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O PROTAGONISMO DOS AGRICULTORES TEM SEUS LIMITES: O ESTADO NÃO PODE DESFAZER-SE DOS SERVIÇOS

ESTRATÉGICOS

Nos capítulos anteriores se tratou de demonstrar que os pequenos agricultores podem conseguir resultados extraordinários em termos de aumento da produção, da produtividade e de renda; por escassos que sejam seus recursos de capital, por adversas que sejam as condições físico-produtivas das suas propriedades e por limitadas que sejam as alocações de recursos e serviços externos a seus sítios e comunidades. Isto indica que eles também podem alcançar a eficiência, transformar-se em pequenos empresários conectados com o mercado em forma competitiva; enfim que podem modernizar-se sem modernismos e sem consumismos tecnológicos.

No entanto, ainda que isto seja possível, não é justo impor-lhes uma política de sacrifícios, abnegações e "economia de guerra", condenando-os a seguir produzindo ad infinitum em condições de adversidade e escassez, e com um mínimo apoio oficial. Com maior razão se o Estado continua aplicando seus recursos em atividades muitíssimo menos importantes que a produção de alimentos.

É fundamental, portanto, que os pequenos agricultores estejam organizados para que, além de produzir, administrar e comercializar eficientemente, também fortaleçam o seu poder político e reivindiquem que o Estado e os provedores façam o mínimo que poderiam e deveriam fazer em prol do desenvolvimento agropecuário. Devidamente organizados e politicamente fortalecidos deveriam reivindicar a adoção das seguintes medidas:

1) Formulação de políticas nacionais de desenvolvimento que não discriminem contra a agricultura, e de

políticas agrícolas em particular que não discriminem contra os pequenos agricultores.

2) A alocação para o setor agropecuário de recursos adicionais e sua distribuição de forma mais equitativa, em benefício de todos os agricultores.

3) Adequação na formação dos profissionais e técnicos de ciências agrárias às necessidades concretas da

maioria dos agricultores e dos empregadores que contratam os seus serviços.

Tanto os agricultores como os empregadores necessitam de profissionais muito mais práticos, eficientes e pragmáticos, que tenham real capacidade de ajudar a solucionar os problemas dos agricultores "tais como eles são e utilizando os recursos que realmente possuem". Para isto necessitam ingressar das faculdades e escolas agrotécnicas com conhecimentos mais relevantes, com melhores habilidades, destrezas e aptidões e com atitudes de compromisso para transformar realidades tão adversas como por exemplo a ilustrada no desenho no.4 deste documento; e, se necessário, fazê-lo sem contar com recursos adicionais aos que ali estão ilustrados.

4) Adequação das orientações e o funcionamento dos serviços agrícolas de apoio (pesquisa, extensão,

crédito, etc) às necessidades concretas dos agricultores. Muitos destes serviços têm pesadas e ineficientes estruturas burocráticas, sobrecarregadas de funcionários mal remunerados e desmotivados, e apresentam inaceitáveis contradições entre:

i) o que declaram os seus objetivos constitutivos;

ii) as atividades que verdadeiramente executam; e iii) o que as famílias rurais realmente necessitam receber

deles; tais contradições geralmente são muito profundas. É necessário fazê-los cumprir seus objetivos constitutivos; exigir que suas atividades sejam executadas com eficiência e eficácia para que produzam

resultados concretos; definir claramente suas funções e eliminar suas distorções e deficiências;

descentralizar e desconcentrar suas atividades para que os agentes de desenvolvimento estejam mais próximos aos agricultores e aos seus problemas cotidianos; eliminar rotinas e controles administrativos desnecessários; modernizá-los (não tanto em equipamentos, porém em procedimentos e atitudes); tornar mais eficientes seus mecanismos de operação e intervenção; e adotar novas metodologias para ampliar sua cobertura. Também desburocratizá-los, despolitizá-los e agilizar suas operações; reciclar os funcionários capacitando-os para que melhorem seu desempenho e exigir deles que não só cumpram em executar as

atividades, mas que se comprometam a que estas produzam resultados; se não os produzem de

pouco servem.

Tudo isto, com o propósito de que tais instituições e pessoas cumpram realmente o seu dever de oferecer serviços que tenham capacidade de dar respostas eficientes e efetivas às necessidades e problemas da maioria (não de uma minoria) dos agricultores; se isto não ocorrer será difícil justificar a razão de sua existência e, ainda mais difícil, conseguir que os governos lhes aloquem recursos adicionais.

É urgente romper o círculo vicioso no qual o Estado não dispõe de recursos suficientes aos serviços agrícolas de apoio porque eles são ineficientes e estes, por sua vez, se tornam ainda mais ineficientes porque o Estado não lhes proporciona o apoio necessário.

Se não é possível aumentar os orçamentos de tais serviços, é preferível reduzir as suas estruturas e metas, a fim de que as instituições disponham de recursos suficientes para pagar adequadamente aos seus funcionários e com isto poder exigir que trabalhem com eficiência. Definitivamente, não se justifica seguir mantendo estruturas que por estar superdimensionadas se mantêm inoperantes, já que os seus recursos apenas permitem pagar os baixos salários dos funcionários; e não são suficientes para cobrir os gastos operativos necessários para executar as suas atividades substantivas e cumprir as finalidades para as quais foram constituídas.

Finalmente, é necessário levar em conta que:

a) estes organismos públicos são mantidos pela sociedade;

b) os profissionais que neles trabalham, geralmente foram educados em escolas públicas mantidas com os impostos pagos pela sociedade; e

c) para manter tais organismos e pagar os salários de seus empregados o Estado deixa de oferecer outros importantes serviços a uma grande quantidade dos seus habitantes; isto é, a sociedade se sacrifica e se priva de outros bens e serviços para poder manter estes organismos públicos de apoio à agricultura e para pagar os salários de seus funcionários.

Isto significa que os profissionais de tais organismos não têm o direito de negar (e sim, têm o dever moral de oferecer) reais oportunidades de desenvolvimento àquelas pessoas que com os seus sacrifícios e privações possibilitaram que estes profissionais tenham sido formados no passado e estejam sendo pagos no presente; e muito especialmente quando tais oportunidades dependem dos conhecimentos que possuem e dos postos que ocupam os referidos profissionais; ambos financiados pelos recursos diretos ou indiretos dos agricultores os que têm o direito de receber esta justa retribuição.

5) Adequação das escolas primárias rurais para que se transformem em centros de participação comunitária

e formação de recursos humanos; as escolas primárias deveriam oferecer às crianças rurais os conhecimentos, habilidades e atitudes para que, uma vez adultas, protagonizem a solução dos seus próprios problemas e promovam o seu desenvolvimento e o de suas comunidades em forma mais autônoma. Esta adequação deveria introduzir mudanças nos conteúdos de ensino, nos materiais didáticos, nos métodos pedagógicos e na formação/capacitação dos docentes [5]. As crianças rurais não deveriam continuar sendo obrigadas a memorizar tantas datas e feitos históricos e nomes de heróis de outros países; o comprimento de rios e a altura de montanhas de outros continentes; o nome de animais exóticos; mas sim, deveriam receber uma educação relevante para a vida no campo, para o trabalho rural e para o compromisso social de promover o desenvolvimento de suas comunidades.É necessário que às crianças rurais se lhes

ensine: i) menos sobre semáforos, arranha-céus, portos, balneários e centros de recreação urbana (que os

"desenraizam" do seu meio); e ii) mais a valorizar a vida rural; a identificar as riquezas e recursos produtivos existentes nas propriedades; a utilizar racionalmente em seu próprio benefício tais recursos, sem danificar o meio ambiente; a desenvolver suas habilidades manuais; a produzir e consumir frutas, verduras e outros alimentos em forma balanceada; a processar e conservar alimentos; a pesar e medir; a calcular proporções, juros, superfícies e volumes; a aplicar primeiros socorros; a ter melhores hábitos de higiene; a não contaminar a água; a ter uma privada para a família; a tomar vacinas e adotar outras medidas profiláticas; a escovar os dentes; a lavar as mãos antes das refeições; a estimular o desenvolvimento da personalidade, com autoestima e autoconfiança; a valorizar a solidariedade; a ajudar ao próximo; a ter espírito associativo e cooperar com os seus vizinhos para solucionar problemas comuns e promover o desenvolvimento da comunidade; a identificar novas oportunidades de produzir mais e melhor, de progredir

e viver melhor no campo. Enfim, uma educação que proporcione conhecimentos úteis que lhes ajudem a solucionar os seus problemas cotidianos de vida, de trabalho e de participação comunitária; que lhes ensine mais do atual e do próximo e não tanto do passado e do distante.

A adequação aqui proposta se deve ao fato de que a cobertura quase universal das escolas primárias rurais poderia contrabalançar, a baixo custo, a limitada capilaridade dos serviços de extensão rural. Além do mais, passar por uma escola primária é, para muitos habitantes rurais, a única oportunidade em toda sua vida de receber algum tipo de formação regular e sistematizada.

6) Exigências aos fabricantes de equipamentos para que estes sejam mais duráveis, econômicos e

funcionais às escalas de produção dos distintos extratos de agricultores. No que concerne aos insumos agropecuários, exigir sementes adaptadas às condições adversas de produção, pesticidas mais eficazes e menos nocivos, fertilizantes mais eficientes, etc. Não é justo que o setor agrícola pague pelas

ineficiências que não são suas e que estas sejam repassadas aos custos de produção e distribuição e com isto reduzam a renda dos agricultores.

As mudanças propostas neste capítulo são necessárias para que todas as famílias rurais tenham efetivas oportunidades de desenvolver-se. No entanto, é necessário considerar que a adoção de um modelo adequado de desenvolvimento agropecuário, a formulação e execução de políticas agrícolas compatíveis com as necessidades da maioria dos agricultores e a adequação da institucionalidade de apoio ao agro às necessidades destas maiorias, não se gerarão espontaneamente, de cima para baixo, nem de fora

para dentro.

É necessário considerar que a formulação das políticas está influenciada por pessoas que, de alguma forma, se beneficiam do status quo ou que não têm sensibilidade para as necessidades e sofrimentos das maiorias nacionais postergadas; transformações mais profundas atentariam contra os interesses das pessoas que atualmente se beneficiam da situação vigente. Por estas razões, as mudanças que normalmente estes formuladores propõem são superficiais ou as mínimas necessárias para não ameaçar ou colocar em risco a sua estabilidade.

O setor agropecuário, ao contrário, exige mudanças amplas, profundas e muito urgentes; tais transformações só poderão ser concretizadas se aquelas pessoas que atualmente pagam ou sofrem as consequências do modelo imperante tiverem acesso às decisões correspondentes. Por esta razão adicional, é imprescindível que os agricultores estejam organizados para fortalecer o seu poder político e reivindicatório; só assim serão capazes de conseguir as amplas, profundas e rápidas transformações que exigem a formulação das políticas e o funcionamento da institucionalidade de apoio ao agro. Por todas as razões antes mencionadas, estas mudanças terão que ser conquistadas pelas próprias famílias rurais em forma protagônica e organizada. Do contrário, no meio rural não haverá mudanças, nem desenvolvimento, nem muito menos igualdade.

A estratégia descrita nos capítulos anteriores requer um esforço conjunto, dentro do qual os agricultores, devidamente capacitados, cumprirão com a sua atribuição de produzir, administrar e comercializar eficientemente; e estes mesmos agricultores, devidamente organizados, canalizarão as suas demandas para que o Estado cumpra com o seu dever de adequar as instituições públicas que apoiam o agro, para que estas lhes proporcionem as oportunidades e os estímulos que eles requerem para protagonizar o seu autodesenvolvimento. Na etapa de transição que mediará entre o tradicional intervencionismo do Estado e o novo protagonismo dos agricultores, as referidas instituições (escolas primárias rurais, organismos de pesquisa e serviços de extensão), deverão desempenhar um rol de grande importância estratégica; a elas corresponderá a essencial tarefa de proporcionar os insumos intelectuais (conhecimentos e tecnologias) que serão imprescindíveis para contrabalançar a insuficiência dos insumos materiais (créditos, insumos, maquinaria, etc.), que o Estado está deixando de proporcionar-lhes; consequentemente, tais serviços deverão ser reorientados, fortalecidos, estimulados, apoiados com os recursos necessários e sobretudo, deverão tornar-se muito mais eficientes e muito mais capazes de ajudar aos agricultores para que eles

CAPITULO 8. A TECNIFICAÇÃO DA AGRICULTURA COMO REQUISITO