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Produtores

No documento Como os Nomes Nomeiam (páginas 115-120)

3. NOMES E IDENTIFICAÇÃO

3.3 Produtores

111 realizado. Se este exemplo está correto, então batismos nem mesmo são necessários para a geração de nomes-tipo. Para outras críticas à importância do batismo, veja Paul Ziff (1977, p. 319-321).

Se preferirmos, podemos estipular que “batismo” é um termo técnico que não precisa corresponder exatamente ao nosso entendimento ordinário desta palavra. Isto nos permitiria manter a tese de que nomes-tipo são sempre introduzidos por batismos. Por outro lado, isto criaria uma inevitável confusão entre o sentido técnico e o sentido ordinário de “batismo”. Por esta razão, talvez seja melhor falar em introdução ou geração de um novo nome-tipo. Geralmente, mas nem sempre, nomes-tipo são gerados por meio de batismos.

112 enriqueceu. Ora, para que as novas informações possam ser justificadamente combinadas com aquelas anteriormente adquiridas, é necessário que a pessoa te reconheça como o mesmo indivíduo com quem se encontrou anteriormente.

Suponha que a pessoa que te encontra agora não lhe reconheça como a mesma com quem teve vários encontros anteriores. Esta pessoa pode bem perceber que você é magro e rico, mas não poderá a partir disto concluir que você emagreceu ou enriqueceu. De tudo que ela sabe, a pessoa que ela encontra agora poderia ter nascido rica, ou ter sido sempre magra. Em suma, a classe dos produtores de um nome N inclui pessoas com a capacidade de reconhecer o referente de N com base em sua aparência. Um defensor do princípio de Russell pode explicar a capacidade referencial destas pessoas a partir da cláusula (b) (seção 1.16). O mais comum é que uma prática de uso de um nome envolva um conjunto de usuários nesta posição, e exemplos mais prováveis são parentes próximos, amigos íntimos, cônjuges, etc.

Discussões interessantes sobre a capacidade de reconhecer objetos com base em sua aparência podem ser encontradas em Strawson (1959: 31-38) e Evans (1982: cap. 8). Uma descrição detalhada desta capacidade provavelmente está na fronteira entre psicologia e filosofia (incluindo a epistemologia e a filosofia da mente), e não estou em condições de fornecê-la aqui. Limito-me a ressaltar dois pontos importantes. Primeiro, a despeito da possibilidade de hipóteses céticas, é intuitivo que muitas pessoas possuem a capacidade de reconhecer o referente de alguns nomes com base em sua aparência. Provavelmente, você está nesta posição em relação ao referente de boa parte dos nomes que possui (se não estiver, provavelmente é uma pessoa muito antissocial). Segundo, é intuitivo que esta capacidade deve desempenhar algum papel em uma teoria da referência. Ora, pelo menos parte da função dos nomes próprios reside no fato de serem meios de adquirir, acumular e transmitir informação sobre objetos particulares, e a capacidade de reconhecer objetos desempenha um papel importante nesta aquisição, acúmulo e transmissão de informações. Nosso sistema de obtenção, acúmulo e transmissão de informação seria imensamente mais pobre se não fôssemos capazes de identificar alguns objetos deste modo.

113 Até agora, o elemento central na caracterização dos produtores é a ideia de um acesso privilegiado ao referente do nome. Meu primeiro exemplo de acesso privilegiado apelou a falantes que são capazes de reconhecer o referente do nome com base em sua aparência. Mas há pelo menos mais um possível exemplo. Considere a situação dos detetives responsáveis por investigar o caso de Jack (o estripador). Em comparação à gigantesca maioria dos (ou talvez a todos os) usuários deste nome-tipo, estes investigadores claramente tinham um acesso privilegiado ao seu referente. Eles se encontravam com as vítimas de Jack, obtinham em primeira mão detalhes sobre os seus métodos cruéis, observavam as pistas deixadas, talvez estivessem em posição privilegiada para fazer inferências acerca de nuances de sua personalidade, etc. A cada novo encontro com as circunstâncias de um novo assassinato, os detetives podiam adquirir novas informações sobre Jack, e adaptá-las ao seu estoque de crenças.

Podiam então difundir estas informações, enriquecendo a prática de uso e mantendo vivo o interesse no objeto que estava em sua origem. Parece-me que estamos justificados em classificar estes detetives como produtores do nome

“Jack”. Se assim for, então a classe dos produtores de um nome não inclui apenas usuários do nome que são capazes de reconhecer o referente do mesmo com base em sua aparência. Afinal, presumivelmente nenhum dos detetives tinha esta capacidade com relação ao referente de “Jack”. Ao contrário, eles identificavam Jack descritivamente. Por outras palavras, a capacidade deles de fazer referência a Jack é explicada em termos de conhecimento de propriedades identificadoras (a cláusula (a) do princípio de Russell).

Nem todo falante que identifica o referente do nome descritivamente pode justificadamente ser classificado como um produtor, pois muitos não possuem qualquer acesso privilegiado ao objeto nomeado. Suponha que Chico introduza o nome “Jujuba” para se referir à baleia mais pesada dos oceanos. Se existir uma baleia tal que seu peso é maior do que o de qualquer outra, então Chico se refere a ela por “Jujuba”. Todavia, a despeito de ele ter batizado Jujuba, ele não é um produtor deste nome, pois não tem qualquer acesso privilegiado ao objeto nomeado.

Isto levanta um problema interessante: o que conta como acesso privilegiado ao referente de um nome? Um esboço de resposta poderia apelar a

114 algum tipo de contato ou elo causal com o referente do nome. A razão de Chico não ter acesso privilegiado a Jujuba é que ele não tem qualquer contato com ela, não está causalmente conectado com ela em qualquer sentido relevante para a aquisição, acúmulo e difusão de informação. A situação é bem diferente nos outros casos descritos acima. A capacidade de reconhecer um objeto com base em sua aparência é pelo menos parcialmente fundada em encontros perceptivos com o mesmo, de modo que envolve algum tipo de contato ou elo causal com o objeto. Além disto, este contato ou elo é pelo menos parte da explicação do porquê destes falantes terem um papel de destaque na cadeia de informação gerada ao redor do nome. Em resumo, existe uma relação direta entre o contado ou elo destes falantes com o objeto nomeado e a posição especial que eles ocupam na prática de uso do nome. O mesmo ocorre com os detetives mencionados acima. Certamente eles não são capazes de reconhecer Jack com base em sua aparência. Todavia, muitas das descrições que usam para identificá-lo são especiais no sentido explicado na seção 2.3: elas fazem apelo a uma marca ou rastro deixado pelo objeto nomeado (o assassino deixou cicatrizes na vítima, provas no local, etc.). Ora, apesar do fato de que os detetives não tiveram a oportunidade de se encontrar pessoalmente com Jack, eles estavam em contato com vários dos rastros deixados pelo estripador, e consequentemente puderam recorrer a descrições que relatavam tais rastros.

Ademais, este contato com os rastros de Jack é pelo menos parte da razão pela qual eles ocupavam a posição especial que ocupavam. Existe uma relação direta entre a conexão dos detetives com Jack e a posição especial que ocupavam na cadeia de informações ao redor deste nome. Se este tipo de resposta estiver correto, então a posição privilegiada dos produtores de um nome deve envolver algum tipo de contado ou elo causal com o referente do mesmo. Por outras palavras, a capacidade dos produtores de identificar o referente do nome deve estar fundada em algum tipo de contato ou elo causal com o objeto nomeado.

Aqui teríamos mais um ponto de aproximação entre a teoria da identificação e a teoria causal, mais uma lição que a segunda ensina à primeira.

Dado o que foi dito até agora, os produtores de um nome têm pelo menos duas características. Primeiro, a sua capacidade de identificar o objeto nomeado não é explicada em termos da capacidade de outros falantes. Minha

115 capacidade de identificar Carmensiva (minha mãe) com base em sua aparência não é explicada com base na capacidade que outros falantes têm de identificá-la, assim como a capacidade dos detetives de identificar Jack como o autor deste e daquele assassinato não é explicada em termos da capacidade de qualquer outro falante. (Conforme veremos mais adiante, isto nem sempre é assim, de modo que a capacidade que alguns falantes têm de identificar o referente do nome é explicada em termos da capacidade de outros falantes). Na medida em que a capacidade dos falantes de se referirem ao referente de um nome é explicada em termos de sua capacidade de identificar o referente do mesmo, a capacidade referencial dos produtores não é explicada em termos da capacidade referencial de outros falantes. Produtores se referem por direito próprio. Mas isto não basta, os produtores também precisam ter um acesso privilegiado ao referente do nome, e isto é pelo menos parte do porquê de eles serem tão importantes para a aquisição, acúmulo e difusão de informação acerca do objeto nomeado. Em resumo, um produtor de N é um usuário de N que (i) se refere por direito próprio e (ii) tem acesso privilegiado ao referente de N.

Sem os produtores, nossas práticas de usar nomes dificilmente seriam o que são. Seria certamente muito mais difícil obter, acumular e transmitir conhecimento acerca de objetos particulares, e seríamos muito mais ignorantes acerca do mundo. Um livro inteiro poderia e deveria ser escrito acerca dos produtores de nomes, e há muito mais a ser dito sobre eles do que foi dito aqui.

Mas meu alvo principal neste livro é outra classe de usuários de nomes: os consumidores. Os consumidores de um nome N são aqueles usuários de N que se referem parasitariamente a N. A habilidade referencial deles é explicada em termos da habilidade referencial de outros usuários do nome. Disto segue-se que a distinção entre produtores e consumidores não é exaustiva. Nem todo falante que falha em ser um produtor é um consumidor. Um exemplo disto é o caso do falante que introduz “Jujuba” para se referir à baleia mais pesada dos oceanos.

Este falante não é um produtor do nome, mas também não é um consumidor (pois ele se refere por direito próprio à Jujuba). Ainda assim, a distinção entre produtores e consumidores é importante. Esta distinção é fundamental para explicar a diferença entre práticas de usar um nome que vingam e práticas que não vingam. Nosso interesse em manter uma prática viva está relacionada à

116 riqueza de informações que ela envolve. Como vimos, o acesso privilegiado dos produtores ao referente de um nome lhes permite tornar a cadeia informacional ao redor do nome muito mais rica, e isto alarga nosso conhecimento do mundo.

Sem os produtores, este alargamento seria muito improvável, e a tendência é que perdêssemos o interesse em manter a prática viva. Isto explica porque geralmente há muito mais interesse na permanência de práticas de uso de nomes-tipo como “Jack” do que de nomes-tipo como “Jujuba”.

Seja como for, é com os consumidores que os casos prima facie problemáticos para a teoria da identificação – aqueles que confirmam o argumento semântico (seções 1.4 e 1.7) – surgem. Se quisermos ter qualquer esperança de escapar do desafio proposto por este argumento, teremos de voltar nossa atenção aos consumidores. É o que faço a partir da próxima seção.

No documento Como os Nomes Nomeiam (páginas 115-120)