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SEÇÃO C – EMBARCAÇÕES E NAVIOS EM GERAL

3.25. Propulsão nuclear

a. Fissão; comparação entre combustão e fissão – No processo ordinário

da combustão, os átomos do combustível se combinam com o ar para formar os produtos da combustão. Durante o processo de queima, uma quantidade insignificante de massa é convertida em energia. Por exemplo, quando se queima o carvão, menos de um bilionésimo de sua massa é convertido em energia na produção de calor.

Numa reação físsil, quando os núcleos de certos átomos se partem, aproximadamente um milésimo de sua massa é convertida em energia calorífica.

A fissão é uma reação especial que ocorre em raros elementos, como o Urânio-235. Quando um nêutron, que é uma partícula do átomo, atinge um núcleo de U-235 e é absorvido, forma-se um novo núcleo que se parte em dois outros núcleos mais leves. Nesta transformação perde-se massa, que se transforma em energia e desprendem-se dois ou três nêutrons e produtos secundários chamados fragmentos de fissão.

Há dois resultados importantes numa reação de fissão. O primeiro é a grande quantidade de energia desprendida. A maior parte desta energia aparece como energia cinética dos fragmentos e nêutrons que resultam da fissão. Os nêutrons e os fragmentos da fissão colidem com os núcleos circunvizinhos e os põem em movimento. Estes outros núcleos, por sua vez, se chocam com os núcleos mais afastados, e assim por diante. É por meio dessas numerosas colisões que a energia dos fragmentos da fissão se propaga. Quando os fragmentos da fissão se chocam com os materiais circundantes (combustível, partes estruturais etc.), a energia se transforma em calor.

O segundo resultado da fissão é que dois ou três nêutrons são soltos, cada um deles podendo causar uma outra fissão. Isto resulta na emissão de mais nêutrons, e o número de nêutrons livres pode aumentar rapidamente. Assim, a reação nuclear se desenvolve de modo crescente até que todo o material físsil (combustível) tenha sido desintegrado. Este processo, em que os nêutrons resultantes de uma fissão inicial produzem fissões adicionais sucessivamente, se chama uma reação em cadeia.

Devido à alta velocidade dos nêutrons e ao insignificante tempo necessário para que uma fissão se complete, pode ser possível o desprendimento de uma imensa quantidade de energia numa pequena fração de segundo, isto é, a reação resulta numa explosão. Mas, se a fissão puder ser controlada e mantida, serve como uma fonte nuclear de energia utilizável, como, por exemplo, na produção de vapor para acionar as turbinas de propulsão de navios.

b. Combustíveis nucleares – Atualmente há três materiais radioativos cujas

propriedades são adequadas para sustentar uma reação em cadeia. Esses materiais físseis são o Urânio-235, o Plutônio-239 e o Urânio-233.

Esses combustíveis nucleares são capazes de causar fissão a outros átomos, isto é, eles podem converter materiais físseis. Define-se como material fértil qualquer substância que não pode por si mesma sustentar uma reação em cadeia, mas que pode ser colocada num reator e convertida em matéria físsil (que pode se fender).

Desses materiais o único que se encontra na natureza é o U-235, mesmo assim numa percentagem muito baixa, 0,7 por cento do urânio natural (a percentagem restante é de Urânio-238). Os outros dois são elementos artificiais produzidos nos reatores: o Pu-239 e o U-233 resultam da absorção de nêutrons por materiais férteis, Urânio-238 e Tório-232, respectivamente.

Um reator que usasse o U-235 como ele existe no urânio natural precisaria de enormes quantidades de urânio a fim de obter a quantidade de U-235 necessária ao núcleo combustível. Isto se consegue de outro modo, usando como combustível o urânio enriquecido. O enriquecimento aumenta a proporção de U-235 no combustível. Qualquer grau de enriquecimento pode ser obtido, mas o processo é ainda muito caro, e o preço varia com o teor de enriquecimento. Atualmente todas as instalações nucleares marítimas usam o urânio enriquecido.

c. Reator nuclear – O aparelho em que a fissão nuclear em cadeia é iniciada,

mantida e controlada, de modo que a energia possa ser desprendida numa produção constante sob a forma de calor, é chamado de reator nuclear.

Além do combustível, que já citamos acima, as partes componentes dos reatores usuais são as seguintes:

(1) moderador – Em muitos reatores há necessidade de reduzir a velocidade dos nêutrons; o material usado para este fim chama-se moderador. Os elementos usualmente empregados como moderador são a água leve (água comum), a água pesada, o berilo e o carbono. O mais usado é a água leve, por ser o mais abundante e de baixo custo. A água pesada é muito cara;

(2) resfriador – É o agente que circula no núcleo do reator removendo o calor aí desprendido e transmitindo-o a um gerador de vapor ou a um utilizador qualquer. Os materiais usados como resfriador são a água leve, água pesada, sódio líquido, carbono e ar seco.

Nas instalações marítimas existentes, cujo combustível é o urânio enriquecido, a água leve é o material usado, tanto como resfriador como moderador.

Uma desvantagem no uso da água como resfriador é a sua baixa temperatura de vaporização. Assim, para que a água não se vaporize nas serpentinas e no núcleo do reator, deve ser mantida sob pressão; diz-se, então, que o reator é de água pressurizada.

A água da mais alta pureza é também corrosiva e torna-se ainda mais corrosiva quando sua temperatura se eleva a cerca de 200°C. Por isto, o sistema deve ser mantido no mais alto grau de pureza para impedir o depósito de sólidos nos elementos combustíveis; uma purificação contínua é feita fazendo passar uma parte da água por um circuito de desmineralização; diz-se então que a água é desmineralizada;

(3) barras de controle – A potência gerada em qualquer reator é diretamente proporcional à densidade dos nêutrons, isto é, ao número de nêutrons por unidade

de volume. A variação de potência num reator de água pressurizada é obtida pelo movimento das barras de controle do núcleo. Estas barras são feitas de materiais como o cádmio e o boro, que absorvem prontamente os nêutrons e por isto podem controlar a produção de nêutrons. A posição das barras é ajustada de tal modo que o calor possa ser gerado numa quantidade constante.

Quando se dá partida num reator, as barras de controle são levantadas e os nêutrons emitidos pelo combustível nuclear bombardeiam os átomos de urânio físseis que estão em torno. Inversamente, abaixando-se as barras, a ação físsil é reduzida proporcionalmente; na posição da barra totalmente em baixo a reação em cadeia é completamente cortada;

(4) refletor – O núcleo do reator é contido num invólucro cuja finalidade é evitar a dispersão e o vazamento dos nêutrons, devolvendo-os à área onde está se realizando a reação em cadeia; isto resulta em economia de material físsil. O material usado no refletor é o mesmo do moderador;

(5) blindagem – A blindagem é constituída pelo material usado para impedir ou reduzir a passagem da radioatividade para fora do reator. A blindagem principal é usualmente chamada blindagem térmica, e envolve o próprio reator. A blindagem secundária, também chamada blindagem biológica, é colocada em torno da câmara que contém todo o equipamento do circuito primário do sistema, isto é, o reator, o tanque de pressurização, as bombas e serpentinas da água de circulação (resfriador), o gerador de vapor e seus acessórios (fig. 3-41). Para a blindagem são usados concreto, aço, água, chumbo e matérias plásticas; e

(6) estrutura – É o material usado na carcaça e no invólucro dos componentes do reator: alumínio, zircônio, berilo, aço carbono e aço inoxidável.

d. Tipos de reator – A principal classificação dos reatores é feita de acordo

com o arranjo físico do combustível e do elemento moderador. Um reator se diz heterogêneo quando o combustível é sólido; ele é revestido de algum material como o zircônio ou aço inoxidável, fixo numa armação metálica, de modo que é fisicamente separado do moderador. Num reator homogêneo o combustível e o moderador são intimamente misturados sob a forma de uma solução aquosa ou metálica.

Outra classificação é a que se faz de acordo com a energia dos nêutrons que ocasionam a fissão. A absorção do nêutron por um núcleo pode ocorrer imediatamente depois que o nêutron é solto, estando com sua máxima energia cinética, ou pode ocorrer algum tempo depois, quando os nêutrons livres perdem sua energia cinética pelas colisões com outros núcleos, aproximando-se do nível máximo de sua energia térmica.Os reatores são rápidos quando usam nêutrons velozes para induzir a fissão; térmicos quando utilizam principalmente os nêutrons térmicos; reatores intermediários são aqueles em que os nêutrons são absorvidos com energia intermediária.

e. A instalação nuclear de propulsão marítima – A figura 3-41 mostra um

esquema da instalação nuclear de propulsão usada nos navios atuais. O sistema pode ser considerado em dois circuitos separados.

O circuito primário contém os materiais radioativos e o equipamento para utilizar esses materiais. A água de circulação (o resfriador) do circuito primário recebe o calor gerado no núcleo do reator e o transmite ao circuito secundário por meio de um ou mais geradores de vapor. Como esta água trabalha sob pressão (água pressurizada) para não se vaporizar, há um tanque de pressão no circuito primário, além das bombas e serpentinas de circulação. Todo esse equipamento é contido numa câmara blindada, para proteção do pessoal.

Há muitos arranjos possíveis desse equipamento dentro da blindagem biológica. O usual é se colocar no centro o reator (que por sua vez é também blindado), ou reatores, e dispor as várias bombas, tanques de pressurização e geradores de vapor simetricamente em torno do reator. Quanto mais compacto for o arranjo, menor é a blindagem (e o peso da instalação), mas também será mais difícil o problema de acesso para inspeção e manutenção.

O circuito secundário inclui todo o equipamento encontrado numa instalação clássica de vapor, exceto, naturalmente, as caldeiras e seu equipamento auxiliar. No esquema vemos as turbinas de propulsão do navio, os condensadores e bombas de circulação, aquecedores da água de alimentação e os turbogeradores, que produzem energia elétrica para os serviços auxiliares de bordo.

Os geradores de vapor é que fazem a conexão entre o circuito primário e o secundário. Eles são colocados dentro da câmara blindada, e a tubulação de vapor penetra na blindagem.

A água de circulação que deixa o reator é radioativa. A água, por si mesma, pode perder sua radioatividade num período de 5 ou 10 minutos, mas as impurezas tais como os produtos da corrosão podem manter a radioatividade por períodos muito mais longos. Há também a possibilidade de um elemento combustível, que é material altamente radioativo, ser arrastado na água de circulação. Por estas razões é que todo o circuito primário é blindado, e o acesso ao equipamento dentro da blindagem só é possível depois de algum tempo de o reator estar parado, quando a

radioatividade decaiu a um nível de segurança. A blindagem é também estrutural, isto é, as paredes da câmara são resistentes às altas pressões; assim, no caso de avaria em qualquer parte do circuito primário, o vazamento é contido.

O vapor que deixa o gerador de vapor não é radioativo, pois não está sujeito ao bombardeio de nêutrons, nem fica em contato direto com a água de circulação do circuito primário. Ele sai do gerador de vapor com muito pouco ou quase nenhum superaquecimento e pode ser usado diretamente nas turbinas, passando ou não por um superaquecedor.

Para dar partida ao sistema é necessária uma fonte de energia independente. O gerador diesel de emergência convencional pode ser usado para fornecer essa potência de partida. A maior porção desta carga será para as bombas de circulação da água no circuito primário, mas também é necessário fornecer energia para o comando das barras de controle do reator e para dar calor ao tanque de pressurização. A perda de potência é um problema sério quando o reator está operando; assim são usadas baterias que entram em funcionamento no caso de falhar o motor diesel de emergência.

f. Aplicação nos navios de guerra – Já vimos que as primeiras instalações

para emprego de energia nuclear em navios foram feitas nos Estados Unidos, para os submarinos Nautilus e Sea Wolf.

O reator do Nautilus era de água pressurizada, usando combustível de urânio enriquecido; o esquema da instalação é semelhante ao da figura 3-41, o sistema reator fornecendo vapor às turbinas principais que acionam dois eixos. O circuito primário fica no compartimento do reator, que é blindado, e o circuito secundário na praça de máquinas. No Sea Wolf foi instalado um reator intermediário, de sódio líquido, mas devido a certas deficiências, principalmente vazamentos, foi esse sistema substituído em 1959 por um do tipo do Nautilus, de água pressurizada.

Nos submarinos nucleares, além do sistema reator, os eixos propulsores podem ser acionados por motores elétricos, com energia fornecida por um diesel gerador ou por baterias; estas, contudo, são menores e em muito menor número que as de um submarino convencional.

Depois do êxito obtido nos submarinos, a energia nuclear foi aplicada em navios de guerra de superfície, como porta-aviões, cruzadores, fragatas e contratorpedeiros.

Uma grande vantagem da aplicação da energia nuclear para qualquer navio de guerra é o raio de ação praticamente ilimitado, mesmo em altas velocidades. O Nautilus reabasteceu-se pela primeira vez em 1957, dois anos depois de incorporado à esquadra, tendo navegado 62.560 milhas com o núcleo de combustível; desse total, mais de metade foi em navegação completamente imersa.

Do ponto de vista militar decorrem outras vantagens: um navio nuclear poderá manter continuamente altas velocidades; são eliminados os grandes tanques de combustível; tornam-se desnecessários os numerosos navios-tanques para abastecimento das esquadras, nas bases ou no mar, operações essas que se tornam perigosas durante a guerra. Os espaços que antes eram destinados aos tanques de combustível de um navio convencional podem ser usados, como por exemplo,

em um porta-aviões nuclear, para transportar grandes quantidades de combustível de aviação, munição ou outros suprimentos. Nos demais navios, não havendo tanques de combustível, o perigo de incêndio é bastante reduzido, a vulnerabilidade das obras-vivas é reduzida e a capacidade de resistir aos danos é aumentada.

Outra vantagem importante é que nenhum oxigênio é necessário ao sistema propulsor, e o problema de descarga de gases da combustão é eliminado. Para os submarinos isto significa que ele deixou de ser um navio capaz de imergir por rápidos períodos de tempo; tornou-se o verdadeiro submarino, que pode permanecer oculto, em imersão durante longo tempo, operando abaixo da superfície do mar, onde ventos, mares agitados e gelo não os afetam. Para os navios de superfície, isto permite eliminar as grandes admissões de ar, chaminés e caixas de fumaça, deixando o convés superior safo e espaço adicional para novos equipamentos e armamentos; não havendo necessidade de contato com a atmosfera, o navio de superfície adquire maior capacidade para resistir à guerra química ou atômica e aos danos por qualquer projétil.

As desvantagens da propulsão nuclear são o peso e o custo inicial da instalação e alto preço dos combustíveis empregados.

No documento Arte Naval - Fonseca - Vol 1 - 7ª Ed.- 2005 (páginas 157-162)