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2. DA ECOLOGIA DE VOLTA AO DIREITO

2.5. Relações de dependência: um indício de cooperação?

Um olhar mais acurado sobre a natureza expõe a existência de diversas relações entre espécies a demonstrar a mais ampla conexão presente no meio ambiente. Os exemplos são

383 ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 154.

384 BEGON, Michael; TOWNSEND, Colin R.; HARPER, John L. Ecologia: De Indivíduos a Ecossistemas. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 547.

fartos. Há diversas formas de interação entre as espécies, classificadas segundo os efeitos: (i)

neutralismo: quando não há afetação mútua; (ii) competição por interferência direta: quando

duas espécies ou populações atuam uma contra a outra; (iii) competição por uso de recurso: quando a afetação entre as espécies ou populações é indireta, o que define são os recursos escassos; (iv) amensalismo: quando “uma população é inibida e a outra não é afetada”386; (v)

comensalismo: quando “uma população é beneficiada, mas a outra não é afetada”387; (vi)

parasitismo: quando um organismo “[...] vive em outro organismo (hospedeiro) ou no seu

interior, dele retirando seu alimento”388; (vii) predação: quando “uma população afeta a outra

de forma adversa por ataques diretos”389; (viii) protocooperação: quando há um vínculo não

obrigatório, mas quando existente, ambos se beneficiam; (ix) mutualismo: quando há coexistência necessária, resultado favorável para ambos390.

Alguns destes pontos mencionados no parágrafo anterior merecem um destaque especial. A competição “entre dois organismos que disputam o mesmo recurso”391 é chamada

de interespecífica quando “afeta adversamente o crescimento e a sobrevivência de populações de duas ou mais espécies”392. Podem se dar de duas formas, ambas acima referidas. Na competição por interferência “duas espécies entram em contato uma com a outra”393, já na competição por exploração duas espécies exploram o mesmo recurso, no entanto, sem contato direto394.

No comensalismo, podemos mencionar como exemplo as esponjas, que servem de abrigo para hospedeiros, que não as prejudicam e igualmente não geram qualquer utilidade395.

Na protocooperação, há o exemplo dos caranguejos e os celenterados: “os celenterados crescem nas costas dos caranguejos [...], fornecendo camuflagem e proteção [...]. Os celenterados, por sua vez, são transportados e obtêm partículas de alimentos quando os caranguejos capturam e comem outros animais”396. Já do mutualismo extraímos o exemplo do gado e das bactérias

presentes no seu organismo, mais precisamente no “sistema do rume”397. As bactérias permitem

386 ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 283.

387 Ibid., p. 283.

388 ART, Henry W. Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, p. 393. 389 ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Op. cit., p. 283.

390 Classificação extraída de ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Op. cit., p. 283. 391 Ibid., p. 289. 392 Ibid., p. 290. 393 Ibid., p. 290. 394 Ibid., p. 290. 395 Ibid., p. 305. 396 Ibid., p. 306. 397 Ibid., p. 306.

ao gado a obtenção de energia a partir da celulose, o que seria inviável sem elas. Paralelamente, as bactérias obtêm um “meio de cultura com temperatura controlada”398.

Relações absolutamente relevantes são a polinização de plantas e a dispersão de sementes por animais diversos399. O ganho é mútuo em ambas as situações, à medida que há o

néctar ou frutas para os animais e as plantas têm os processos de reprodução e dispersão de sementes garantidos400. São chamados de mutualistas-chave, pois são “directa ou

indirectamente necessários à manutenção de outras populações associadas”401.

O caso da dispersão de sementes, por meio de animais, é exemplo das relações de dependência na natureza que merece ser especialmente destacado. “As aves, os morcegos, os mamíferos asseguram assim uma disseminação dos grãos indispensáveis à regeneração das plantas nos sistemas florestais”402. Em notícia do Jornal Folha de S. Paulo, de 31/05/2013, foi

publicada pesquisa que havia demonstrado o impacto causado pelo desaparecimento de grandes pássaros, como o tucano, para a Mata Atlântica. A formação das árvores é afetada, à medida que as aves de bico grande se alimentam de sementes maiores, dispersando-as. As aves de bico menor, ao buscarem as sementes menores, acabarão por espalhar tão somente esta espécie de sementes. Por outro lado, sementes menores apresentaram menor resistência à seca e, em determinadas circunstâncias de redução da umidade, podem não geminar403. Em sentido

semelhante, os muriquis, espécie já com número reduzido na Mata Atlântica, mostrou-se essencial para a dispersão de sementes de inúmeras espécies arbóreas, a partir de suas fezes, como resultado da ingestão de frutas e das respectivas sementes404.

Podemos chamar estas relações de cooperação? Tudo dependerá do sentido que conferirmos ao termo. O dicionário nos apresenta duas possíveis variáveis. Se compreendermos cooperação como “agir ou trabalhar junto com outro ou outros para um fim comum; colaborar”405, talvez tenhamos dificuldade em sempre aproximá-la das relações naturais.

398 ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 306.

399 DEANGELIS, D.L.; POST, W. M. Positive feedback andecosystemorganization. In: HIGASHI, M.; BURNS, T. P. (Coord.). Theoretical Studies of Ecosystems: The Network Perspective. New York: Cambridge University Press, 2009, 159.

400 Ibid., 160.

401 LÉVÊQUE, Christian. Ecologia: Do Ecossistema à Biosfera. Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 370. 402 Ibid., p. 370.

403 MIRANDA, Giuliana. Sumiço de tucano prejudica árvores da mata atlântica. Jornal Folha de S.. Paulo, São Paulo, 31 mai. 2013. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2013/05/1287620-sumico-de- tucano-prejudica-arvores-da-mata-atlantica.shtml>. Acesso em25 out. 2014.

404 LOPES, Reinaldo José. Máquina de semear. Revista Unesp Ciência, São Paulo, abr. 2013. Disponível em <http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/40/maquina-de-semear>. Acesso em 25 out. 2014. 405 COOPERAR. In: DICIONÁRIO de Português Online Michaelis. São Paulo: Editora Melhoramentos Ltda, 2009. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=cooperar>. Acesso em 21 nov. 2014.

Porém, a cooperação pode ser encarada por outro viés, de sutil diferença, mas muito relevante para a finalidade buscada neste trabalho: “Agir conjuntamente para produzir um efeito; contribuir”406. Neste último sentido, parece-nos que a cooperação tem guarida na Ecologia –

para existir cooperação, não se exige necessariamente um fim comum. Cooperar é a demanda da natureza por um agir conjunto, para fins que muitas vezes não são diretamente afeitos aos “cooperados” (seres engajados em um determinado agir conjunto), mas que, indiretamente (até em razão da mais absoluta conexão existente no planeta), servem a todos.

O paradoxo está no fato de que na natureza, muitas vezes, a cooperação não objetiva um fim comum imediato407, mas apenas produzir um efeito – um trabalhar conjuntamente para se

alcançar determinado resultado. Demais disto, a interação poderá ser vista como um sentido desta cooperação aqui propalada. A interconexão dos ecossistemas pressupõe, em alguma medida, a interação entre organismos – que é, na acepção empregada por nós, um sentido da cooperação. Há uma tríade, portanto, a pautar as relações naturais (interconexão; inter-relação; cooperação), que deverá ser refletida pelo Direito. Voltaremos a este ponto.