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PRONAF B – UMA BREVE ANÁLISE DO MICROCRÉDITO DO PRONAF

3 O PAPEL DO PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR – PRONAF

3.3 PRONAF B – UMA BREVE ANÁLISE DO MICROCRÉDITO DO PRONAF

O grupo B do PRONAF Crédito foi criado em 2000 e disponibiliza recursos para pequenos investimentos em atividades agrícolas e não agrícolas no meio rural, tais como: compra de pequenos animais, artesanato, implementos para fabricação de alimentos, caixas de abelha, manutenção da propriedade e da própria família, etc. A partir do Plano Safra 2005/2006 o PRONAF B passou a ser concedido na forma de Microcrédito Rural.

Segundo Ferraz e outros (2008), a definição de microcrédito abriga três variáveis essenciais: é dirigido para os pobres; o valor dos empréstimos é pequeno e; inexiste a necessidade de garantias. Para os autores, embora unânime, a definição de microcrédito atualmente possui duas perspectivas distintas, conforme a concepção que o embasa. A primeira parte do entendimento de microfinanças, formulada a partir de um paradigma liberal, e identifica no microcrédito a virtude de geração de emprego e renda e a inserção no mercado, além de um nicho de mercado, pois percebe a possibilidade de oferecer um conjunto de outros serviços financeiros aos pobres, tais como a captação de poupança. Desta forma, microcrédito deve ser concedido aos empreendedores pobres e para atividades produtivas e planejadas que aliviariam a pressão por consumo desses segmentos.

Na segunda perspectiva, o microcrédito é substancialmente uma política de enfrentamento da pobreza e da miséria e deveria ser concedido a qualquer pessoa pobre que pudesse honrar seu pagamento sem direcionar o investimento, o que implica na possibilidade de utilizá-lo para atividades produtivas ou de melhoria da qualidade de vida. Os autores afirmam que esta perspectiva se aproxima da concepção de desenvolvimento formulada por Amartya Sen13

(2000), para quem a pobreza não é apenas a privação de renda, mas também, e principalmente, a privação de capacidades, como o analfabetismo, a doença, a miséria, a falta de acesso ao crédito, a falta de serviços públicos dentre outras.

Seguindo esta segunda perspectiva, tem-se que o PRONAF B constitui-se numa linha de microcrédito rural direcionado para produção e geração de renda das famílias agricultoras mais carentes do meio rural. Assim, o público-alvo compreende os agricultores familiares mais necessitados, em sua maioria com acesso limitado aos meios de produção; carentes de organização; com pouca terra, sem terra ou ocupando-a de forma precária; com baixos ou inexistentes níveis de integração; alto índice de analfabetismo e inexistência ou insuficiência do exercício da cidadania, mesmo que, em sua forma mais singela, como a identificação pessoal. Para Bastos (2006), o público-alvo do PRONAF B é clientela potencial para as políticas públicas compensatórias.

Conforme Magalhães e Abramovay (2006), o propósito da criação desta linha de crédito B foi garantir a inserção de um maior número de beneficiários, justamente os mais pobres, cuja

13 Para Sen (2000), o desenvolvimento consiste na eliminação de provações de liberdade que limitam as escolhas

precariedade no controle sobre os meios de produção, fragilidade de organização e extrema pobreza, impediam ao acesso ao crédito. Daí, porque, este Programa assumiu uma significativa importância, tanto em relação ao número de agricultores familiares e/ou pescadores artesanais atendidos, como em relação ao montante de recursos liberados, com repercussões variadas no que tange aos resultados por ele proporcionados.

As famílias beneficiadas por esta política pública devem possuir renda bruta anual familiar de até R$ 4 mil reais, sendo que até 70% da renda pode ser proveniente de outras atividades além daquelas desenvolvidas no estabelecimento rural, como as famílias pescadoras, extrativistas, ribeirinhas, quilombolas e indígenas que desenvolvam atividades produtivas no meio rural. Pode ser acessado até R$ 2.000,00 por operação para pagamento no prazo de até dois anos. A taxa de juros é de 0,5% ao ano e se o crédito for pago em dia a família terá um desconto de 25% sobre o valor da parcela paga. Para acessar o crédito é preciso que as famílias possuam: DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF – que enquadra a família como público do PRONAF Grupo “B”; proposta de crédito elaborado pela Empresa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural; CPF regularizado. Todos esses documentos são encaminhados ao agente financeiro para realização da contratação, sendo que trabalham com o PRONAF Grupo B, os três bancos públicos federais oficiais: Banco do Nordeste, Banco do Brasil e Banco da Amazônia. As operações do PRONAF B são realizadas com risco integral da União ou dos Fundos Constitucionais, dependendo da fonte de origem do financiamento (BRASIL, 2009). Por razões históricas, a grande maioria dos agricultores familiares pobres vive no Nordeste, sobrevivendo através da agropecuária para autoconsumo em áreas diminutas e com pouca possibilidade de uma vida digna, dependendo de programas assistenciais. Ainda podem estar residindo na periferia das cidades mais próximas à gleba que cultivam dependendo de ocupações precárias para sua sobrevivência. Usualmente participam de relações de troca com baixa monetarização em que a confiança se restringe à relação pessoal, decorrência de laços afetivos ou de consangüinidade, mas sem afinidade com direitos de propriedade (BASTOS, 2006).

O PRONAF B, enquanto política de crédito direcionada às famílias rurais mais pobres, ainda apresenta limitações para uma adequada inserção desse grupo social. Isto porque, além dos marcos legais que transcendem às peculiaridades de cada modo de organização da produção e

reprodução social das famílias a que pretende atender, o PRONAF B traz no seu bojo ambigüidades quanto aos mecanismos de promoção destes agricultores, como ocorre quanto ao tipo de financiamento, atividades, limites e prazos de amortização14.

Para Bastos (2006), o problema é que as experiências de intervenção pública dessa ordem, em sua maioria, se frustraram por não levarem em consideração as especificidades dos distintos grupos, por falta de prioridade de atendimento e por não estruturarem mecanismos institucionais apropriados, dentre outros aspectos, dificultando ou impossibilitando o atendimento de seus objetivos e metas.

Silva (2007) ressalta o fato de que a gestão dos recursos de crédito para os agricultores familiares está muito mais relacionada à compreensão da lógica de produção desse segmento do que ao controle rígido, fiscalizatório, da ação destes agricultores. A partir desta afirmação, pode-se inferir que a compreensão e consideração das particularidades dos grupos sociais beneficiados, principalmente quando estes se caracterizam por muitas diferenças, como ocorre com o da agricultura familiar, são decisivos para que as políticas públicas consigam cumprir seus objetivos de promover o desenvolvimento sócio-econômico.

O público alvo do PRONAF Crédito é bastante heterogêneo, e tais diferenças foram levadas em conta para a criação dos diversos enquadramentos. Contudo, os grupos sociais presentes num mesmo enquadramento, como no caso do PRONAF B, também possuem características distintas que variam de acordo com o tipo de espaço em que estão inseridos, com sua relação com a natureza, com a reprodução humana e social que os deram origem, com seu modo de organização e produção, com a infra-estrutura social e de serviços que tem a disposição dentre outros fatores.

Nesse sentido, Alves (2001) alerta que entre 80% e 87% dos estabelecimentos agrícolas no Brasil estão à margem da modernização. Esse quadro se faz dramático, na visão do autor, quando o estabelecimento não permite remunerar adequadamente o “empreendedor”, na medida em que sua renda líquida e a renda familiar se tornam instáveis. Para o autor, a exclusão se faz pela tecnologia e pela renda decorrente das atividades agrícolas, não sendo possível manter em longo prazo um agricultor residindo no imóvel se sua renda líquida é

negativa. Desta forma, a inserção do agricultor está relacionada diretamente com as potencialidades agrícolas do estabelecimento. Assim, as políticas púbicas devem estar alinhadas com as singularidades de cada grupo de agricultores familiares, bem como o modo de produção e reprodução social.

Dessa forma, pode-se afirmar que a política pública deve ser adaptável, deve conseguir se inserir nos distintos “modos de vida” dos agricultores familiares e vir acompanhada de mecanismos que façam com que sua função precípua, que é o desenvolvimento sócio- econômico e melhoria de vida dos indivíduos, seja de fato cumprida em cada grupo social distinto. Para o PRONAF B, mais especificamente, é sabido que um dos principais entraves para a geração de renda e reembolso dos empréstimos é a falta de assistência técnica adequada para o acompanhamento dos projetos. Neste caso, um dos mecanismos essenciais do PRONAF B seria a obrigatoriedade de assistência técnica adequada durante todo o projeto. Em pesquisa de campo realizada em seis municípios do Nordeste para avaliar os impactos do PRONAF B sobre as comunidades locais, onde foram realizadas 299 entrevistas, Silva (2007) observou que:

• Para boa parte dos agricultores entrevistados, o PRONAF B não significou mais do que um pequeno empréstimo. Na maioria das situações, constatou-se que os péssimos resultados obtidos são oriundos de investimentos mal sucedidos, ou seja, o crédito não produziu o que os agricultores esperavam.

• Embora a maioria dos beneficiados entrevistados tenha a percepção de que o PRONAF contribuiu para a melhoria de sua condição de vida, entretanto, economicamente, não existiu nenhuma mudança do ponto de vista estrutural.

• A falta de assessoramento aos empreendimentos muitas vezes levava os pronafianos a investirem o seu crédito de maneira inadequada.

• O PRONAF B não está “descolado” de outras políticas governamentais, uma vez que a análise da composição da renda dos agricultores pesquisados revelou que, nesse aspecto, é expressiva a participação de programas, como o Bolsa Família, o PETI e a Bolsa Escola.

• O entendimento por parte dos agricultores familiares do PRONAF B como complemento de políticas assistencialistas do governo federal, pode ser apontado como fator que contribui para os “deslizes” na aplicação do crédito.

• A não aplicação do crédito na atividade prevista no projeto se constitui numa estratégia de sobrevivência, na medida em que os recursos são utilizados para minimizar a precariedade das condições em que vive parcela considerável dos pronafianos do grupo B, isto é, o financiamento é uma forma de resolver problemas mais imediatos do cotidiano.

• Há um reconhecimento de que o valor do crédito é muito pequeno para realizar um grande investimento, mas também compartilham da idéia de que a aplicação desse pequeno investimento se estiver articulado com outras atividades pode contribui para assegurar a sua reprodução socioeconômica.

• A elevação da auto-estima das famílias que tiveram acesso aos recursos do programa é, talvez, um dos mais importantes resultados observados pela pesquisa, na medida em que fizeram com que os beneficiários, segundo suas próprias palavras, passassem a ser vistos pelos outros como “gente”. Capazes, como qualquer cidadão, de entrar de cabeça erguida no banco e retirar um empréstimo. Eles se sentem mais dignos menos marginalizados.

Apesar dos problemas destacados, o PRONAF B pode estar provocando efeitos positivos na vida dos agricultores, na medida em que: a) contribui para minimizar as carências socioeconômicas da maioria dos agricultores familiares que estão inseridos na linha de pobreza; b) favorece, embora que timidamente, a formação de espaços de solidariedade e de sociabilidade; c) possibilita uma inserção no mercado, sobretudo daqueles que aplicaram corretamente o crédito; e, d) melhora a auto-estima.

Para Silva (2007), é necessário que o PRONAF B seja visto de forma articulada a outras políticas e a outras iniciativas do próprio agricultor para que, de fato, ele possa contribuir de forma mais incisiva na melhoria da condição de vida desse segmento da agricultura familiar. Na visão de Ferraz e outros (2008), o Microcrédito é um importante instrumento de política pública que colabora para o combate a miséria e a pobreza rural, por possibilitar acesso ao crédito e, por conseqüência, a bens tangíveis a um segmento social que tem sérias

dificuldades em obtê-lo de outra maneira, e, por isso, o aperfeiçoamento de seus mecanismos de controle e monitoramento e a sua ampliação em termos de montante de recursos dever ser priorizado por parte das entidades responsáveis, até porque o crédito, em qualquer linha, bem orientado e aplicado, historicamente, pode ser um eficiente meio para promover o desenvolvimento rural.

Enquanto que para Vieira (2007) é somente assegurando as condições de produção e comercialização que os beneficiados pelo programa alcançarão patamares dignos de vida conseguindo assegurar sua reprodução social e econômica de forma autônoma e que os possibilite viver sem preocupar com a continuidade dessas políticas.

Sen (2000) enfatiza que o acesso aos mercados é também um direito universal e condição para o desenvolvimento dos grupos humanos. Para os agricultores familiares de nada vale os incentivos governamentais se “as porteiras do mercado” continuarem fechadas, principalmente para o segmento mais vulnerável da agricultura familiar brasileira, em particular os do grupo B do PRONAF.

4 A INADIMPLÊNCIA DO MICROCRÉDITO DO PRONAF: O CASO DO