• Nenhum resultado encontrado

Usuários competentes de nomes

No documento Como os Nomes Nomeiam (páginas 135-139)

3. NOMES E IDENTIFICAÇÃO

3.9 Usuários competentes de nomes

Até aqui, venho afirmando que a identificação é necessária para o sucesso da referência de um consumidor. Mas seria implausível caracterizar um usuário competente de um nome como aquele que tem sucesso em se referir a algo por meio do nome. Precisamos de uma noção de usuário competente que não exija sucesso referencial. A discussão da seção anterior pode nos ajudar nisto.

132 Comece por notar que existem práticas envolvendo nomes vazios.

Nomes vazios são nomes sem referente. O caso mais óbvio são nomes ficcionais como “Sherlock Holmes” e “Peter Parker”. Mas nomes como estes alegadamente envolvem características próprias da ficção, que merecem um tratamento especial. Por exemplo, alguns filósofos, geralmente inspirados pela impressionante teoria do faz de conta desenvolvida por Kendall L. Walton (1990), acreditam que nossos usos de nomes ficcionais não envolvem tentativas sérias de fazer referência a objetos. Ao contrário, estes seriam casos nos quais estamos simulando ou fazendo de conta que usamos os nomes referencialmente. Para evitar complicações desnecessárias, o melhor seria deixar os nomes ficcionais de lado.

Nem todo nome vazio é ficcional. No século XIX a física newtoniana já desfrutava o status de melhor explicação do movimento dos corpos. Newton havia fornecido um conjunto de leis que, corretamente empregadas, pareciam explicar o movimento dos corpos por todo universo. Havia, no entanto, um problema. Nomeadamente, a órbita de Mercúrio não obedecia às previsões dos astrônomos. Se todas as variáveis relevantes estivessem sendo levadas em conta, a correção da física newtoniana estaria ameaçada. Mas parecia fazer pouco sentido rejeitar a teoria por causa de, digamos, um detalhe. Talvez o mais plausível fosse assumir que algum elemento importante estivesse passando despercebido aos astrônomos. Urbain-Jean-Joseph Le Verrier acreditava que este elemento era Vulcano. Le Verrier já havia tido sucesso em explicar as anomalias na órbita de Urano postulando a existência de um planeta, Netuno, e a postulação de Vulcano para resolver o problema posto por Mercúrio fazia todo sentido. Por algumas décadas astrônomos ao redor do mundo discutiram sobre Vulcano, alguns declararam conseguir observá-lo, e o planeta foi até mesmo assunto de matérias de jornais. Mais tarde descobriu-se que não havia qualquer planeta onde se pensava. Vulcano não existia! (A história de Vulcano é muito bem narrada em Thomas Levenson (2015)).

A despeito da inexistência de Vulcano, é óbvio que existia uma prática de uso deste nome. Os consumidores de “Vulcano” eram, por exemplo, capazes de indicar qual nome-tipo usavam. Um consumidor poderia indicar que pertence à pratica de uso do nome “Vulcano” para o planeta e não para o deus romano do

133 fogo. Por outras palavras, eles podiam tornar sua referência parasitária de outros membros da prática de uso do nome relevante. Se realmente existisse um objeto na origem desta prática, eles teriam tido sucesso em identificá-lo como aquele a quem outros membros da prática se referem. Uma vez que não existia tal objeto, contudo, houve falha tanto na identificação quanto na referência.

Este é o segundo sentido mencionado em 3.8 no qual um consumidor pode falhar em se referir a algo. Minha sugestão é que um consumidor que falha neste sentido ainda é um usuário competente do nome. Um consumidor é um usuário competente de um nome se, e somente se, seu material identificador é suficiente para indicar a qual prática de uso ele pertence. Deste modo, um falante que falha em se referir a algo no primeiro sentido – não é capaz de indicar a qual prática de uso pertence – não é um usuário competente do nome.

Conclusão, embora o sucesso da identificação seja uma condição necessária para o sucesso da referência, não é para a competência em usar um nome.16

3.10 Marcadores especiais

É importante notar que nem todo marcador se enquadra na descrição acima. Acredito que existe uma classe de marcadores especiais, no sentido de fornecerem aos consumidores modos mais diretos de indicar de qual prática de uso de nomes participam. Nesta seção, faço uma breve apresentação destes marcadores.

Vimos acima que falantes normalmente não podem apontar uma ou mais pessoas e dizer que é deles que sua referência é parasitária. Mas algumas vezes eles podem. Há casos em que o único marcador de um falante é algo como “a pessoa a quem Fulano se referiu”. Vou dizer algo sobre estes casos mais tarde (seções 3.10 e 3.12). Por agora, ressalto que eles envolvem uma peculiaridade. Na verdade, este é um caso em que o falante identifica o referente

16 Para uma discussão que vai ainda um pouco além ver Sainsbury (2006, seção 3; 2005, cap.3).

134 do nome por conhecer uma propriedade identificadora dele. Ele conhece e é capaz de especificar uma propriedade que somente aquele objeto satisfaz: a propriedade de ser o único objeto referido por Fulano (naquela situação, etc.). A intenção do falante não é se referir a quem quer que seja o objeto de quem a informação “a pessoa a quem Fulano se referiu” é difundida. Ao contrário, sua intenção é se referir a quem quer que Fulano tenha se referido, e ponto. O sucesso da referência dependerá, neste caso, de ser verdade que Fulano se referiu a um e somente um indivíduo.

Marcadores como “é famoso” também estão relacionados com algum modo mais direto de os falantes indicarem a qual prática seu uso do nome pertence. Geralmente falantes não usam este marcador como uma mera informação difundida em uma prática. Imagine que todo o material identificador que associo a “Aristóteles” seja “é um filósofo famoso”. Suponha que exista um jovem estudante de filosofia, chamado “Aristóteles”, que embora seja desconhecido, é egocêntrico e difunda acerca de si mesmo a falsa informação de que é famoso. Isto não me impede de identificar o verdadeiro Aristóteles (aquele realmente famoso) através de meu material identificador. Nós geralmente usamos marcadores como “é famoso” para indicar que nosso uso de um nome pertence a uma prática específica.

Isto pode ocorrer do seguinte modo. Existem diferentes práticas de usar o nome “Aristóteles”. Presumivelmente, em mais de uma a informação “é um filósofo” é difundida. Todavia, existe uma que se destaca das outras, no sentido de ter uma história mais longa ou envolver mais pessoas, mais difusão de informações, etc. Podemos usar o marcador “é famoso” para indicar nossa intenção de participar especificamente desta prática. Se alguém me pergunta de quem falo quando falo de Aristóteles, e respondo que falo daquele famoso, indico que estou usando um nome-tipo muito conhecido, pertencente a uma prática importante, que envolve estudiosos, etc. Neste caso, o marcador foi usado como uma forma de indicar características da prática de uso à qual pertenço. Não importa o que o nosso desconhecido estudante de filosofia difunde acerca de si mesmo, meu uso de “Aristóteles” não pertence à prática de uso – que é pequena, envolve poucas pessoas, etc. – que leva a ele. É possível que nem todo uso do marcador “é famoso” tenha este fim, mas me parece que

135 isto é assim pelo menos para a maior parte dos casos. Além disto, é possível que este não seja o único marcador que receba um papel peculiar em nossos usos de nomes. Mas não sou capaz de indicar outros agora.

No documento Como os Nomes Nomeiam (páginas 135-139)