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Processos de Construção das Representações Sociais

Capítulo 4. A Teoria das Representações Sociais

4.3. Processos de Construção das Representações Sociais

O conhecimento do senso comum reflete o plano de divulgação em massa, o plano interpessoal e o plano intrapessoal. Criamos representações para entender e resolver

problemas que se apresentam e para saber como se comportar diante deles. O exemplo da AIDS trazido por Jodelet (2001) facilita a compreensão de como se dá o processo de construção social das representações acerca do tema.

A representação social da AIDS foi elaborada com o que se apresentava pelos veículos de comunicação e nos pensamentos, crenças, conhecimentos prévios, preexistentes. Logo, a construção desta representação social pôde identificar uma parte da população que já antipatizava os homossexuais. Para Jodelet,

Estas representações formam um sistema e dão lugar a teorias espontâneas, versões da realidade encarnadas por imagens ou condensadas por palavras, umas e outras carregadas de significações [...] as representações expressam aqueles (indivíduos ou grupos) que as forjam e dão uma definição específica ao objeto por elas representado. Estas definições partilhadas pelos membros de um determinado grupo constroem uma visão consensual da realidade para este grupo esta visão pode entrar em conflito com a de outros grupos, é um guia para ações e trocas cotidianas [...] (JODELET, 2001, p. 21).

Através da representação é possível identificar a que grupo ela pertence, como exemplo, grupo de religiosos, de políticos, de homossexuais, etc. Da mesma forma, este grupo se identifica nesta representação. No caso supracitado, as instâncias religiosas consideraram a AIDS uma punição de Deus por causa da irresponsabilidade sexual e da homossexualidade, ao passo que para as famílias que se autointitulavam tradicionais e moralmente corretas, a AIDS era vista distantemente, já que acreditavam que suas condutas eram garantias de proteção contra a doença.

As representações sociais da AIDS transpareceram um machismo e preconceito com relação aos seus portadores. Para os Bispos brasileiros a AIDS era um castigo divino, o que teve consequências, principalmente por este objeto remeter a culpabilidade a um grupo, como no caso dos homossexuais.

Nos Estados Unidos em 1988, as representações sociais da AIDS foi usada para excluir candidatos homossexuais. No momento, alguns pleiteantes à eleição presidencial, conjecturaram que a AIDS tinha sido criação do homem (candidatos da oposição) para exterminar o indesejável, ou seja, os candidatos homossexuais.

A repercussão da comunicação é examinada por Moscovici (2010) nos níveis da emergência das representações, dos processos de formação e das dimensões relacionadas à edificação da conduta. Essa comunicação reflete o grupo que a propaga, sua cultura, os

sentimentos disfóricos ou não, que permitem situar-se numa categoria, e assumem diferentes efeitos a depender da audiência e dos estereótipos. Como observa Plon (1972),

Certamente, há representações que cabem em nós como uma luva ou que atravessam os indivíduos: as impostas pela ideologia dominante ou as que estão ligadas a uma condição definida no seio da estrutura social. Mas, mesmo nesses casos, a partilha implica uma dinâmica social que explica a especificidade das representações. É o que vêm desenvolvendo as pesquisas que relacionam o caráter social da representação à inserção social dos indivíduos. O lugar, a posição social que eles ocupam ou as funções que assumem determinam os conteúdos representacionais e sua organização, por meio da relação ideológica que mantêm com o mundo social (PLON, 1972

apud JODELET, 2001, p. 32).

Os processos que geram as representações sociais são a ancoragem e a objetivação.

4.3.1. Ancoragem

A ancoragem tenta apreender o corpo estranho e torná-lo familiar, num processo mental de acomodação deste corpo estranho com o que já existe. Por exemplo, o impacto da Lei 12433/2011para as escolas situadas fora dos presídios. Ao se depararem com o conteúdo desta Lei, os professores, dependendo de suas normas históricas, culturais, ideológicas e da influência do contexto social, podem percebê-la como algo bom que facilitará a reinserção social de presidiários. Podem entendê-la como uma saída encontrada pelo governo que, sem espaço dentro dos presídios e visando cortes nos gastos públicos para atender a esta demanda, vislumbrou nesta Lei a possibilidade de liberar mais rapidamente estes sujeitos.

Podem percebê-la como um entrave para o bom andamento de suas aulas e relacionar esta medida a outras que buscaram a inclusão social, mas no ponto de vista destes professores e dentro do contexto social em que convivem, não tiveram sucesso.

Para Moscovici (2010),

nós não podemos nunca dizer que conhecemos um indivíduo, nem que nós tentamos compreendê-lo, mas somente que nós tentamos reconhecê-lo, isto é, descobrir que tipo de pessoa ele é, a que categoria pertence e assim por diante. Isso concretamente significa que ancorar implica também a prioridade do veredicto sobre o julgamento e do predicado sobre o sujeito (MOSCOVICI, 2010, p. 64).

A ancoragem enraíza o fenômeno social e sua representação na sociedade, situando seus valores, dando-lhes coerência e assumindo características de comunicação e ação. A ancoragem “é um processo que transforma algo desconhecido e perturbador, em algo conhecido, através da comparação com categorias já conhecidas” (SANTOS, 2005, p. 32-33). A ancoragem implica em atribuir sentido, instrumentalizar o saber e enraizar no sistema de pensamentos algo que faz parte de discursos de grupos sociais.

4.3.2. Objetivação

A objetivação transpõe os sentidos da imagem que estão em nossa mente para algo que nos é real, que está no mundo físico. É um processo de reificação, mais ativo que a ancoragem. A objetivação então vem unir o não-familiar com a realidade daquele grupo. Define Moscovici que

Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso, é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância. Temos apenas de comparar Deus com um pai e o que era invisível, instantaneamente se torna visível em nossas mentes, como uma pessoa a quem nós podemos responder como tal (MOSCOVICI, 2010, p. 71-72).

Segundo Santos (2005), a objetivação “torna concreto o que é abstrato” (SANTOS, 2005, p. 31). Manifesta a cadeia de relações interpessoais e meios de comunicação social presentes no cotidiano de um grupo – com o intuito de dar um significado ao objeto de representação e torná-lo natural. Os movimentos da objetivação segundo Santos (2005) são seleção e descontextualização, a formação de um núcleo figurativo e a naturalização dos elementos.

Moscovici (2010) resume que,

Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido (MOSCOVICI, 2010, p. 78).

Desta forma, a ancoragem está ligada às funções de saber/conhecer o que há de novo, para guiar as condutas do grupo quando se depararem com ele, mas isso é feito com os sentidos individuais e coletivos deste grupo, portanto, pela ancoragem também se identifica quem a construiu. A objetivação como Moscovici coloca “tira daí conceitos e imagens” que justificam o comportamento do grupo no pensar e agir diante daquele objeto, facilitando a comunicação entre os sujeitos.