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2.2 SIGNIFICADO DO TRABALHO

2.2.1 Conceitos básicos do significado do trabalho

2.2.1.3 D ESENVOLVIMENTO DOS ESTUDOS SOBRE O SIGNIFICADO DO TRABALHO

2.2.1.3.2 Projeto MOW: o significado do trabalho como construto legítimo

O projeto Meaning of Work International Research Team – MOW adotou um modelo heurístico pragmático para estudar o significado do trabalho, com foco em realizar um estudo descritivo do tema a partir do enfoque dos valores do trabalho. O projeto foi composto por 14 grupos de pesquisa apoiados por institutos e universidades de diversos países que, entre 1978 e 1984, empreenderam uma pesquisa do tipo survey abrangendo oito países industrializados: Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, Israel, ex-Iugoslávia e Japão. Em cada um desses países, o projeto tomou duas amostras, sendo uma representativa e outra de 10 grupos ocupacionais, atingindo aproximadamente 15 mil respondentes (MOW, 1987).

Ao longo dos estudos, os pesquisadores do MOW (1987) passaram a considerar os significados do trabalho como sendo tanto crenças e valores, quanto expectativas que os indivíduos têm a respeito do trabalho, sendo influenciados pelo contexto social, por intermédio de agentes de socialização, tais como família, escola e organizações (MOW, 1987). Esse conceito, segundo Bastos, Pinho e Costa (1995), é fruto da tentativa de recomposição de uma área de estudo excessivamente fragmentada e, possivelmente, segundo Ros e Grad (2006), a ideia advém da própria ausência de uma teoria unificada sobre o significado do trabalho. Sendo assim, pode-se dizer que uma das principais realizações do MOW foi construir o próprio conceito de significado do trabalho (BASTOS; PINHO; COSTA, 1995) e, posteriormente, identificar variáveis explicativas para o seu modelo heurístico, conforme Quadro 2.

Quadro 2. Variáveis do projeto MOW

Tipo de Variável Descrição

Condicionais Circunstâncias pessoais e familiares: religião, educação, família, atividade do cônjuge, atividade atual, histórico de carreira (cargo, tempo de casa, tempo de desemprego), ambiente econômico e social, religião etc.

Centrais Centralidade do trabalho; Normas sociais acerca do trabalho; Resultados valorizados do trabalho; Objetivos do trabalho e Papel do Trabalho.

Consequências Expectativas subjetivas sobre o trabalho no futuro e Resultados esperados no futuro Exemplo: ascensão. Fonte: Autora, baseada em MOW (1987)

Para obter os três construtos centrais e diretrizes do trabalho do MOW [Quadro 2 – Variáveis centrais do modelo], os pesquisadores empregaram a técnica estatística de análise fatorial, que resultou em cinco fatores primários: Centralidade do Trabalho; Normais Sociais orientadas para os Direitos; Normas sociais orientadas para os Deveres; Função econômica do Trabalho; Resultado Intrínseco ou Expressivo; e Contato Interpessoal para o Trabalho. Realizadas as análises estatísticas, algumas dimensões foram excluídas, remanescendo as três dimensões definitivas e centrais do modelo, apresentadas no Quadro 3.

Quadro 3. Dimensões do modelo MOW

Dimensão Definição

Centralidade do trabalho Grau de importância geral que o trabalho possui na vida do indivíduo em determinado momento, comparado com outras esferas da vida. Normas sociais do

trabalho

Relação que o indivíduo estabelece com as normas socialmente aceitas sobre o trabalho. Funcionam como padrões sociais de coesão e de balizamento das avaliações sociais acerca das recompensas obtidas pelo trabalho. Essa dimensão foi dividida em dois conjuntos deveres e direitos. São também chamados de normas societais.

Resultados e objetivos valorizados do trabalho

Valores relacionados às finalidades que as atividades de trabalho representam a cada indivíduo.

Fonte: Autora, baseada em MOW (1987)

Essas dimensões foram explicadas por M.A.Gouveia, Kubo e Mantovani (2013) pela ordem de importância atribuída a cada uma delas, com as variáveis mais fortes, por meio de uma ilustração adaptada do projeto MOW, abaixo reproduzida na Figura 2.

Figura 2. Representação estruturada do significado do trabalho

Fonte: Reprodução adaptada (M.A.GOUVEIA; KUBO; MANTOVANI, 2013)

Na representação gráfica da Figura 2, a centralidade do trabalho está no centro para mostrar o ponto-chave do significado do trabalho. No círculo imediatamente exterior, estariam as normas sociais em suas orientações e gradações [vistas pelas pessoas como justas, honestas e socialmente aceitas]. No círculo externo, ficariam os resultados valorizados do trabalho, que são os mais difíceis de serem medidos, de maior abrangência e variedade das escolhas individuais, bem como vários graus de abstração dos objetivos, que variam desde o mais específico e determinado até o mais abstrato, como a autoexpressão por meio do trabalho (M.A.GOUVEIA; KUBO; MANTOVANI, 2013).

Analisando os resultados de suas avaliações empíricas, o MOW combinou esses fatores para que eles formassem padrões de significado do trabalho, com vistas ao aprofundamento da compreensão do significado do trabalho, bem como à generalização dos padrões em diversos países. A equipe utilizou a técnica estatística de análise de agrupamentos para definição de grupos e, posteriormente, empregou a técnica de análise discriminante múltipla. Dessas combinações, foram obtidos quatro padrões de significado do trabalho: o padrão instrumental [30%], composto por pessoas que dão mais importância aos resultados econômicos do trabalho e valorizam pouco os aspectos intrínsecos dele; o padrão de alta centralidade [25%], composto por pessoas que valorizam a expressão por meio do trabalho e não veem o salário como o resultado mais importante; o padrão de orientação para o direito

e o contato [20%], composto por pessoas que enfatizam as normas de direito e dão alto valor ao contato social; e, por fim, o padrão de baixo direito [25%], composto por pessoas que tendem a não valorizar as normas de direito e dão um valor médio às obrigações (MOW, 1987).

Considerando que vários dos pesquisadores citados na fase anterior fizeram parte do projeto MOW (1987) com suas várias abordagens temáticas, a orientação conceitual do MOW não foi única. Segundo Borges, Tamayo e Alves-Filho (2005), para abordar o significado do trabalho, a equipe considerou a noção de (a) multicausalidade, pois analisou a variabilidade dos significados atribuídos ao trabalho pelos indivíduos, considerando ocupação, nível de instrução, idade, gênero e nacionalidade; e o (b) caráter sistêmico, porque apresentou o conceito de padrões de significado do trabalho, que consiste na combinação das quatro dimensões [Quadro 3], conforme a intensidade com que ocorrem, compartilhadas por grupos de amostras.

Analisando o trabalho da equipe MOW, Borges, Tamayo e Alves-Filho (2005) salientam a robustez do projeto na popularização do tema significado do trabalho no contexto da psicologia, assinalando a relevância do modelo pelos seguintes aspectos: (a) disseminação do conceito de centralidade do trabalho; (b) descoberta da centralidade do trabalho em vários países, mesmo a despeito das previsões de sua queda em favor de outras esferas como lazer, oportunizadas pelas mudanças tecnológicas no mundo do trabalho; (c) fato de o MOW ter trazido uma dimensão de normas societais como parte do significado do trabalho; e (d) consideração do caráter sistêmico dos padrões do significado do trabalho (BORGES; TAMAYO; ALVES-FILHO, 2005). Quanto às limitações do MOW, os autores apontaram: (a) o caráter estático do estudo, uma vez que o mesmo não considerou o processo de mudança do significado do trabalho para cada país; (b) a extensão da amostra, necessitando de técnicas e procedimentos que limitaram a apreensão da variabilidade de intensidade dos aspectos de cada dimensão do significado do trabalho; (c) ausência do pensamento crítico sobre o trabalho humano, a exemplo da teoria marxista. Finalizando, sintetizam o trabalho do MOW como uma articulação entre análise e síntese: análise, porque explora o significado do trabalho por meio das quatro dimensões, e síntese, porque recompõe o seu todo no conceito de padrões (BORGES; TAMAYO; ALVES-FILHO, 2005).

Mourão e Borges-Andrade (2011) elegem como uma das maiores contribuições da equipe MOW a demonstração de que grande parte do significado atribuído ao trabalho é moldada pela institucionalização do trabalho e por sua relação com outros papéis da vida do indivíduo. Para esses autores, o significado do trabalho funciona duplamente, tornando o

processo mais complexo: assim como as experiências e condições de trabalho afetam a atribuição de significado ao trabalho pelos indivíduos, eles próprios também emitem ou atribuem significados ao trabalho que podem mudar as organizações e as estruturas sociais, o que pode afetar a vida das organizações em áreas como conflito e produtividade, por exemplo (MOURÃO; BORGES-ANDRADE, 2011). Pode-se dizer que a importância do modelo MOW não está somente em seu escopo e alcance, mas também no fato de ser um modelo heurístico pragmático, o que propiciou a formação de uma espécie de escola pós-MOW, com pesquisas que replicaram o modelo, a fim de testar relações, avaliar estabilidade ou criticar e criar novos modelos.