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O Programa de Agentes Comunitários de Saúde: entre o sucesso do programa e a precarização do trabalho

O Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Ministério da Saúde foi concebido a partir da experiência do Ceará, iniciada em 1987, como parte de um programa emergencial de geração de empregos para socorrer o estado, que passava por mais um dos períodos de seca que costumam atingir a região. Em 1988, findo o período de emergência, cessou o apoio do governo federal ao Programa; mesmo assim, cerca de 150 agentes permaneceram desenvolvendo suas atividades sem remuneração, demonstrando o sucesso do Programa (Freedheim, 1993). Desse modo, em 1989, o governo do Estado do Ceará assumiu a decisão de financiá-lo permanentemente. Alguns dados

representativos do êxito do programa podem ser identificados por meio das palavras de Judith Tendler:

Antes do início do programa de medicina preventiva, em 1987, os indicadores de saúde do Ceará e o acesso aos serviços de saúde estavam entre os piores da América Latina. O índice de mortalidade infantil, de 102 para cada mil crianças, era o dobro do registrado em todo o Brasil.

Em 1992, depois de apenas cinco anos de operação, o novo programa de medicina preventiva – que recebeu o nome de Programa de Agentes de Saúde – PAS [...] mudou enormemente essa situação. A mortalidade infantil diminuiu 36%, caindo para 65 por cada mil [...]. (Tendler, 1998, p. 38-39).

Em 1991, a experiência do Ceará foi institucionalizada como política oficial do governo federal, por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Ministério da Saúde. Seu objetivo geral consistia em "melhorar, através dos agentes comunitários de saúde, a capacidade da população de cuidar da sua saúde, transmitindo-lhe informações e conhecimentos e contribuir para a construção e consolidação dos sistemas locais de saúde" (Brasil, 1994, p. 2). A meta principal era a redução da mortalidade infantil e suas atribuições eram (Brasil, 1994, p. 7):

• realizar ações básicas de saúde, de acordo com seu nível de

competência, por meio de visitas domiciliares, reuniões de grupos ou outras modalidades;

• desenvolver atividades de educação em saúde individual e coletiva;

• estimular a organização da comunidade;

• desenvolver outras atividades pertinentes com sua formação;

• registrar as atividades desenvolvidas no seu trabalho e encaminhá-

las à coordenação municipal do programa.

Inicialmente, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde foi implantado em 13 estados das regiões Norte e Nordeste. Posteriormente, ele foi estendido para as demais regiões do Brasil. Os critérios definidos pelo Ministério da Saúde para a implantação do Programa nos municípios eram:

• a solicitação para implantação do Programa deve ser feita pela

Secretaria Municipal de Saúde à Coordenação Estadual do Programa de Agentes Comunitários de Saúde;

• o Conselho Municipal de Saúde aprova e participa da implantação do

Precarização do trabalho do agente comunitário de saúde: um desafio para a gestão do SUS

• existência de Fundo Municipal de Saúde;

• existência do profissional enfermeiro, contratado pelo município, com

disponibilidade para assumir a coordenação, a capacitação e a supervisão dos agentes comunitários de saúde, na proporção de um enfermeiro para, no máximo, trinta agentes;

• existência de Unidade de Saúde de referência na área onde o programa

é implantado.

A inserção dos agentes nos serviços públicos de saúde dá-se por meio de processo seletivo que obedece a requisitos formais definidos pelo Ministério e pelas secretarias de saúde. Nesse sentido, o perfil do agente comunitário atende aos seguintes critérios: residir na comunidade há pelo menos dois anos; ter idade mínima de dezoito anos; saber ler e escrever; ter disponibi- lidade de tempo integral para exercer suas atividades.

Nogueira, Silva e Ramos, em artigo que discute a inserção laboral e institucional do agente comunitário de saúde (2000, p. 14), afirmam que "as características da atuação dos agentes comunitários de saúde exigem modalidades de contratação compatíveis com seus propósitos de trabalho, assegurando, acima de tudo, sua identificação e relacionamento com a comunidade". Não somente pela exigência de adequar as modalidades de contratação ao perfil social do agente, os dirigentes vêm utilizando as mais diversas formas para contratar o trabalho do agente comunitário de saúde. Ainda nesse artigo os autores destacam:

Desde sua inauguração como política de governo, a inserção do agente comunitário de saúde (ACS) na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) tem suscitado polêmica a respeito da forma mais adequada de relações de trabalho que deve ser adotada para que se possa contar de modo sustentável com esse tipo de recurso humano. Essa polêmica é alimentada, em parte, pela demanda de atendimento a direitos trabalhistas e sociais, visto que, atualmente, em sua grande maioria, os ACS estão submetidos a relações informais de trabalho. Também surge do fato que algumas das alternativas propostas – tal como sua admissão ao quadro de servidores públicos – são muitas vezes encaradas como inadequadas para uma função que exige um relacionamento estreito e permanente com a comunidade onde esses trabalhadores são recrutados. Essa discussão, tendo ocorrido reiteradamente em âmbito nacional e municipal, ficou conhecida como "a questão das modalidades de contratação" (Nogueira, Silva e Ramos, 2000, p. 1).

Os autores citados identificam algumas das mais usuais formas de contratação do trabalho dos agentes comunitários de saúde utilizadas pelas secretarias municipais de saúde: contrato regido pela CLT com prazo indeterminado (via administração direta, via associação e via empresa); estatutário (via administração direta); cargo comissionado (via administração direta); contrato excepcional por tempo determinado (via administração direta); contrato autônomo (via cooperativa); prestação de serviços (via administração direta). Algumas dessas formas de contratação utilizadas pelas secretarias municipais de saúde, em sua maioria típicas das formas de terceirização do trabalho em saúde, contribuem marcantemente para a precarização do trabalho do agente comunitário de saúde.

Segundo Cherchglia (1999, p. 382),

o processo mais geral de precarização das relações de trabalho, na saúde, é evidenciado pelas inúmeras formas de contratação, seja pela terceirização (contratos temporários, de prestação de serviços), pela cooperativização do trabalho ou pelo contrato individual por tempo determinado.

O estudo Avaliação de Tendências e Prioridades sobre Recursos Humanos de Saúde, realizado pela Rede de Observatórios de Recursos Humanos em Saúde no ano de 2002, demonstra que 69,9% dos gestores e 56,3% dos trabalhadores entrevistados acreditavam que a terceirização por entidades sem fins lucrativos iria ser expandida. Esse resultado parece dizer que as entidades sem fins lucrativos poderiam ser parceiras que permitiriam arranjos flexíveis no Sistema Único de Saúde. Essa pesquisa também informa que a grande maioria dos gestores estudados entendia que a redução dos custos com encargos sociais e trabalhistas ajudariam a diminuir a informalidade do trabalho no Sistema Único de Saúde.

Metodologia

Este estudo é do tipo descritivo com abordagem predominantemente qualitativa e teve como foco de investigação as formas de inserção no trabalho dos agentes comunitários de saúde de duas áreas regionais do Rio Grande do Norte.

Foram pesquisados dezesseis municípios com população a partir de 5 mil habitantes da VI Ursap e os seis municípios que integram a Grande Natal, tendo como sujeitos da pesquisa os gestores municipais de saúde.

Precarização do trabalho do agente comunitário de saúde: um desafio para a gestão do SUS

Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada, seguindo um roteiro com nove questões, sendo três fechadas e seis abertas. Para Minayo (1994, p. 57), a entrevista "não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada". Foram também utilizados, como fonte de informações, alguns documentos da Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte: relatório de gestão e documentos técnicos.

Foram assegurados a todos os entrevistados a liberdade para participação no estudo e o cumprimento dos preceitos éticos contidos na resolução 196/96 do CNS/MS, garantindo o anonimato e o retorno dos resultados do estudo.

As falas foram analisadas, considerando a análise de conteúdo apresentada por Bardin (1977), buscando estabelecer a interpretação das respostas, por meio da organização do material, do encontro dos significados e do estabelecimento de categorias. Assim, visando enriquecer a análise foram citados trechos de algumas falas.

Foram selecionadas como áreas para o estudo secretarias de saúde localizadas na VI Regional de Saúde e na região da Grande Natal. Essas regiões estão localizadas em pólos extremos do estado, com características bem diferenciadas.

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