressuposto básico para uma gestão democrática, já que esse tipo de representação viabilizaria a participação de todos os segmentos da unidade escolar em aspectos administrativos, financeiros e pedagógicos da escola.

A composição do Conselho de Escola é variável para cada região, apresentando caráter paritário em sua maioria, isto é, o mesmo número de participantes por segmento. Em alguns sistemas, no entanto, não existe essa correspondência e não são respeitados os princípios de paridade e da proporcionalidade.

O processo de escolha dos membros, a eleição dos representantes dos segmentos da comunidade escolar que integrarão o Conselho de Escola, bem como a dos respectivos suplentes, realiza-se na unidade escolar por votação direta, secreta e facultativa.

No tocante aos critérios de participação, os representantes dos alunos da 4ª série, ou com mais de 10 anos, terão sempre direito a voz e voto, salvo nos assuntos que, por força legal, sejam restritivos aos que estiverem no gozo da capacidade civil.

Os membros eleitos para o Conselho de Escola têm o direito a mandato de um ano, com direito à recondução.

2.4.3 Funções

Em relação às funções, os Conselhos de Escola podem ser prioritariamente consultivos ou deliberativos.

Em sua função consultiva, conforme o próprio nome sugere, o Conselho é apenas consultado em relação às ocorrências da escola e sugere soluções que podem ou não ser acatadas pela direção da escola. Nesse sentido, cabem ao Conselho funções como acompanhar, analisar, apreciar, assessorar, avaliar, discutir, opinar e propor.

Em sua função deliberativa, os Conselhos têm maiores força e poder na escola, já que lhes competem decisões e definições significativamente mais autônomas. Nos Conselhos que também apresentam natureza deliberativa, além de consultiva, os verbos apontam para ações como: definir, elaborar, aprovar, decidir, indicar, garantir, arbitrar, eleger, deliberar, etc.

Para Ciseski e Romão (1997), analisar questões tão relevantes apenas sob o prisma semântico, desvinculadas do contexto, não traduz suficientemente a diferença real entre trabalhar com um Conselho de natureza consultiva e outro de natureza deliberativa, pois há, na prática, diferença fundamental entre decidir ou simplesmente opinar sobre as questões ou problemas.

No contexto de trabalho com colegiados, as “decisões na escola” requerem atenção especial. A palavra decisão, do latim decisione, significa resolução, determinação, sentença, julgamento. É um processo de escolha entre decisões possíveis. Para Ferreira,

É um processo dinâmico e contínuo referente a um sujeito (individual ou coletivo) no qual o sujeito que decide interage com o problema – para o qual é necessária a decisão – e o seu contexto, encontrando ou tentando encontrar várias soluções alternativas, escolhendo uma delas fundada em determinados critérios (2001, p. 310 ).

No caso específico dos Conselhos, a decisão colegiada assume conotação especial, por ser escolha coletiva. Além da riqueza de conteúdos e fundamentos pelo exame criterioso e pela análise multifacetada, a decisão é um gérmen promissor, pelo simples fato de que, sendo escolhida por todos, também por todos será assumida.

Sob tal perspectiva, é evidente que mais significativo do que, em uma participação colegiada, não só se discuta, questione e opine, mas, principalmente, que se arbitre sobre as questões. Torna-se desanimador para os representantes dos segmentos escolares assumirem papel exclusivamente consultivo e perceberem essa prática como retórica momentânea para dissimular um sistema apensas camuflado de democrático.

Ciseski e Romão (1997) fazem analogia interessante entre o funcionamento dos Conselhos de Escola e as instâncias do poder Legislativo e Judiciário. Da mesma forma que o Poder Legislativo cria as leis e o Judiciário as executa, julgando e garantindo o seu cumprimento, no Conselho de Escola, os partícipes, considerando o grau de autonomia e as limitações legais, podem tomar decisões sobre a vida escolar e, assemelhando-se ao poder Legislativo, criar normas de funcionamento, além de acompanhar sua execução por parte da direção, assim como faz o Poder Judiciário. Caberá, então, à Direção da Escola, executar, com o devido acompanhamento do Conselho, as decisões apreciadas e opinadas e as propostas de ações decididas coletivamente por este órgão que, evidentemente, cuidará de aspectos de natureza pedagógica, administrativa e financeira.