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Capítulo I – fundamentação teórica

1. As representações sociais

1.2. O campo do conceito de representação social

1.3.1. Processos sociocognitivos

1.3.1.1. A objectivação

A objectivação é o processo por meio do qual se materializa um conceito ou o reproduz numa imagem. A objectivação está relacionada com o modo como se organizam os elementos que constituem a representação e o trajecto a partir da qual esses elementos ganham materialidade e compõem-se em expressões da realidade (Moscovici, 2003).

O trajecto supracitado compreende três momentos. Num primeiro momento, surge a construção selectiva em que aparecem as informações, as crenças e as ideias sobre o objecto da representação que comportam um processo de selecção e de descontextualização. Destaca-se aqui a formação de um todo coerente, envolvendo apenas uma parte da informação que é disponibilizada sobre o objecto seja útil.

O segundo momento da objectivação diz respeito à organização dos elementos, ou seja, à esquematização estruturante que consiste no facto das noções constituintes da representação se apresentarem organizadas de forma a estabelecerem um modelo de

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relações estruturadas. Refira-se que na esquematização estruturante as relações existentes entre os conceitos revestem-se de uma extensão figurativa ou imagética, ou seja, cada elemento equivale a uma imagem, permitindo deste modo a materialização de uma palavra. A extensão figurativa permite a compreensão da etapa que se segue: a naturalização.

O terceiro momento do processo de objectivação é a naturalização. Esta aparece associada ao facto de no esquema figurativo reterem-se conceitos e relações, e estes aspectos organizam-se como categorias naturais e adquirem materialidade. O abstracto torna-se concreto, através da sua expressão em imagens e metáforas, assim como a percepção torna-se realidade. O senso comum aparece como antinomianalista, sendo que cada palavra equivale a um objecto, assim como cada imagem contém uma equivalência na realidade. Esta ideia é ilustrada por Rodrigues (2008 a, p. 216):

É o momento da objectivação em que materializamos pela palavra, quer dizer, é quando percepção e conceito se fundem e se dá corpo à conceptualização. É comum a concretização de uma noção imprecisa já que ocorre uma selecção e descontextualização dos dados teóricos. A compreensão destes elementos é dada por meio de uma coerência individual que é projectada como sendo natural e, por consequência, evidente.

No que concerne ao processo de objectivação, Moscovici (2003) salienta que este processo ostenta a particularidade de pressupor a existência de um ponto de chegada, a teoria psicanalítica, e um ponto de partida, a mesma teoria no senso comum. Deste modo, propor-se analisar o processo de objectivação baseia-se na identificação dos elementos que transmitem sentido a um dado objecto, a escolha de um conjunto de conceitos, assim como as relações entre esses conceitos (reconstrói-se um dado esquema), a figuração e as circunstâncias da sua naturalização. Deste modo, quando se estuda as relações existentes entre os elementos de uma dada representação já se está a analisar a sua objectivação.

De acordo com o autor supracitado, a objectivação é uma característica do pensamento social. É importante o papel da memória uma vez que a nossa experiência e as nossas ideias são invadidas pelas nossas experiências e pelas ideias já passadas.

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1.3.1.2. A ancoragem

Moscovici (2003) ao referir-se à ancoragem encara-a como uma segunda categoria de processos que está em associação na formação das representações sociais. Assim sendo, a ancoragem é o processo que transforma o não familiar em familiar e está ainda associada aos processos através dos quais a representação estabelecida se converte como organizadora das relações sociais. É importante mencionar que cronologicamente a ancoragem precede a objectivação, mas por outro lado, localiza-se no seguimento da objectivação.

Precedendo a objectivação, a ancoragem diz respeito ao facto de que o tratamento de informação exige pontos de referência, ou seja, quando o sujeito pensa um objecto pode-se dizer que o universo mental deste não é uma tábua rasa, ao invés, é a partir de referências, de experiências e de pensamentos constituídos que o novo objecto será pensado.

A ancoragem no seguimento da objectivação refere-se aos processos de categorização que se exercem sobre a objectivação e as etapas envolvidas e, por outro lado, aborda a função social das representações. As representações sociais dão um vasto de significados que possibilitam a ancoragem da acção, dão sentido a comportamentos, a pessoas, a factos sociais, a grupos e a acontecimentos. Como nos aponta Vala (2002, p. 474) as representações sociais constituem “um código de interpretação no qual ancora o não familiar, o desconhecido, o imprevisto”. Saliente-se que os fenómenos descritos a partir do conceito de ancoragem são próximos dos que sustentam o conceito de categorização. Conhecer algo é classificar e dar um nome, sendo isso que dá um sistema de categorização. Deste modo, as representações sociais constituem o quadro no qual ganham sentido os sistemas de categorização.

A ancoragem como categorização opera como “estabilizador do meio, como redutor de novas aprendizagens e de comportamentos inovadores” (Idem). A ancoragem conduz à produção de modificações nas representações que já se encontram estabelecidas e, neste sentido apresenta-se como um processo de simplificação do novo ao velho e reelaboração do velho tomando-o novo.

No que respeita ao estudo da ancoragem, numa primeira interpretação, a ancoragem reporta-se à assimilação de um objecto novo por outros objectos que já se encontram presentes no sistema cognitivo de cada sujeito. Refira-se que os objectos já presentes apresentam-se como âncoras que irão permitir a construção da representação

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do objecto novo. Na ancoragem faz-se a inventariação das âncoras que suportam uma dada representação, modelando-se desta forma os conteúdos a nível semântico. Acrescente-se que a escolha das âncoras não é uma escolha neutra, obedece-se a mecanismos. Explicitar-se-ão de seguida as perspectivas subjacentes à análise do processo de ancoragem.

Uma das perspectivas que subjaz na análise do processo de ancoragem é proposta por Doise (1984). De acordo com este autor, consideram-se três tipos de ancoragem no processo das representações sociais, nomeadamente: as ancoragens psicológicas, as sociológicas e as psicossociológicas.

O estudo da ancoragem na perspectiva psicológica diz respeito às modelações de uma dada representação que acontecem a nível individual. Examinam-se as diferenças individuais, no que concerne a princípios e a valores ideológicos, que se reflectem no modo de estruturar as representações.

As ancoragens sociológicas estudam a relação existente entre os conteúdos de uma dada representação e as pertenças sociais, partindo-se da hipótese de que a existência de experiências comuns nos indivíduos de determinado grupo, inseridos no mesmo campo de relações sociais, origina representações análogas.

As ancoragens psicossociológicas inscrevem-se no domínio das relações sociais, ou seja, os conteúdos de uma dada representação situa-se de forma emblemática quanto às relações e às posições sociais, assim como as categorias de determinado campo social. Neste tipo de análise importa considerar a relação existente entre as representações sociais e as identidades sociais.

A outra perspectiva de análise da ancoragem das representações sociais funda-se no estudo dos contextos da comunicação. Os sistemas de comunicação constituem sistemas de relações sociais, podendo ser envolvidos nas ancoragens psicossociológicas. Coloca-se aqui a questão de que é possível o estabelecimento de modalidades que sustentam as diferentes representações, desde que considere que essas representações constituem modos de categorização ambíguos, não devendo ser objectivadas pois correm o risco de se destruírem do carácter heurístico.

Propor-se estudar as representações sociais a partir da ancoragem em sistemas de comunicação pode auxiliar na identificação do carácter hegemónico (polémico e consensual) e, por outro lado, na associação da construção das representações a processos comunicativos diferenciados.

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