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2.3. Clínica da atividade: bases epistemológicas e ferramentas conceituais

2.3.5. Protagonismo e poder de agir no trabalho

As transformações das situações de trabalho estão no âmago da proposta da Clínica da Atividade. Este processo de transformação deve ser pensado a partir de uma relação construída

com o trabalhador, sendo ele o principal autor das mudanças. Portanto, as estratégias metodológicas adotadas pela abordagem têm o desenvolvimento do protagonismo do trabalhador como ponto primordial (Clot, 2007, 2010b; Osório da Silva et al., 2015).

Cabe destacar que Benedictus de Spinoza, filósofo holandês do séc. XVII, desenvolveu em sua obra o conceito de potência, o qual discute os movimentos relativos a uma capacidade transformadora (Spinoza, 2008; Xavier, 2008). Este autor influenciou a teoria histórico-cultural de Vygotski que, por sua vez, fundou as bases para o conceito de poder de agir, desenvolvido pela Clínica da Atividade (Clot, 2014b, 2010b).

(...) o conceito de poder de agir diz respeito à atividade. A tarefa, por si só, não é suficiente. Até mesmo sob coação externa, o poder de agir se desenvolve ou se atrofia na caixa preta da atividade de trabalho. Ele avalia o raio de ação efetivo do sujeito ou dos sujeitos em sua esfera profissional habitual, o que se pode também designar por irradiação da atividade seu poder de recriação (Clot, 2010b, p. 15, destaque do autor).

Clot (2010b) emprega um sentido metafórico para abordar o conceito de poder de agir, compreendido como uma caixa preta por onde passa e onde se registra a atividade de trabalho, seus impedimentos e possibilidades de desenvolvimento. O poder de agir opera diante da dinamicidade e flutuações da atividade e se constitui de modo heterogêneo, na relação com o sentido atribuído à ação e a sua eficiência, portanto reporta-se ainda à autonomia do trabalhador face à sua realidade de trabalho.

A ideia de protagonismo do trabalhador, defendida pela Clínica da Atividade, surgiu tomando como premissa o modelo de atuação desenvolvido a partir da década de 1960, proposto por Ivar Oddone, com referência no Modelo Operário Italiano (Clot, 2006a; Pacheco, 2010). A essência desse dispositivo consiste em buscar compreender como os trabalhadores sabem, não

o que sabem acerca da própria atividade de trabalho. Tal perspectiva tem como propósito a

ampliação do poder de agir do trabalhador (Clot, 2006a).

O desenvolvimento do protagonismo na relação com o analista do trabalho demanda “criar situações e encontrar técnicas nas quais se transformem os trabalhadores em sujeitos da

situação, fazendo-os protagonistas da transformação” (Clot, 2010a, p. 222). O protagonismo da transformação do trabalho compete, portanto, ao próprio trabalhador, que se torna necessariamente co-analista da atividade laboral.

Em contextos organizacionais/ institucionais é possível observar com frequência que “não são os trabalhadores que são pequenos demais para as organizações do trabalho, mas é

esta que é demasiadamente restrita, amputando-lhes suas possibilidades” (Lima, 2010, p. 953). Estas instituições muitas vezes promovem uma inversão de valores ao atribuir ao sujeito os motivos de possíveis insucessos, além de estimular a busca pela adaptação do trabalhador à estrutura das organizações, diferentemente das propostas propagadas pelas clínicas do trabalho.

Conforme Clot (2007), a questão da amputação do poder de agir tem como sinalizador a condição de imobilidade da ação do homem, a qual está vinculada a uma tensão contínua e promove o desequilíbrio do trabalhador. O autor discute algumas considerações realizadas por Wallon acerca do sistema taylorista de trabalho e adota a compreensão de que “(...) Taylor não exige demais do trabalhador, mas demasiado pouco. Ao escolher o movimento que exige de sua parte o mínimo de intervenção, priva-se o homem de sua iniciativa” (p. 14).

O modelo de produção taylorista requer do trabalhador um esforço para que propicie a repressão da própria atividade, a qual é considerada como fonte de um movimento espontâneo impossível de ser destruído e vital para o processo de desenvolvimento do sujeito. Da amputação do poder de agir decorrem “A impotência sentida, as fadigas crônicas, as

descompensações psíquicas e o ressentimento (...)”, que conduzem “(...) então à perda de toda ilusão e à oscilação dos ideais institucionais outrora vigentes” (Clot, 2007, p. 17).

À medida que o trabalho restringe a autonomia do sujeito e gera o bloqueio da atividade, provoca nele o efeito inverso ao da ativação, tornando-se causa de sofrimento (Bendassolli, 2012a). Assim, a Clínica da Atividade se propõe à análise do trabalho a partir de um enfoque dialógico e do desenvolvimento, almejando promover o reestabelecimento do poder de agir dos coletivos de trabalho e a transformação da atividade (Vieira & Faïta, 2003).

A transformação da atividade, deve-se acrescentar, está relacionada ao cuidar do trabalho, expressão que em francês remete a duas ideias8 essenciais: transformar o trabalho e fazer um bom trabalho. O desenvolvimento de um bom trabalho refletirá no campo da saúde do trabalhador, tendo em vista que “(...) é a qualidade do trabalho bem feito que é uma fonte de saúde” (Clot, 2010a, p. 222).

O trabalho bem feito se encontra em constante atualização e é considerado como “(...) aquele em que é possível reconhecer-se individual e coletivamente, sintonizado com uma história profissional que se persegue e pela qual cada um se sente responsável” (Alves & Osório da Silva, 2014, p. 66-67). Em suma, o trabalho bem feito evoca uma história profissional que é permanentemente construída, contando com a singularidade de cada membro que compõe este corpo profissional.

A reflexão sobre o processo de ampliação da autonomia, que conduz ao poder de agir sobre o contexto de trabalho, nos permite entender “(...) o trabalho como uma atividade que

potencializa as habilidades, ou, ao inverso, impede o sujeito de colocá-las em prática”

(Bendassolli, 2012b, p. 30). Assim, na medida em que a atividade promove a ativação e a potencialização do sujeito, ela se torna afirmativa, um fator de resistência.