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A RELEVÂNCIA DO GRÊMIO ESTUDANTIL NOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO

CAPÍTULO 2 DIRETOR DE ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

2.3 A RELEVÂNCIA DO GRÊMIO ESTUDANTIL NOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO

A existência do Grêmio Estudantil é assegurada pela Lei Federal nº. 7398 de 04/11/85 (BRASIL, 1985), que garante aos alunos o direito incontestável de fundarem e manterem esta organização em sua escola. É um órgão composto somente de estudantes, por meio de diretoria eleita também por este segmento e que deveria se preocupar em tornar realidade as aspirações de seus pares, isto é, de todos aqueles que representam na escola. Por isso, entre seus objetivos mais precípuos estão a possibilidade de congregar e representar os colegas, defender os direitos e os interesses dos mesmos, cooperar para melhorar a escola e a qualidade do ensino, incentivar e promover atividades educacionais, culturais, cívicas, desportivas, sociais, defender e lutar pela democracia, respeitando as liberdades fundamentais do homem, sem preconceitos.

A abordagem efetuada por esta pesquisadora nas escolas públicas estaduais constatou que praticamente é unânime a afirmação tanto de educadores quanto de alunos de que o processo de eleições do Grêmio é bastante concorrido e animado. Os mesmos entrevistados salientam, contudo, que, passada a empolgação inicial, os alunos se acomodam motivados por vários fatores, constituindo-se como o principal deles a falta de apoio e de acompanhamento de seus educadores, incluindo professores, funcionários, diretores e comunidade pertencente à escola.

Quando questionados sobre o papel do Grêmio Estudantil, verifica-se que, em geral, os alunos têm consciência da função deste órgão como representante dos seus interesses e da busca por melhorias no ensino. Porém, constaram muito incisivamente na avaliação da maioria dos alunos das escolas, sobre o papel do Grêmio expressões como: “sair da classe para perder aulas e não fazer nada”, “falar que vai fazer, mas nunca faz”, “não promover nenhum campeonato, nunca fazer nada”, “o objetivo seria falar pelos alunos, mas eles falam por eles”. Muitos alunos ainda, principalmente os que já tiveram a experiência de serem componentes do Grêmio, como o A57, criticam a direção, argumentando que “os diretores não aceitam as idéias do Grêmio”, ou o A12: “a direção não deixa o Grêmio fazer nada”.

O segmento dos educadores da escola, constado pelos professores, funcionários e direção, em geral avaliam a atuação do Grêmio como aquém das suas possibilidades de ação. A seguir, algumas de suas representações:

“Muitas vezes eles vêm com idéias impossíveis. É complicado. Nem sempre é possível fazer o que eles querem. Contratar djs, fazer baile, os professores têm que se disponibilizarem a ficar na escola. A direção tem medo de brigas. Às vezes eles reclamam: Ah! a direção não abre para isto, não abre para aquilo, é muito fechada, a direção não quer dialogar, mas às vezes é por medo do que possa acontecer”; “o Grêmio, no ano passado, foi pouquíssimo atuante, agora o que a gente vê é só no recreio, então, eles põem som. Eu não sei se a Direção não dá essa abertura, ou se não há vontade...”; “o Grêmio não tem uma participação, fica isolado, como é que se diz, antigamente no meu tempo de colégio, ele era participativo, ele tinha uma autonomia dentro da escola. Hoje ele não tem, fica amarrado à direção, que fala pode, não pode, pode, não pode. Eu não sei se é por causa da situação social do país e o diretor de escola tem medo de dar autonomia e virar baderna”; “o Grêmio? É só farra, né? É tirar aluno da sala para fazer festa, recolher dinheiro para não sei fazer o quê. No meu tempo tinha fanfarra, agora, cortaram a música, a música é importante...”.

Nesses depoimentos, que não se configuram como exceção dentre os coletados, percebe-se que os educadores criticam o papel e a atuação dos Grêmios. Por vezes, avaliam suas metas como utópicas e citam incisivamente a falta de autonomia deste órgão no interior das unidades escolares.

Há ainda aqueles educadores que acham que a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pelo Grêmio são deste próprio órgão, como enfatiza o professor P22: “O Grêmio poderia ser bem melhor, mas a culpa é dele mesmo. Nas escolas tem espaço para ele; os alunos têm uma empolgação inicial, agitam, mas depois...”, manifestando-se, portanto, de forma a esperar que os alunos, mesmo talvez sem a maturidade e a experiência necessárias para isso, possam se organizar de forma a corresponder com as expectativas da escola.

Finalmente, há aqueles que, apesar de manifestarem suas críticas em relação à atuação deste órgão, percebem no seu papel de educador a principal falha:

“Em relação ao Grêmio eu percebo que a meninada, quando se propõe a formar um grupo, a formar o Grêmio, noto que eles ficam motivados com uma questão de agitar mesmo. Mas a gente percebe mesmo é uma carência

muito grande de reflexão sobre qual é o verdadeiro papel. Para você ter uma idéia, eles propõem coisas impraticáveis. Uma vez eu estava vendo uma chapa propondo xérox gratuito para toda a escola. Aí quando você pergunta: ‘ - Escuta, um tonner custa tanto, a manutenção da máquina custa tanto, onde é que vocês vão conseguir dinheiro?’ ‘ - Não sei... Ah! nós vamos fazer a horta.’ ‘ - Mas espere aí, qual é o objetivo de uma horta? O objetivo é produzir comida para a merenda ou ser um laboratório de aula?’ É óbvio, se for um laboratório de aula, e você colher alguma coisa que puder mandar para a merenda, ótimo. Mas, o objetivo central ali é o laboratório. Então, o que eu percebo nos meninos? Um despreparo. É onde a escola poderia chamar estes meninos e perguntar: ‘Vocês querem participar? Então, vamos ver o que é uma participação’”; “o Grêmio? Há falhas ao conduzir. Há falhas na condução...”;“falta uma preparação no Grêmio, falta um acompanhamento do adulto, não é prioridade você organizar Grêmio, mexer com Grêmio. Você às vezes desanima, porque infelizmente a pessoa que ganhou, o casal que ganhou é, vamos dizer assim, ‘contra exemplo’ para a escola, e para que saiam tem que haver outra eleição. O ano passado foi melhor, nesse ganhou uma menina toda cheia de piercing. Alunos mais tradicionais chegam aqui e não acreditam nela”; “totalmente parado em seu canto. Acho difícil a gestão coletiva. Depende muito da abertura do diretor e da equipe de gestores, se forem mais abertos, funciona bem”.

Não é, portanto, apenas ao se cumprir a determinação legal de promover a eleição do Grêmio na escola que se propiciará possibilidades de gestão coletiva. É importante despertar nos estudantes o desejo de participar do movimento estudantil, incentivá-los e orientá-los de forma permanente durante todo o período de sua gestão. Sem desrespeitar a autonomia do Grêmio, é possível que os funcionários, a direção e os professores da escola demonstrem o seu comprometimento de educadores em relação a este órgão. Acompanhar, orientar e incentivar a autonomia do Grêmio é uma forma de se ensinar ética e cidadania na prática.

Assim, a direção de escola que se isenta de seu papel de motivadora destas iniciativas e se porta de forma oposta a estes princípios colabora para a formação de pessoas com personalidades submissas. Os alunos deixam de desenvolver inúmeras competências que certamente lhes seriam significativamente úteis para a vida e especialmente para o mundo do trabalho.

A escola pode, então, representar local de extrema valia para que as futuras gerações aprendam a difícil arte da convivência democrática, da aproximação efetiva ao mundo do trabalho e entrem em contato com possibilidades de aprofundamento do conhecimento da realidade, já que a participação é suscetível de ser aprendida e

aperfeiçoada. A educação pode ser beneficiada com as diversas formas de participação, e esta, por sua vez, requer instrumentos educativos; nessa via de mão dupla, a qualidade da participação se eleva quando:

As pessoas aprendem a conhecer sua realidade; a refletir, a superar contradições reais ou aparentes; a identificar premissas subjacentes; a antecipar conseqüências; a entender novos significados das palavras; a distinguir efeitos de causas, observações de inferências e fatos de julgamentos (BORDENAVE, 1983, p. 72).

Entretanto não se participa eficazmente sem aprendizado. Longo tempo de aprendizagem é importante para que um grupo, uma associação ou uma nação realmente possa participar do seu destino, influir sobre as decisões dos que detêm o poder, enfim, construir a sua própria história.

Para Lima Neto:

Esse processo de aprendizagem da participação entra na história da educação permanente de cada um de nós, como indivíduos e como pessoas que fazem parte de uma coletividade. É um trabalho que também acontece através da organização, da união e do exercício cotidiano, prático, da negociação, do diálogo, da administração dos conflitos de interesses (1989, p. 21).

Aprender a participar é estar constantemente desafiado. É um desafio individual e coletivo de não se deixar oprimir nem subjugar pelo poder. É aprender a resistir coletivamente para se imiscuir e influenciar o poder. É não aceitar passivamente o ditame de regras e normas que possam definir os destinos da comunidade, da nação, ou da instituição da qual se faz parte.

Outros quesitos igualmente importantes que não podem deixar de ser lembrados referem-se à aprendizagem sobre administrar conflitos, esclarecer comportamentos, tolerar divergências, respeitar opiniões, interpretar sentimentos. Pode ainda haver incrementação dos processos participativos quando as pessoas aprendem a organizar reuniões, encontros e assembléias, a formar comissões de trabalho, a delegar funções, a pesquisar problemas, a elaborar relatórios e a dominar técnicas de comunicação. Bordenave (1983, p. 73), entretanto, ressalta que estas competências não são adquiridas na sala de aula, mas na

chamada “práxis, que é processo que mistura a prática, a técnica, a invenção e a teoria, colocando-as a serviço da luta pelos objetivos do povo”.

Por isso, a participação não é um conteúdo que se possa transmitir, ou uma capacitação que se possa realizar. Educa-se por meio de postura coerente e participativa. Aprende-se fazendo! Um tipo de educação, dita tradicional, na qual ocorre simples transmissão de conteúdos com modelos previamente definidos e objetivos pré- estabelecidos não se coaduna com o aprendizado para a participação. Esta requer vivência coletiva, onde a aprendizagem maior se dá; portanto, na práxis.

Santos Filho (1998, p. 65) enaltece o papel do educador nesta função de inserir o aluno nos processos participativos, quando coloca que “a tarefa do educador está em ‘forçar’ a participação a fim de desenvolvê-la e não esperar pela aquisição das habilidades e conhecimentos necessários para exercê-la”.

Esperar pela decisão de uma autoridade externa sobre a aquisição, ou não, de habilidades que credenciariam os alunos para a participação não condiz com a necessidade dos menos aptos a aprenderem com o exercício.

Além disso, a educação para a participação mobiliza contra situações de manipulação, paternalismo e demagogia. Essa educação contribui ainda para o discernimento entre a real participação e a simples consulta ao povo.

Apesar de certo progresso em termos participativos, em muitos ambientes educacionais a participação é enganosa. É chamada de participação uma concessão que educadores e professores propiciam aos alunos.

A esse respeito Lima Neto salienta que:

Não existe participação concedida por quem tem o poder. Quem tem o poder não cede o poder. Só há participação através da conquista daqueles que ao ser-lhes negado o direto de votar, de opinar, de dizer, de refletir sobre as decisões, lutam para conseguir que suas opiniões, sua voz, seu voto, suas reflexões sejam levados em consideração por quem julga ter em suas mãos todo o poder de decidir (1989, p. 11).

Nesse contexto, há que se ressaltar a importância de se organizar dentro das escolas os agrupamentos necessários para que a participação se consolide. Um elemento sozinho não tem força. No entanto, se reunidas em grupos como Grêmios, associações de pais e

mestres e conselhos de escola, as pessoas ganham força para expressar suas opiniões e reflexões. Dessa maneira, são levadas em consideração nos seus posicionamentos relacionados a decisões que afetam todos os componentes da comunidade escolar. “A participação exige de nós sair do modismo, da alienação, da indiferença. Participar não é só estar presente. É estar agente!” (LIMA NETO, 1989, p.13).

Por outro lado, sempre que se descobre o controle de poder em uma sociedade - entendida tanto no sentido macro: nação, estado e município, quanto no sentido micro: família, empresa, associação, instituição qualquer - começa-se a ter consciência política.

Entretanto, se a sociedade não se mobilizar para consolidar tradição participativa, pensar em situações plenas de participação torna-se ilusório. Muitos estudiosos vêem a participação como algo a ser conquistado. E, para se atingir esta finalidade, de uma sociedade em que todos sejam engajados nos processos decisórios, favorecimentos e incentivos se fazem necessários. É notório que, exatamente por questões de envolvimento e estímulo, há aqueles que lutam, os que estão acomodados, e ainda alguns que nem sequer se incomodam com o poder absoluto e autocrático de outrem.

[...] a participação é uma necessidade, quando se entende que ela significa intervir nos privilégios dos que detêm o poder e, quanto mais os privilégios de alguns se forem tornando direito de todos, mais participação estará acontecendo, e a sociedade humana estará caminhando os caminhos do aperfeiçoamento, da perfeição (LIMA NETO, 1989, p.30).

Entretanto, considerando-se o âmbito da gestão, pode-se ressaltar que, para Melo (2001), há sutil diferença entre compartilhar a gestão e democratizá-la. O que tem acontecido nas escolas que, de certa forma, apresentam-se com máscaras de democratização, é a gestão compartilhada. Essa requer conhecimento estrutural significativamente menor e tem como princípio envolver pessoas tidas como de “boa vontade”, imbuídas da vontade política da melhoria da qualidade de ensino, e conceder migalhas de um poder maior.

Apresentam-se os problemas e atribuem-se à comunidade suas soluções, por meio de gestão compartilhada. Procura-se envolver a comunidade e incentivam-se projetos

como: “Amigos da Escola”9, porém, em uma relação superficial, que não oportuniza aprofundamento do interesse e discernimento necessário para compreender as raízes dos problemas. A participação na gestão torna-se pontual e filantrópica. Para a efetiva democratização da gestão escolar é necessária a lúcida compreensão do processo delicado em que se encontra a escola pública, as causas e os responsáveis por esta situação.

Freire chama atenção ainda para o que denominou como falsa participação:

Não há lugar para a mínima posição de dúvida, de curiosidade, de crítica, de sugestão, de presença viva, com voz, de professores e professoras que devem estar submissos aos pacotes; dos educandos, cujo direito se resume ao dever de estudar sem indagar, sem duvidar, submissos aos professores; dos zeladores, das cozinheiras, dos vigias que, trabalhando na escola, são também educadores e precisam ter voz; dos pais, das mães, que são convidados a vir à escola ou para festinhas de fim de ano ou para receber queixas de seus filhos ou para se engajar em mutirões para o preparo do prédio ou até para “participar” de quotas a fim de comprar material escolar. Nos exemplos que dei, temos de um lado, a proibição ou a inibição total da participação; de outro, a falsa participação (2001, p.73- 74).

É importante também destacar projetos que, por sua linha conceitual, aliam-se ao sistema neoliberal, deixando pouco espaço para alternativas autônomas das escolas. Como exemplo, podem-se citar as parcerias entre o público e o privado que incentivam sobremaneira a cultura do sucesso, a participação das empresas tanto na questão física quanto educacional das escolas e a premiação por mérito de gestão compartilhada. Os princípios são geralmente claros e imutáveis. Pouca ou nenhuma participação é prevista para a comunidade escolar e os profissionais da escola - particularmente os professores - são apenas executores de um programa em que a comunidade é mera convidada especial.

Ao se partir para nova visão de educação e ao se considerar o paradigma emergente que não admite o poder centralizado das habituais estruturas piramidais, só resta optar por distribuí-lo em diferentes níveis hierárquicos, nas diferentes esferas de responsabilidade. Nesta perspectiva, importante salto precisa ser dado pelas escolas: o da percepção das

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Voluntários que em seu tempo livre assumem as mais diversas tarefas escolares, programa coordenado pela Rede Globo, porém, com toda estrutura e rede de informação fornecidas pelo Governo Federal.

limitações da individualidade e, em paralelo, da relevância da organização em conselhos e colegiados que possam realmente fazê-las caminhar para uma gestão democrática.

O alto nível de participação democrática transforma a escola pública em espaço popular. Dessa forma, pais, alunos, professores, enfim, a comunidade local passa a se incumbir de transformar em leveza a estrutura pesada do poder centralizado e de lutar para que a participação seja rápida, viável e não enganosa, em substituição à morosidade e aos modelos de administração autoritários e elitistas.

Nessa perspectiva, não se concebe, então, que as decisões nas instituições sejam tomadas com base na individualidade e que seja desconsiderado especialmente o segmento discente. É evidente que a representatividade dos Grêmios Estudantis envolve esforço coletivo por parte dos educadores da escola.

Por fim, ressalta-se que só estaria coerente com este novo paradigma de educação o poder decisório apoiado em colegiados consultivos e deliberativos. Estes, tirando proveito dos consensos e das diferenças, estariam aptos a construírem uma escola atenta em se responsabilizar pelo ensinamento da participação a nossas futuras gerações.