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3. FASHION LAW: ABORDAGEM JURÍDICA DAS CRIAÇÕES DE MODA

3.2. Proteção das criações de moda nos Estados Unidos da América (EUA)

Conforme afirmado no início do presente capítulo, a maior visibilidade do

Fashion Law iniciou-se nos Estados Unidos da América.

Copyrights são previstos tanto para criações artísticas como para artes aplicadas. Esculturas, livros e filmes, por exemplo, estão entre os objetos tutelados pela legislação dos EUA, não sendo aplicável, no entanto, a artigos de utilidade. Christine Cox e Jennifer Jenkins relatam que muitos designers de moda tentam obter proteção por copyrights para suas criações, sustentando que seus modelos se enquadram em um tipo de escultura.92

De certo modo, a alegação supracitada dos designers não é satisfeita por meio de

copyrights, uma vez que é cediço que os artigos de moda, mais especificamente as vestimentas, são interpretados como objetos utilitários. Ressalte-se, no entanto, que a arte

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MATIAS, João Luís Nogueira. A propriedade e a ética empresarial: distinção entre a função social da empresa e a teoria da social responsability. In: Direito de propriedade e meio ambiente: novos desafios para o século XXI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010, p. 10-30.

92

COX, Chistine; JENKINS, Jennifer. Between the Seams, A Fertile Commos: An Overview of the

Relationship Between Fashion and Intellectual Property. Disponível em: <https://learcenter.org/pdf/RTSJenkinsCox.pdf> Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

aplicada aos artigos de utilidade, caso possa existir conservando seus aspectos artísticos ao ser separada do objeto principal a que se agrega, é passível de proteção por copyrights.93

A marca de fast fashion Zara, a qual é recorrente em processos envolvendo desrespeito à propriedade intelectual, recentemente foi acusada de infringir copyrights da companhia têxtil Nuance, sediada em Nova Iorque94. Na situação, a empresa americana alegou o uso indevido de uma de suas estampas têxteis, registrada como Design 151.95 A proteção por copyrights para a estampa, desenvolvida por meio de trabalho artístico, identificável ao ser separada do objeto ao qual é empregada, é uma alternativa para empresas do setor fashion que trabalham com processo criativo original.

Figura 05 – Design 151 Nuance X Estampa Zara

Fonte: The Fashion Law, 2016.

Todavia, Cox e Jenkins acrescentam que, com poucas exceções, o design de roupa propriamente dito não é protegido por meio do dispositivo em comento devido à difícil separação entre elementos artísticos e funcionais. Desse modo, os operadores da moda direcionam-se a outras formas de proteção às suas criações, como patentes.96

De maneira semelhante ao Brasil, a propriedade intelectual nos Estados Unidos pode ser protegida por meio do patenteamento. Restringindo a análise do diploma normativo

93 Havard Law Review. The Devil Wears Trademak: how the fashion industry has expanded trademark

doctrine to its detriment. Disponível em: <http://cdn.harvardlawreview.org/wp- content/uploads/pdfs/vol127_trademark_doctrine.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

94 Caso: NUANCE INDUSTRIES, INC. v. ZARA USA, INC., Civil Action No. 1:16-cv-08501

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ZARA Slapped with Copyright Infringement Lawsuit. 2016. Disponível em:

<http://www.thefashionlaw.com/home/zara-slapped-with-copyright-infringement-lawsuit?rq=zara slapped>. Acesso em: 11 nov. 2016.

96

COX, Chistine; JENKINS, Jennifer. Between the Seams, A Fertile Commos: An Overview of the

Relationship Between Fashion and Intellectual Property. Disponível em: <https://learcenter.org/pdf/RTSJenkinsCox.pdf> Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

aos aspectos relevantes ao tema desta monografia, a Lei de Patentes norte-americana define como objeto as invenções e os desenhos que sejam originais e inovadores97. Ademais, assim como no Brasil, as invenções patenteadas devem almejar a aplicabilidade industrial e a aspectos utilitários da atividade a que se destina, assim como o objetivo principal do desenho tem como escopo a ornamentação.98

Kal Raustiala e Christopher Sprigman afirmam, no entanto, que a proteção de

designs de moda por meio de patentes encontra dois impedimentos. O primeiro, de ordem doutrinária, diz respeito ao critério da originalidade, uma vez que o senso comum é que a maioria dos desenhos da indústria fashion é releitura de criações anteriores. Suprir o requisito da novidade, portanto, ainda é visto como um paradigma a ser superado no que concerne às criações de moda.99

O segundo impedimento, o qual também é um dos entraves para a proteção à propriedade intelectual no Brasil, conforme se discorre no quarto capítulo, é objetivo. O processo administrativo de requerimento de patentes tem custo elevado, sobretudo devido ao período necessário para que seja efetivado (meses, quiçá anos).100 Destarte, muito dispendioso é ao designer submeter suas criações ao patenteamento, sobretudo quando o processo de análise de requisitos pode ser mais demorado do que o período em que a sua criação permanecerá em destaque no mercado fashion, a não ser que se trate de patente que envolva inovação inventiva, como tecidos tecnológicos voltados ao desempenho esportivo. Ressalte-se que a duração da proteção para patentes é de vinte e quatorze anos para invenções e desenhos, respectivamente.101

Seguindo para a análise de marcas, o registro de trademark na legislação estadunidense é aplicável a nomes ou elementos aptos a destacar um produto ou serviço de seus semelhantes no mercado, assim como ocorre no Brasil.102 Enquanto copyrights e patentes referem-se a objetos específicos, o Lanham Act define trademark como qualquer palavra,

97 Como já exposto, no Brasil, a LPI determina a proteção de desenhos industriais por meio de registro. Patentes

são destinadas a invenções e modelos de utilidade.

98 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States Code Title 35 - Patents. Disponível em: <https://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/consolidated_laws.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2016.

99 RAUSTIALA, Kal; SPRINGMAN, Christopher. The Piracy Paradox: Innovation and Intellectual

Property in Fashion Design. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=878401>.

Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

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COX, Chistine; JENKINS, Jennifer. Between the Seams, A Fertile Commos: An Overview of the

Relationship Between Fashion and Intellectual Property. Disponível em: <https://learcenter.org/pdf/RTSJenkinsCox.pdf> Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

101

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States Code Title 35 - Patents. Disponível em: <https://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/consolidated_laws.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2016.

símbolo, mecanismo, ou a combinação destes, utilizados por um titular com o intuito de identificá-lo e de diferenciar seus produtos.103

Como se destacou no começo deste capítulo, ao ser tratado o caso envolvendo Louboutin e Yves Saint Laurent, a utilização de trademark como motivo ou solução para litígios de fashion law é recorrente nos Estados Unidos. Diante da baixa proteção de produtos de moda por copyrights e patentes, designers americanos estão optando pelo direito de marcas, mesmo que o objeto a ser protegido não seja devidamente abrangido por trademark,

fato que é motivo de crítica por parte da doutrina. Procura-se preencher a lacuna legislativa concedendo direitos de marca a quasi-designs, os quais não podem ser definidos como logos ou designs propriamente ditos.104

Todavia, é cada vez mais recorrente, nos Estados Unidos, o caso de um produto de moda funcionar como uma extensão da marca registrada e, por consequência, também ser registrado. É o caso da grife Burberry, exemplo já citado no início deste trabalho, a qual tem seu xadrez característico como trademark, bem como alguns de seus produtos nos quais a estampa é aplicada.105

Quanto ao trade dress, a proteção é interpretada como uma extensão da lei de

trademark. Segundo Cox e Jenkins, trade dress, originalmente, referia-se ao design da embalagem do produto. Hodiernamente, abrange o conjunto-imagem, o qual pode incluir tamanho, combinação de cores, texturas e, inclusive, o modus operandi da marca, como suas peculiaridades na apresentação do objeto para venda.106

Para que a proteção ao trade dress ocorra, no entanto, faz-se necessário que o

design de moda tenha adquirido secondary meaning, ou seja, que seja apto a criar no consumidor a conexão entre o produto e a marca. Nesse sentido, vale trazer à baila o caso

Adidas X Target, o qual teve como motivo a similaridade entre o modelo de tênis Superstar Original da marca esportiva com o calçado produzido e vendido pela parte contrária.

Adidas afirmou que seu tênis apresenta quatro grandes compositores do conjunto- imagem: as três listras laterais, as quais são trademark, a ponteira de borracha cuja textura se assemelha a uma concha, o solado plano e uma espécie de remendo no calcanhar, no qual o

103ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Lanham Act. Disponível em: <

http://www.bitlaw.com/source/15usc/>. Acesso em 07 nov. 2016.

104

Havard Law Review. The Devil Wears Trademak: how the fashion industry has expanded trademark

doctrine to its detriment. Disponível em: <http://cdn.harvardlawreview.org/wp- content/uploads/pdfs/vol127_trademark_doctrine.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

105 Ibidem. 106

COX, Chistine; JENKINS, Jennifer. Between the Seams, A Fertile Commos: An Overview of the

Relationship Between Fashion and Intellectual Property. Disponível em: <https://learcenter.org/pdf/RTSJenkinsCox.pdf> Acesso em: 7 nov. 2016. Tradução livre.

famoso logo da marca é inserido. O tênis produzido pela parte ré, apesar de não ser idêntico (possuía quatro listras), muito se assemelhava ao calçado da marca esportiva, sendo apto a causar confusão para os consumidores.

Ainda que a Target tenha alegado que os elementos não seriam passíveis de proteção por trade dress, u z qu nã su i quisit “nã -funci n li ”

necessária aos designs, o juiz proferiu sentença favorável à autora, afirmando que as características do trade dress do Superstar Original, quando analisadas em conjunto, não conservavam traços de funcionalidade. Ademais, o fato de serem vendidos pela marca desde a década de sessenta, a utilização do modelo por jogadores de basquete famosos, o crescente número de vendas do tênis, bem como os investimentos da Adidas para promovê-lo internacionalmente, contribuíram para fundamentar o secondary meaning adquirido pelo produto.107

Desse modo, ainda que a legislação americana apresente dispositivos empregados em muitas situações de fashion Law, não há, ainda, tratamento específico claro e direcionado a artigos de moda. A lacuna legislativa direciona os estilistas a tentarem se utilizar das leis pré-existentes para sanar a insegurança jurídica que a falta de menção pode causar. Projetos de lei visando à ampliação ou à criação de uma legislação sui generis para fashion designs são frequentemente rejeitados. Inclusive, a recente proposta de emenda à Lei de Copyrights, que concederia três anos de proteção para criações originais oriundas da capacidade criativa do fashion designer, não foi aprovada.108

Em um país em que se encontram as sedes de algumas das principais marcas de moda, o assunto deveria ser analisado sob perspectiva do designer de moda. Não se trata de um entrave à livre concorrência, até porque, como se pode concluir com os exemplos apresentados, não é incomum decisões das cortes americanas em favor da proteção, sobretudo, de marca.