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1. DO DIREITO À ECOLOGIA

1.3. A concretização de direitos fundamentais e a construção da norma ambiental

1.3.4. Quem deve concretizar?

Mencionamos, a partir de uma citação de Canotilho263, que a metódica estruturante

prevê dois momentos distintos para a concretização. Um, a partir do texto, de criação da norma jurídica (uma norma geral) – que seria, um “resultado intermediário”264 (âmbito normativo e

programa normativo). O outro, referente ao processo de criação da norma de decisão (uma norma individual, relacionada ao caso concreto), momento no qual a norma passa a possuir a normatividade e vai decidir casos jurídicos265-266. A concretização para Müller estaria, portanto,

na “produção da ‘norma jurídica’ (geral) e da ‘norma de decisão’ (individual) na resolução de um caso determinado”267-268.

262 MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 69.

263 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1201.

264 Ibid., p. 1201. 265 Ibid., p. 1221.

266 O que regulamenta o caso não é a o texto de determinada norma, mas a norma de decisão, que é resultado do processo de concretização. Desde modo, quem vive o Direito é figura central no processo de definição da norma (quem concretiza efetivamente) – não o legislador propriamente dito (embora este tenha alguma relevância, não é ele detentor do monopólio da criação da norma, jurídica ou de decisão).

267 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 47.

268 Também por isto não há que se falar, no tocante à Teoria Estruturante, em ponderação, definida, muito simplistamente, como um mecanismo para resolução de conflitos entre princípios (enquanto categoria de norma jurídica, distinta das regras). Segundo Virgílio Afonso Silva, fazendo referência à lição de Müller, “[...] a racionalidade e a possibilidade de controle intersubjetivo na interpretação e na aplicação do direito só é possível por intermédio de uma concretização da norma jurídica após árdua análise e delimitação do âmbito de cada norma. Depois desta árdua tarefa não há espaço para colisões, porque a norma simplesmente se revela como não-aplicável ao caso concreto e não se vê envolvida, portanto, em nenhuma colisão jurídica relevante. Logo, sem colisão não

O esclarecimento destas premissas nos remete à solução da indagação proposta no título deste tópico. Quem concretiza?

Neste ponto não podemos imaginar que, por ser a norma de decisão voltada a um caso específico, estaria a concretização limitada ao Judiciário. Esta não nos parece a melhor leitura. Canotilho identifica três formas de concretização, a “concretização legislativa”, a “concretização judicial” e a “concretização administrativa”269. As funções concretizadoras

serão delimitadas, em última análise, pela própria Constituição. A ideia central é que o Legislativo concretize as disposições constitucionais, através de atos próprios (como as leis), enquanto o Executivo e o Judiciário, com fundamento tanto no texto constitucional (até mesmo autonomamente), como nos resultados da concretização legislativa, vão novamente proceder à concretização, desta feita voltada à solução de casos concretos colocados ao seu exame270.

Não são só atores institucionais, porém, que participam deste processo, como aponta o próprio Müller:

Também os atingidos que participam da vida política e da vida da constituição desempenham funções efetivas de concretização das normas constitucionais em uma abrangência praticamente não superestimável, ainda que apareçam menos e costumem ser ignorados metodologicamente: por meio da observância da norma, da obediência a ela, de soluções de meio termo e arranjo no quadro do que ainda é admissível ou defensável no direito constitucional, e assim por diante. Se a constituição deve desenvolver força normativa, a “vontade da constituição”, que é uma vontade para seguir ou concretizar e atualizar a mesma, não pode permanecer restrita à ciência jurídica [...]271.

Embora a extensão da concretização possa variar conforme o autor ao qual recorramos, ficamos com aqueles que enxergam este processo complexo de forma mais ampla, para abranger não só os legitimados clássicos, mas também o “público”272. Todos são sujeitos neste

intrincado processo, cada um à sua forma, cada um à sua medida.

Neste ponto, devemos mencionar a obra de outro autor concretista, por sua inegável contribuição para a compreensão da Constituição na sua proximidade com o real. Häberle propôs na sua obra Hermenêutica Constitucional a ampliação do rol de intérpretes legitimados273. Segundo o autor, não só os operadores do Direito estão aptos – e devem estar

há razão para sopesamento” (SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In SILVA, Virgílio Afonso da (Org..). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 137-140). 269 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1221.

270 Ibid., p. 1222.

271 MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 52-53.

272 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 91.

273 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:

Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997.

aptos – a interpretar a Constituição. É forçoso trazer os demais atores sociais para o processo, não os tratando como meros objetos, sob pena de a Constituição perder sua força normativa. Este chamado de Häberle deve ser compreendido amplamente, não só como um chamado de atores igualmente legitimados, mas também um chamado de outras ciências para a concretização da norma.

Classicamente, a “teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma ‘sociedade fechada’”274 – um círculo absolutamente limitado

de intérpretes. Häberle propõe a superação deste conceito para aceitarmos uma sociedade aberta de intérpretes – na qual estão vinculados “todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com

numerus clausus de intérpretes da Constituição”275. Quem vive a norma na sua essência, a

interpreta em alguma medida. Se a Constituição dispõe sobre a sociedade, não pode tratá-la como mero objeto – deve integrar estes atores como sujeitos legítimos no processo de concretização. Daí, igualmente, que o Direito deve ser “co-interpretado”276 também pelas

demais ciências, além de impor a formação de operadores mais abertos ao diálogo interdisciplinar. Em um contexto no qual a sociedade é cada vez mais complexa, um direito simplista e fechado não atenderá às demandas contemporâneas.