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Professor e aluno – uma relação de dar e receber

4. Realização da Prática Profissional

4.1. Organização e Gestão do Processo Ensino-Aprendizagem 1 Conceção

4.1.3.1. Professor e aluno – uma relação de dar e receber

Segundo Couto (2004), para que a aprendizagem aconteça é necessário juntar alguns ingredientes que ultrapassam o saber teórico, nomeadamente: o desejo, o interesse, a necessidade e a motivação de ensinar e aprender. Logo, o acto de ensinar coloca em cima da mesa uma troca de impressões que irá ter uma influência determinante no processo de ensino. “A relação professor/aluno tem um carácter eminentemente dialógico, uma negociação entre saberes e dizeres (…)” (Couto, 2004, p.33). Há toda uma esfera em volta do professor que

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toma contornos até então menosprezados e foi possível constatar este aspeto in loco. A emoção na comunicação, o próprio vestuário e aparência física têm influência na relação entre o professor e o aluno e se esta interferência existe então deve ser aproveitada e potencializada ao máximo.

Numa primeira fase senti-me avaliada “dos pés à cabeça”, quer por parte dos alunos do secundário, quer dos alunos do ensino básico. Tudo era alvo de uma pré-imagem que teriam de mim e tinha que “jogar” com isso a meu favor. Nem sempre foi fácil e o dilema sobre a postura que deveria adotar inicialmente (mais flexível ou mais rígida) era um questão que me fazia alguma angústia. Relembrava os meus professores e qual foi o seu comportamente neste âmbito, no entanto, como era de esperar não obtive resposta para esta minha dúvida. Ao contrário daquilo que se faz na fase de planeamento de todos os aspetos que podem interferir na aula, optei por deixar os meus sentidos guiarem a minha ação. Correu bem e considero que, da melhor forma possível, consegui adotar as diferentes facetas que são necessárias sem grande conflito com os alunos.

Segundo Allen (1986), citado por Rosado e Ferreira (2011), os alunos pretendem estar com os amigos e divertirem-se nas aulas, procurando minimizar os riscos pessoais e o esforço. Passando à prática, podemos verificar que nem sempre a realidade é tão linear, e perante turmas tão heterogéneas deparamo- nos com cenários divergentes. Esta afirmação ganha ênfase na turma do ensino básico, onde se verificou a existência de “duas equipas”, rapazes versus raparigas. Uma “dor de cabeça” que ocupou grande parte do tempo de planeamento de modo e evitar conflitos, que considero resolvida quando a formação das equipas fica a cargo dos próprios alunos (permite juntar as afinidades). Embora esta decisão possa resultar em outro tipo de comportamentos menos positivos, com a turma em questão teve resultados positivos. O sistema social dos alunos engloba 3 dimensões e uma delas diz respeito à relação entre o professor e o aluno. Esta relação deve estar assente num clima de respeito, consideração e aceitação (Rosado & Ferreira, 2011). Estes aspetos irão ter influência direta na motivação e qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

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No estudo realizado por Tavares e Veiga (2006), conclui-se que a existência de um auto-conceito positivo, por parte dos alunos, tem uma influência positiva nos resultados escolares. Ainda na mesma análise, quando se verifica um apoio positivo por parte dos professores, o autoconceito eleva-se positivamente. Mais uma vez, a relação professor-aluno torna-se fundamental para o sucesso académico dos alunos.

Como docente procurei investir nesta relação, demonstrando compreensão (das dificuldades dos alunos, dos seus contextos e singularidades), aceitação (das suas opiniões e preferências), disponibilidade (para os ouvir e entender) e preocupação genuína com cada um dos alunos, nos diversos contratempos que possam ter. Segundo Rosado e Ferreira (2011) estes aspetos otimizam a integração dos alunos nos programas de ação, e como tal deve ser tido em conta. Segundo Tavares e Veiga (2006), as conversas estabelecidas entre o professor e o aluno são valorizadas por este. Então, o professor não tem que ser uma personagem distante do aluno, superior e dotado de um instrumento de poder, a autoridade. A autoridade do docente deve ser, aos olhos do aluno, vista como um reconhecimento e responsabilidade (Moreira, 2016). Logo na primeira aula estabeleci um conjunto de regras (por exemplo, referi que não era um papagaio e como tal não gostava de repetir) e procurei ser o mais direta e sincera possível e dirigi-me a eles da seguinte forma: “terão de mim o melhor, se me derem o vosso melhor”. Esta conversa inicial funcionou bem com ambas as turmas e fez com que os próprios alunos se corrigissem uns aos outros durante as aulas.

Os pequenos pormenores tornam-se importantes para o sucesso desta relação, e é fundamental atender mais uma vez aos aspetos que distinguem cada um dos alunos. Do geral para o específico, o genéro é um fator que não deve passar despercebido por parte do professor, quer no ensino básico, quer no ensino secundário, embora por diferentes razões. Alunos menos habilidosos sentem-se menos observados pelos professores e como tal têm menos oportunidades de aprender (Portman, cit. por Rosado & Ferreira, 2011). Num olhar mais específico, as preferências/traços de cada um dos alunos (por exemplo: afinidades, modalidades preferidas, etc.) que nos são transmitidas de

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forma subliminar (histórias que contam, pequenos gestos, etc.). Se o docente estiver consciente desta informação e de forma subtil for demonstrando que tem atenção a estes aspetos, os alunos têm a perceção de serem alvos da atenção do professor. Esta sensação leva ao sentimento de pertença a um grupo e de preocupação. Não são mais um aluno da turma, de facto o professor sabe algo sobre eles especificamente e isso transmite sensações positivas que se manifestam em comportamentos positivos nas aulas e mais tarde se transferem em competências para outros contextos durante a sua vida. Por exemplo, a turma do ensino secundário referia por vezes a existência de exames para os quais se sentiam ansiosos. Embora não fosse aceitável faltar à aula para estudar, procurei demonstrar preocupação dando algum tempo no final da aula, mesmo sabendo que para alguns esse tempo seria desperdiçado. Considero uma opção válida que aproxima o aluno do professor, demonstrando respeito e cooperação na vida dos alunos, para além da própria disciplina. Estas atitudes valeram níveis de empenho superiores na própria aula e a conquista de reconhecimento por parte dos alunos.

Apesar do ditado “faz o que eu digo e não faças o que eu faço”, considero que, e já alguém o disse, “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Acredito, pela vivência enquanto aluna e enquanto professora estagiária, que obtemos mais dos alunos, se soubermos dar na medida certa. Afinal de contas, é com os professores que os alunos passam grande parte dos seus dias e é nosso dever transformar esta influência em alterações positivas na vida destes futuros adultos.

Alguns casos que me surgiram ao longo do ano demonstraram a importância destes aspetos e deixo aqui o registo de um que acredito que possa espelhar a sensação de muitos alunos que menos dotados do ponto de vista motor: na turma do secundário a aluna A. apresentava dificuldades acrescidas ao nível motor e como tal, desde o primeiro dia que afirmava não gostar da disciplina. Antecipava-se um caso difícil, no entanto o seu empenho foi crescendo ao longo do ano e tive o prazer de ouvir, pelas suas palavras “foi a única professora que se preocupou comigo de verdade”.

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Sim eu sei, só tive uma turma e são muitos os alunos. É muito, muito, muito difícil o professor estar atento a cada um dos alunos, quando o simples nome é difícil memorizar. Também sei que é trabalhoso arranjar estratégias que permitam manter a disciplina e a autoridade nas aulas, e deixar uma imagem positiva perante os alunos, sem que eles “abusem”. Nem sempre funciona e em conversa com outros docentes é possível entender as vezes em que o professor “deu o dedo” e os alunos “quiseram o braço”. No entanto, são os professores que irão procurar atender a estes aspetos que terão maior probabilidade em marcar positivamente a vida dos alunos. Existem estratégias que facilitam, nomeadamente a correta utilização do feedback, e se a contrapartida é o trabalho, então “quem corre por gosto não cansa” e se “é para fazer, é para fazer bem feito”. Verifica-se cada vez mais o afastamento dos pais em relação aos alunos, que por vezes se intensifica nas idades pré-adultas, e na minha opinião a o papel do professor deve ser muito mais do que a mera transmissão de conhecimentos.

4.1.3.2. “Eles não gostam de educação física”

Nos momentos iniciais com os alunos uma das questões que salta logo para os primeiros diálogos é sobre a sua proximidade com a disciplina. Embora possa criar um pré-conceito para os docentes sobre um possível desempenho dos alunos, para mim é um desafio. Na escala de afinidade de cada um dos alunos, pretendo que no final o score seja melhor na medida do possível.

Perceber esta prédisposição inicial exige de imediato uma análise de medidas a tomar para incrementar a motivação dos alunos e promover um clima positivo, uma vez que considero que estes dois aspetos são fundamentais para promover um processo de qualidade. Sem estas duas esferas, que por sua vez integram outros fatores, não há exercício ou modelo que funcione. Estas estratégias são baseadas em aspetos como os mencionados no ponto anterior (pormenores sobre preferências, singularidades, gostos, relações sociais, etc.).

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Neste sentido optei por implementar um modelo híbrido/simplificado do Modelo de Educação Desportiva (MED) na turma do ensino básico, uma vez que percebi que mais depressa aderiam a este tipo de exigências. Considero que funcionou muito bem e todos os alunos estavam envolvidos nas tarefas. Para um dos casos até demais, uma vez que recebi uma queixa sobre o aluno L.. Este aluno levou a competição demasiado a sério e acabou por ameaçar alguns colegas, no entanto conversei com ele e dei-lhe a escolher entre este tipo de aulas ou aulas em que não havia espaço para diálogo. A questão ficou resolvida e não se voltou a falar no assunto. Esta estratégia funcionou melhor do que estava à espera e perante uma turma difícil (muitos alunos repetentes), não senti qualquer dificuldade no controlo da turma e obtive resultados que considero positivos. Melhoraram as suas relações interpessoais, demonstraram evolução na aquisição de valores como a cooperação, fairplay, sinceridade, aceitação, esforço e responsabilidade. Foi um desafio ainda maior sendo que esta turma tinha o dobro de alunos comparando com a turma do ensino secundário, mas registo um saldo positivo.

Relativamente à turma do secundário a apatia e o desinteresse era maior, pelo que entendi que o MED não iria resultar, então recorri a pequenas tarefas com base neste modelo. Com o obstáculo da disciplina não contar para a média de acesso ao ensino superior, percebi que apesar dos alunos serem obedientes, não realizavam com afinco as tarefas que eram propostas. Então, como ia motivar adolescentes e jovens adultos para as aulas? Procurei implementar várias estratégias e uma delas prendia-se com a avaliação teórica exigida. Não sendo uma seguidora dos trabalhos regulamentares ou dos testes escritos, pesquisei uma forma de ligar a área de especialização dos alunos (artes e audiovisuais) com a disciplina. Concurso de fotografias (altetismo), cartaz de evento (natação), flyer alusivo à final do campeonato de europa (futebol), vídeo livre (judo), organização de um torneio com a turma (basquetebol). Apesar de alguns alunos realmente mostrarem interesse e preferência, a maioria mostrava apatia em relação a estas tarefas. Por serem idades onde os amigos ganham valor acrescido procurei que as aulas fossem muito interativas e considero que

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esse foi o ponto chave para o aumento da motivação e criação de um clima positivo.

Numa aula durante o meu primeiro ciclo no ensino superior, o professor referiu que “nós gostamos de fazer aquilo que sabemos fazer”. Questionei-me logo porque é que a matemática é das disciplinas menos apreciadas, e é onde os alunos apresentam resultados menos positivos. Então, se os meus alunos não gostam de educação física porque não se sentem competentes a fazê-lo, é o meu dever criar situações de sucesso para que a sua perceção de competência seja superior. Sim, dá muito trabalho, mas foi esta a minha linha orientadora em todas as aulas, no que diz respeito à operacionalização da aula. Nem sempre bem sucedida, porque daqui emergem as dificuldades de estar perante alunos com capacidades muito distintas. Optei então por colocar em prática a cooperação entre os alunos para ultrapassar mais esta barreira. Para além destas decisões, defini para cada aluno (ou grupo de alunos caso fosse possível) um conjunto de objetivos que lhes eram transmitidos de forma informal, ou seja, cada aluno sabia até onde tinha que chegar e porquê. Estas metas eram objetivas, auxiliando os alunos a manter o foco em objetivos realistas, permitindo que o aluno vivenciasse o sucesso e evitando a frustração. Foi um caminho de avanços e recuos, que no fundo tiveram resultados positivos.

A par de todas as estratégias que procurei experimentar, os aspetos mencionados anteriormente (relação entre professor e aluno) foram fundamentais para o decorrer das aulas. Para os alunos, procurei ser uma professora acessível, com quem podiam falar abertamente e serem sinceros. Para o secundário, onde o crescimento psicossocial ganha outros contornos, e para o básico, onde a formação social é fundamental, foi a melhor forma de os levar a cumprir as atividades com interesse, concentração e empenho, aliando o desporto à educação e desenvolvimento de competências e da personalidade.

Segundo Henrique e Januário (2006), os processos psicológicos fumentam ações, quer dos professores, quer dos alunos, e como tal são poderosos preditores do futuro. De acordo com o Modelo de Pensamento e Ação do Professor de Clark e Peterson (1986) apresentado por Henrique e Januário

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(2006), os comportamentos dos professores, dos alunos e os seus resultados, têm uma influência recíproca. No estudo realizado pelos mesmos autores, a autoperceção dos alunos corresponde às expectativas dos professores. Palardy (1969) citado por Henrique e Januário (2006, p. 201) afirma que “a proposição de uma profecia é, também, um ato de criação das condições para que ela aconteça”. Segundo o estudo de Henrique e Januário (2006) cerca de metade da amostra dos estudantes demonstram perceções coincidentes com as expectativas do professor. Toda esta informação emergente de estudos na área da docência e, mais especificamente, na disciplina de educação física, realça o papel fundamental da relação do professor na motivação e nos resultados dos alunos. Indo ao encontro do ponto anterior, a forma como o professor comunica, mesmo nos pequenos detalhes, é essencial e passa sempre uma informação que é percebida pelos alunos. Esta informação não pode de forma alguma ser menosprezada, podendo induzir os alunos a comportamentos menos positivos.