• Nenhum resultado encontrado

Promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004: concessão da autonomia às

4. AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

4.2 Promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004: concessão da autonomia às

Com a previsão de um órgão específico para a prestação da assistência jurídica, de forma integral e gratuita, aos necessitados, pelo Estado, a Constituição Federal de 1988 impõe a criação das Defensorias Públicas para esse fim. São criadas, assim, as Defensorias Públicas Estaduais para atuarem na Justiça Estadual, e a Defensoria Pública da União para a defesa dos direitos dos hipossuficientes na Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais

Superiores (STF, STJ, TST, TSE e STM) e instâncias administrativas da União.90

Apesar da previsão da criação dessa instituição, a Constituição não garantiu a atuação daquela de maneira autônoma, nos moldes do Ministério Público, de forma que iniciou sua atividade vinculada ao Poder Executivo respectivo. Dessa forma, passou anos defendendo os direitos dos economicamente necessitados e dos grupos vulneráveis nos limites estabelecidos por aquele Poder.

Em face dessas restrições e da necessidade de uma atuação mais livre e mais direcionada aos interesses dos seus beneficiários, a Defensoria Pública lutou para que lhe fosse concedida autonomia, desvinculando-se do Executivo, visto que muitas vezes litigava contra este.

Foi apenas no ano de 2004, com promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em que houve uma grande reforma do Judiciário, que a Defensoria Pública conquistou, em parte, sua autonomia. Foi concedida apenas às Defensorias Públicas Estaduais, ficando de fora a da União. Acrescentou-se, ao artigo 134 da Constituição Federal de 1988, o § 2º, que dispõe nesses termos: “Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, §2º”.91

Avanço inigualável e inédito no sistema constitucional brasileiro, e sem paralelo no direito comparado, a Democracia Brasileira atinge o que talvez seja o seu ápice de amadurecimento e expansão, com a concessão às Defensorias Públicas Estaduais, órgãos imprescindíveis para a afirmação da dignidade humana e, em conseqüência,

90 Cabe observar que os estados do Paraná e de Santa Catarina ainda não implementaram suas respectivas Defensorias Públicas Estaduais, violando as imposições normativas internacionais e da própria Constituição Federal. Quanto à necessidade da instituição da Defensoria Pública nesses estados, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o "Art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina. Lei Complementar estadual 155/1997. Convênio com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) para prestação de serviço de

‘defensoria pública dativa’. Inexistência, no Estado de Santa Catarina, de órgão estatal destinado à orientação

jurídica e à defesa dos necessitados. Situação institucional que configura severo ataque à dignidade do ser humano. Violação do inciso LXXIV do art. 5º e do art. 134, caput, da redação originária da Constituição de 1988. Ações diretas julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e da Lei Complementar estadual 155/1997 e admitir a continuidade dos serviços atualmente prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de um ano da data do julgamento da presente ação, ao fim do qual deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (LC 80/1994)." BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação direta de

Inconstitucionalidade nº 3.892 e 4.270. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, 25.09.2012. Disponível

em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1297>. Acesso em 07.10.2013.

91 "A EC 45/2004 outorgou expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º): donde, ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da Defensoria Pública a Secretaria de Estado. A norma de autonomia inscrita no art. 134, § 2º, da CF pela EC 45/2004 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, dado ser a Defensoria Pública um instrumento de efetivação dos direitos humanos." BRASIL, Supremo Tribunal Federal.

Ação direta de Inconstitucionalidade nº 3.569. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 11.05.2007.

para a cidadania, de independência funcional, administrativa e financeira, permitindo a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites fixados na lei de diretrizes orçamentárias. Com isso, passam as Defensorias Públicas Estaduais a titularizar a prerrogativa constitucional, irrecusável e indisponível, de elaborar as propostas de orçamento do órgão para fazer frente às despesas de pessoal, estrutura e funcionamento, de modo a melhorar e eficientemente garantir o acesso à Justiça dos economicamente deficientes, subordinando-se, tão somente, aos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, em tudo semelhante ao que já ocorre com os poderes Legislativo e Judiciário e com o Ministério Público. E para que tal autonomia não permaneça no vazio e no plano abstrato das aspirações, a EC nº 45/04 deu nova redação ao art. 168, para determinar que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos da Defensoria Pública, lhes sejam entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, em situação idêntica da que já se verifica com os órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público.92

Diante desse dispositivo, foi concedida autonomia para essa instituição, no âmbito estadual, permitindo uma atuação mais eficaz e livre dos ditames do Executivo, de modo a ampliar o acesso à justiça na esfera estadual.

A concessão da autonomia administrativa, financeira e de proposta orçamentária às Defensorias Públicas teve significativa importância para a estruturação da instituição, garantido, ao menos no plano teórico, mais efetividade ao exercício de suas funções constitucionais. Tais avanços ganham especial relevo quando se leva em consideração que, frequentemente, a Defensoria Pública atua em prol dos interesses dos necessitados contra o Poder Público, reforçando a imprescindibilidade de se primar pela eliminação de qualquer óbice que possa a vir a tolher sua atuação de forma autônoma e independente.93

Autonomia funcional significa a possibilidade de a Defensoria exercer suas funções institucionais sem intromissões externas, livre de qualquer ingerência de outros órgãos ou Poderes,94 devendo obedecer apenas os preceitos legais. Ela é muito importante, principalmente nos casos em que atua contra o Estado, pois sua vinculação ao Executivo poderia inibir a efetiva prestação da assistência jurídica.

Anote-se que, além da autonomia funcional da Defensoria Pública, os Defensores Públicos gozam de liberdade funcional, pois em sua atividade não pode haver intromissão de colegas de carreira, nem de superiores hierárquicos. Só se concebe uma hierarquia administrativa, pela chefia do órgão, nunca de índole funcional.95

92 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Reforma do Judiciário e a autonomia das Defensorias Públicas estaduais. Disponível em: < http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32232-38427-1-PB.pdf>. Acesso em 07.10.13.p. 2.

93 SOUZA, Denise Bispo de. O papel da defensoria pública na concretização do acesso à justiça. Fortaleza, CE, 2008. 82 f. TCC (graduação) - Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Direito, Fortaleza (CE), 2008. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000004/0000043F.pdf>. Acesso em: 13.08.13. p.44.

94 SOUBHIA, Fernando Antunes. Defensoria Pública, III Pacto Republicano e PEC 487/2006: A

necessidade do reconhecimento da autonomia da Defensoria Pública da União como primeiro passo a um sistema de acesso à justiça democrático. Encontro Nacional do CONPEDI (21: 2012: Uberlândia, MG). Anais

do [Recurso eletrônico] XXI Encontro Nacional do CONPEDI. – Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012. p. 351. 95 Ibidem. p. 351.

Já a autonomia administrativa refere-se ao poder concedido à instituição de autorganizar sua administração e praticar atos administrativos, no âmbito de sua discricionariedade, cabendo, por exemplo, administrar as unidades administrativas, praticar atos de gestão, organizar seu quadro funcional, propor ao Legislativo a criação e a extinção de seus serviços auxiliares, prover seus cargos nos termos da lei, determinar a política remuneratória e o plano de carreira de pessoal96 e adquirir bens para a estruturação, manutenção e consumo.97

A independência no âmbito Administrativo adquirido pela EC 45/04 pode ser notada nos atos auferidos pela própria Defensoria dentro de seus domínios, possuindo ampla eficácia e executoriedade imediata em sua estrutura, atos estes, percebidos no que tange a gestão do órgão, a decisões proferidas em relação a funcionalidade dos próprios agentes da instituição independente da efetiva atuação, bem como seus auxiliares, a aquisição de bens e contratação de serviços, provimento de cargos, folhas de pagamento etc.

Com isso, conclui-se o quão importante esta autonomia, no que diz respeito à celeridade das decisões prolatadas por atos da própria Defensoria, sem a obrigação da ratificação do Poder Executivo, tendo discricionariedade nas suas ações desde que respeitados os devidos limites legais.98

Por fim, a autonomia financeira é a liberdade de a instituição elaborar sua proposta orçamentária, respeitando os limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, bem como gerir seus próprios recursos e determinar as prioridades dos gastos, nos limites dos recursos a ela destinados.99

Dessa forma, a concessão da autonomia administrativa, funcional e financeira às Defensorias Públicas Estaduais possibilita que estas atuem com maior liberdade, desvinculando-as do Poder Executivo, e mais enfocadas nos interesses dos seus usuários, ampliando e dando mais efetividade ao acesso à justiça.

Todavia, como dito anteriormente, a Emenda Constitucional nº 45 restringiu a autonomia da Defensoria Pública apenas no âmbito estadual. Com isso, sem qualquer fundamento razoável, a Defensoria Pública da União permanecia vinculada ao Executivo, mais especificamente ao Ministério da Justiça.

Comentado sobre o tema, José Afonso da Silva:

96 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª. ed.. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 616. 97 BARROSO, Kátia da Silva Soares; LIMA, Lucienne Borin. Direito fundamental à Defensoria Pública. Revista Ciência Jurídica e Sociedade da Unipar. Umuarama. v. 10, n. 2, jul./dez. 2007, p. 390.

98 SILVA, Pedro Davi Araújo da. A relevância da autonomia da Defensoria Pública trazida pela Emenda

Constitucional 45/2004. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2577>.

Acesso em 07.10.13

Não se sabe quais razões levaram o legislador reformista a essa discriminação, concedendo essa autonomia somente às Defensorias Públicas Estaduais, e não às Defensorias Públicas da União, que tem o mesmo assento constitucional; a não ser a admissão de que as Defensorias Públicas Estaduais são, hoje, instituições fortes, e souberam exercer pressão mais eficaz sobre o legislador.100

Essa anomalia sistêmica da Defensoria permaneceu por quase dez anos até que, em 2013, finalmente a Defensoria Pública da União conquistou sua autonomia nos moldes da concedida às estaduais.