• Nenhum resultado encontrado

Proteção social ao trabalhador no Brasil

No documento Vertentes e Desafios da Segurança 2019 (páginas 137-142)

Legislation and the worker health surveillance

3.2. Proteção social ao trabalhador no Brasil

A proteção social que se conhece hoje no Brasil teve uma origem privada e voluntária, e evoluiu para uma filiação obrigatória com maior intervenção do Estado. Reportam às “Santas Casas” (1543), Montepio para a guarda pessoal de D. João VI (1808), Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha (1795). Havia a predominância de movimentos mutualistas que proporcionaram a criação dos montepios abertos, dos quais qualquer pessoa podia participar, sem fins lucrativos (Hibrahim, 2011).

A proteção ao trabalhador nasceu de ajuda mútua. Reunindo integrantes que possuíam, de alguma forma, afinidade profissional, religiosa ou geográfica. Depois disso, o Estado passou a intervir e surgem os “Socorros Mútuos” (1824) que se multiplicaram no Brasil com o intuito de beneficiar seus sócios, no aparecimento de enfermidades dos mesmos, mediante o pagamento de uma mensalidade fixa. Em 1875, por meio do Decreto nº 5.853, de 16 de janeiro de 1875, criou-se o Socorro Mútuo chamado “Previdência” (HIBRAHIM, 2011). O Decreto nº 9.912, de 26 de março de 1888, regulou o direito à aposentadoria dos seus empregados, por idade ou invalidez. Em 1892, foi a vez dos operários do Arsenal da Marinha a terem direito à aposentadoria por idade ou invalidez, além da pensão por morte. Como consequência, veio a criação do Seguro de Acidentes de Trabalho, em 1919. A Constituição de 1891 foi a primeira a conter o termo aposentadoria, concedida apenas a funcionários públicos e em caso de invalidez (Hibrahim, 2011).

Através do Decreto Legislativo nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, foi criado o seguro de acidentes de trabalho no Brasil. Este Decreto determinava que o empregador deveria pagar uma indenização ao operário ou à sua família, em caso de acidente de trabalho, excetuando-se casos considerados de força maior, dolo da vítima ou ação de terceiros. Segundo Vasconcellos e Oliveira (2011), o Decreto 3.724/1919 significou um avanço para a reparação de danos à saúde do trabalhador. Apesar de apresentar muitas limitações, principalmente na comprovação pelo trabalhador quanto a responsabilidade subjetiva, representou um avanço notório.

A partir do final do século XIX, observa-se que alguns países começaram a trabalhar o conceito de responsabilidade objetiva no acidente de trabalho. Mesmo o seguro social, sob a lógica desenvolvida por Bismarck em 1884,

encarava o acidente de trabalho como um fato social, e a indenização compulsória seria independente da responsabilidade ou não do empregador. No Brasil, somente com o Decreto-Lei 7.036, de 10 de novembro de 1944, a teoria do risco objetivo passou a ser considerada na concessão das reparações compulsórias (Vasconcellos; Oliveira, 2011).

Com o Decreto-Lei 7.036, de 1944, foi consagrado o princípio da responsabilidade objetiva no acidente de trabalho e instituiu o seguro obrigatório para os empregadores. Os IAPs foram unificados em 1966, por meio do Decreto-Lei nº 72, de 21 de novembro de 1966 no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). E, em 1967, o seguro de acidentes do trabalho foi integrado ao INPS, pela Lei 5.316, de 14 de setembro de 1967. Nesta lei, a responsabilidade acidentária passou a ser não apenas do empregador, mas de toda a sociedade, ainda que de forma muito abstrata. Nesta lei também foi conceituado o acidente de trajeto (Vasconcellos; Oliveira, 2011).

A Constituição Federal de 1988 traz a reparação acidentária como de responsabilidade da Previdência Social, além da indenização devida pelo empregador, caso exista dolo ou culpa (Vasconcellos; Oliveira, 2011).

Importante também citar a Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, a qual estabelece aos trabalhadores acidentados afastados por mais de 15 dias e que passam a ter estabilidade de um ano. A Lei 9.032 de 28 de abril de 1995 alterou a Lei 8.213, vinculando benefícios acidentários ao salário mínimo, além de preconizar o pagamento do auxílio-acidente na proporção de 50% do salário benefício. A Lei 9.732 de 11 de dezembro de 1998 traz a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, emitido pela empresa ou seu preposto. Houve também nesta Lei a mudança de terminologia de Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) para benefício concedido em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (Vasconcellos; Oliveira, 2011; Brasil, 1998).

3.3. A Saúde do Trabalhador

A evolução das condições de vida e de trabalho de saúde dos trabalhadores está ligada ao desenvolvimento das lutas e reinvindicações operárias ao longo dos tempos. O campo de Saúde do Trabalhador teve inspiração no Modelo Operário Italiano (MOI). Modelo de luta pela saúde ou contra a nocividade, como era caracterizado na Itália. Esse modelo contribuiu fortemente, não somente no desenvolvimento como também nas discussões e debates para o enaltecimento e domínio da causa (Muniz et al., 2013).

No Brasil, o movimento inspirado no MOI enfrentou resistências como o enraizamento dos sindicatos nas fábricas e nos locais de trabalho. Paradoxalmente, o sustentáculo do MOI era justamente os Conselhos de Fábrica, de onde surgiram as lutas reivindicatórias pela saúde no trabalho. Salienta-se que o Brasil não tinha tradição de lutas de sindicatos pelas questões de saúde e trabalho. Apenas no final da década de 70, início dos anos de 1980, que houve uma atenção por parte dos trabalhadores e sindicatos (Muniz et al., 2013). Com a abertura política, na metade da década de 80, os sindicatos começaram a atuar abertamente, a exemplo do sindicato dos metalúrgicos no ABC Paulista, contagiados pelo fim de um regime ditatorial, encontraram dentro das fábricas e indústrias automobilísticas, em São Paulo, a força para o crescimento desse movimento.

A atual Constituição da República Federativa Brasileira – CRFB de 1988, no seu artigo 200, determina a criação e competência do Sistema Único de Saúde – SUS, assegurando a saúde como direito de todos e dever do Estado (Brasil, 1988). A Lei Federal n° 8080 de 19 de setembro de 1990, também conhecida como Lei Orgânica da Saúde, é a referência do SUS. Conquista alcançada por todos aqueles que testemunharam as lutas por uma reforma sanitária, tão discutida nas Conferências de Saúde e, em particular, na histórica VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986, e da I Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada de 1 a 5 de dezembro de 1989.

Em 19 de setembro de 2002, foi promulgada a Portaria GM n° 1679, determinando a criação e estruturação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST). A RENAST no SUS garante o direito ao trabalho, à saúde, à previdência e assistência social. Nela estão elencados que a atenção integral à saúde do trabalhador, com suas especificidades, deve ser objeto de todos os serviços de saúde, consoante com os princípios norteadores do SUS, sendo estes os da equidade, integralidade, descentralização, integralidade das ações e universalidade (Brasil, 2009; Vasconcelos, 2009). A RENAST se constitui como uma rede nacional de informações e práticas de saúde, estruturada para implementar as ações de atenção integral, de vigilância, prevenção e de promoção da saúde, centrada na realidade e no olhar do trabalhador sobre sua saúde (Brasil, 2002). Está organizada com o propósito de implementar “ações assistenciais de vigilância e de promoção da saúde, no SUS, dentro da perspectiva da Saúde do Trabalhador” (Dias; Hoefel, 2005), que dá garantia e direito ao trabalho, à saúde, à previdência e assistência social. Estabelece, ainda, que a Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, com suas especificidades, deve ser objeto de todos os serviços de saúde e, dessa forma, deve estar pautada nas diretrizes e princípios norteadores do SUS.

Cabe lembrar que, atualmente a Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador, através da Portaria 2.728 de 11 de novembro de 2009, passou a integrar a rede de serviços do SUS (Brasil, 2009). Neste sentido, a Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), se constitui em uma das componentes do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, definido na Portaria nº 3252 de 22 de dezembro de 2009. A VISAT é a estrutura essencial ao modelo de atenção integral do SUS constituindo-se de saberes e práticas sanitárias articuladas inter e intrassetoriais.

Assim, a VISAT faz parte do conjunto das diretrizes da RENAST, sendo responsável por investigar, acompanhar, propor, intervir nos ambientes e processos de trabalho, dando apoio técnico, estrutural e logístico às demais ações da Saúde do Trabalhador (ST). E pauta-se nos princípios do SUS, mantendo estreita integração com as demais Vigilâncias, sobretudo com a Sanitária, Epidemiológica e Saúde Ambiental.

É na RENAST que se dá início a propositura da política em saúde do trabalhador. O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), como lugar de fala da VISAT, no âmbito do SUS, representa a parte técnica e legal, sendo responsável também pela formação de agentes de vigilância. Os CERESTs não são únicos executores da VISAT, outros órgãos incorporam na sua estrutura formal o papel de vigilância e até de intervenção como a vigilância sanitária, e outros com a responsabilidade de sistematizar dados

como a vigilância epidemiológica, podendo acrescentar ainda a responsável pela geração de demandas que é a atenção básica (Vasconcelos et al., 2014). Nesta perspectiva, a VISAT não deve ser entendida apenas como um somatório de ações de Vigilância Sanitária e Epidemiológica voltadas para a proteção da saúde do trabalhador, como propõe a LOS nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. (BRASIL, 1990). Deve ser entendida como uma área desvinculada ou independente que acrescenta ao conjunto de ações da Vigilância em Saúde estratégias de produção de conhecimentos e mecanismos de intervenção sobre os processos de produção, aproximando as práticas sanitárias da relação entre o trabalho e a saúde. É de se observar que a VISAT se expande quando nas organizações dos estados e municípios são agregados, com efeito da Lei Orgânica da Saúde 8.080 a Portaria MS n0 3.120 de 1 de julho de 1998, códigos sanitários estaduais e municipais.

Através da Portaria 1.823, de agosto de 2012, foi instituída a Política Nacional do Trabalhador e Trabalhadora (PNSTT) sob a égide do fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador. A PNSST traz em seu entendimento o conceito de saúde do trabalhador como uma responsabilidade ampla e coletiva do Estado promotor para garantir o direito pleno a todos os cidadãos à redução dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, conquanto garanta a execução de ações de promoção, reabilitação e vigilância na área de saúde. Lidar com a vigilância e a intervenção, como preconiza a Portaria nº 3.120/98 (Brasil, 1998) e a recente PNSTT (Brasil, 2012), implica reconhecer sua complexidade, isto é, a capacidade de identificar, detectar, analisar, compreender, pesquisar, intervir sobre os determinantes do trabalho a fim de transformar o trabalho nocivo e perigoso em trabalho decente e saudável, compatível com o ser humano.

Outro questionamento que se faz é que os movimentos de luta dos trabalhadores têm perdido forças, principalmente pela saúde. Historicamente essas lutas foram significativas para o avanço de leis que beneficiaram os trabalhadores, especificamente nos anos 1980 e 1990. Casos envolvendo doenças específicas do trabalho como leucopenia, LER/DORT, silicose e outras que suscitaram ações públicas e houve retorno e envolvimentos de agentes públicos do aparelho estatal.

Importante refletir sobre a participação dos sindicatos como parceiros nas ações de vigilância e ressaltar também que, o saber técnico é essencial, mas, no processo de vigilância o conhecimento gerado pela prática no processo de trabalho é imensurável e não pode ser substituído pelo tão somente saber técnico sobre determinadas áreas ou atividades. A presença do trabalhador é fundamental no processo de vigilância porque são eles que estão na execução de atividades, na rotina do processo de trabalho, das cadeias produtivas e são conhecedores do engenhamento para um ambiente de trabalho adequado às suas necessidades livres de riscos.

4. Conclusão

Conclui-se que a legislação do trabalho foi construída por meio de lutas sindicais e laborais, que buscaram ao longo dos anos, a garantia da dignidade quanto ao ambiente e condições de trabalho e saúde aos trabalhadores. Muitos foram os desafios que surgiram, alguns superados e outros ainda a serem transpostos. Chama-se a atenção para a necessidade de novas pesquisas com métodos mais sistemáticos de coleta de estudos primários, que tragam

reflexões mais profundas quanto ao processo de trabalho, legislação, lutas e conquistas dessa área de investigação.

5. Referências

BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF.

BRASIL (1990). Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF.

BRASIL (2002). Ministério da Saúde. Portaria nº 1679 de 19 de setembro de 2002. Dispõe sobre a estruturação da rede nacional de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS e dá outras providências. Brasília, DF. BRASIL (2009). Ministério da Saúde. Portaria nº 2.728, de 11 de novembro de

2009. Dispõe sobre a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) e dá outras providências. Brasília, DF.

BRASIL (2012). Ministério da Saúde. Resolução nº 466, sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF.

DIAS, E. C.; HOEFEL, M. G. (2005). O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da Renast. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. spe, p.817-827.

HIBRAIM, F. Z. (2011). Curso de direito previdenciário, Niteroi-RJ: Impetus, 16 ed.

MINAYO-GOMEZ, C.; LACAZ, F. A. C. (2005). Saúde do Trabalhador: novas-velhas questões. Ciências & Saúde Coletiva, v.10, n.4, p.797-807. MUNIZ, H. P.; BRITO, J.; SOUZA, K. R.; ATHAYDE, M.; LACOMBLEZ, M.

(2013). Ivar Oddone e sua contribuição para o campo da Saúde do Trabalhador no Brasil. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v.38, n.128, p. 280-291.

PENA, P. G. L.; GOMES, A. R. (2011). A exploração do corpo no trabalho ao longo da história. In: Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória.

ROTHER, E. T. (2007). Revisão sistemática X Revisão narrativa. Acta Paulista em Enfermagem, v. 20, n. 2, p.1-2.

VASCONCELOS, L.C. F. de; OLIVEIRA, M. H. B. de (2011). (orgs.). Rio de Janeiro: EDUCAM, p. 85-123.

VASCONCELOS, L. C. F.; PIGNATI, W. A. (2009). Panorama atual e algumas perspectivas da vigilância em saúde do trabalhador no Brasil. In: Controle social na saúde do trabalhador. Minayo-Gomez C, Vasconcellos LCF (orgs ). Rio de Janeiro: EAD/Ensp; p.131-144.

VASCONCELOS, L. C. F. et al. (2011) Legislação previdenciária e seus significados: reparação irreparável da saúde perdida. In: Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Vasconcelos, L.C. F de.; OLIVEIRA, M. H. B. de. (orgs.). Rio de Janeiro: EDUCAM, p. 165-200.

No documento Vertentes e Desafios da Segurança 2019 (páginas 137-142)