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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA COMPREENSÃO DO TEMA

2.1 A EVOLUÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL

2.1.4 A Questão Ambiental no Setor Elétrico

A inserção das questões ambientais no planejamento do setor elétrico brasileiro tem crescido gradualmente nos últimos anos podendo-se identificar três grandes fases de evolução: a primeira fase, que vai do início da atuação do setor elétrico até a publicação da Lei nº 6.938/81, onde a proteção do meio ambiente era focada na proteção dos recursos naturais; uma segunda fase, que compreende o período entre a Lei nº 6.938/81 e a Lei nº 9.605/98, também conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, onde surgiram as bases para a gestão ambiental; e uma terceira fase que se iniciou após essa última lei e perdura até os dias atuais, onde há predominância de uma gestão ambiental pressionada por uma base jurídica.

Nas décadas de 60 e 70, algumas empresas de geração de energia elétrica desenvolveram estudos ambientais particularmente relacionados com a proteção da ictiofauna. Entre essas empresas, a Companhia Energética de São Paulo - CESP e a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE do Rio Grande do Sul conduziram importantes estudos ecológicos sobre a ictiofauna e instalaram estações de piscicultura em vários de seus projetos. Subseqüentemente, essas experiências foram transmitidas para outras empresas brasileiras de energia. Na década de 70, com o surgimento de reservatórios de porte progressivamente maiores ou em regiões pouco alteradas, começou a crescer a preocupação com a cobertura vegetal das áreas a serem inundadas. Neste sentido, destacam-se os trabalhos desenvolvidos pela Companhia Paranaense de Energia - COPEL, voltados para a reprodução de essências nativas com o objetivo de utilização no reflorestamento das margens dos reservatórios e para a recuperação de áreas degradadas. Dessa época, remontam os primeiros programas de salvamento da fauna terrestre voltados para soltura de mamíferos nas margens dos

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reservatórios e encaminhamento de animais aos zoológicos e instituições especializadas, para extração de peçonha das serpentes (ELETROBRÁS, 1990).

Em meados da década de 70, os organismos financiadores internacionais passaram a exigir que, juntamente com a viabilidade técnica, econômica e financeira, fosse apresentada a viabilidade ambiental dos programas e projetos de desenvolvimento. Desde então, a construção de usinas hidrelétricas passou a ser precedida de estudos de impacto ambiental que eram, inicialmente, incluídos no projeto da usina. Posteriormente, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE passou a exigir a inclusão dos aspectos ambientais como requisito indispensável para aprovação dos projetos das usinas hidrelétricas, exigência que vigora até hoje. Com a extinção do DNAEE, esse papel passou a ser exercido pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (ELETROBRÁS, 1986b).

Em 1978, a CESP (1978) emitiu o documento Modelo Piloto de Projeto Integral que sistematizou e consolidou os requisitos do Banco Mundial no que concerne à elaboração do EIA/RIMA antes da implantação de usinas hidrelétricas. Baseado nessa publicação, em 1984, o antigo DNAEE incluiu instruções sobre o meio ambiente em suas linhas de ação para a apresentação e aprovação de exploração de água e projetos de energia.

A partir do estabelecimento da PNMA, no início da década de 80, e da publicação, nos anos seguintes, de diversas resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, regulamentando a elaboração dos estudos ambientais e dos processos de licenciamento ambiental das atividades de geração e transmissão de energia elétrica, o setor elétrico passou a incorporar as questões ambientais em sua estrutura de planejamento e projeto.

As bases para o planejamento e a implantação de ações e programas socioambientais no setor elétrico, entretanto, só foram criadas a partir de 1986, quando o setor passou a incorporar, de uma forma sistematizada, as questões ambientais em sua estrutura de planejamento, projeto e operação dos empreendimentos. Vários fatores contribuíram para essa mudança e concepção de planejamento, sendo que os mais significantes deles foram: a legislação ambiental, o contexto mundial e conseqüente pressão da população, em especial daquela diretamente atingida pelos reservatórios hidrelétricos, a pressão das agências multilaterais como o Banco Mundial, por exemplo e das organizações não-governamentais (ELETROBRÁS, 1990).

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Em 1986, a Eletrobrás (1986a) publicou um relatório denominado Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos - MEEASE, que servia como um guia abrangente para tratamento dos aspectos sociais e ambientais que deveriam ser levados em conta nas diversas etapas de planejamento, construção e operação dos empreendimentos do setor elétrico. Esse documento teve o propósito de iniciar uma linha de ação para orientar as empresas de energia na definição e desenvolvimento de estudos socioambientais. Os estágios a serem considerados no desenvolvimento do EIA /RIMA foram também detalhados nesse documento.

Ainda em 1986, o setor elétrico brasileiro emitiu o Plano Diretor para Conservação e Recuperação Ambiental nas Obras e Serviços do Setor Elétrico – I PDMA, que definiu a política ambiental do setor e estabeleceu um novo enfoque no trato da questão ambiental. As ações planejadas foram integradas com relação a quatro temas básicos: viabilidade ambiental, inserção regional, articulação interinstitucional e com a sociedade, e eficiência gerencial (ELETROBRÁS, 1986b). Também, em 1986, foi criado o Comitê Consultivo do Meio Ambiente da Eletrobrás - CCMA, composto por especialistas de fora do setor elétrico, com as funções de discutir o tratamento dado pelo setor às questões socioambientais e assessorar os gerentes das empresas.

No período que vai de 1987 a 1989, a Eletrobrás criou o seu departamento de meio ambiente e as demais empresas do setor criaram e estruturaram suas áreas ambientais, incluindo treinamento de seus gerentes. Como desdobramento desse fato foi constituído, em 1988, o Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico – COMASE, entidade deliberativa integrada pelas concessionárias do setor, pela Eletrobrás e pelo DNAEE, com o principal objetivo de estabelecer linhas de ações, estratégias e recomendações para o trato dos impactos causados aos recursos ambientais pelo setor elétrico(ELETROBRÁS, 1990).

O II Plano Diretor de Meio Ambiente – II PDMA do setor veio a ser publicado em 1990, se constituindo no principal documento do setor elétrico brasileiro no trato com a questão ambiental. Teve, como principais objetivos, a definição de diretrizes e o estabelecimento de princípios para a política de tratamento das questões ambientais pelo setor elétrico, no âmbito do planejamento, e das diferentes etapas de implantação e operação dos empreendimentos. Esse plano foi elaborado tendo como base três princípios: a viabilidade

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socioambiental, que introduz os estudos ambientais nas fases de inventário e viabilidade dos empreendimentos; a inserção regional que requer um equilíbrio entre os objetivos nacionais ou setoriais e da região, ou de interesse local; e um amplo processo de decisão, que implica na participação de outras instituições e da sociedade. Dentre os princípios definidos no II PDMA para a Política Ambiental do setor elétrico, destacam-se a inserção regional e a participação da sociedade. Esses princípios refletem uma mudança de paradigma no trato com as populações diretamente afetadas pelos empreendimentos hidrelétricos (ELETROBRÁS, 1990).

Além disso, o II PDMA apontava para a necessidade de uma articulação institucional que viabilizasse o relacionamento contínuo com a sociedade e para o financiamento de programas socioambientais que, simultaneamente, atendessem à legislação ambiental e objetivassem a redução de impactos (ELETROBRÁS, 1990). Apesar das mudanças institucionais ocorridas nos últimos anos no setor elétrico, os fundamentos e diretrizes estabelecidas para o tratamento das questões ambientais permanecem válidos até os dias de hoje.

A influência do II PDMA no processo de planejamento de longo prazo do setor elétrico pode ser percebida quando se compara a modalidade de concepção do Plano 2010, elaborado em 1988, e a do Plano 2015, elaborado em 1994. Enquanto no primeiro havia uma perspectiva centralizadora, típica do governo militar autoritário, e orientada pela predominância dos critérios econômico–financeiros e da engenharia, no segundo, as questões socioambientais foram introduzidas como as principais referências orientadoras do planejamento, que foi elaborado numa estreita interação com diferentes setores da sociedade, cuja atuação ou interesse tangenciava o planejamento do setor elétrico (BARBOSA, 2001).

Verifica-se, portanto, que as transformações de ordem política, social, legal e institucional ocorridas no país nas últimas três décadas, dentre as quais se destaca a promulgação da nova Carta Constitucional, levaram o setor elétrico a realizar avanços significativos no trato das questões socioambientais de seus empreendimentos.

Apesar das atividades do COMASE ainda terem continuado na primeira metade da década de 90, com o desenvolvimento de alguns estudos temáticos, as iniciativas do setor elétrico, no sentido de definir uma política ambiental, passaram a ocorrer de forma pontual e não sistemática. Para Barbosa (2001), uma provável justificativa para o arrefecimento da

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questão ambiental seria o início da discussão em torno da reestruturação do setor elétrico, iniciada na década de 90. A partir daí, iniciou-se o processo de privatização de algumas empresas do setor elétrico, expressando o significativo afastamento do Estado das atividades econômicas.

Com a mudança do modelo do setor elétrico, foi criado, em 1999, o Comitê Coordenador de Expansão do Setor Elétrico - CCPE tendo, na sua estrutura, o Comitê Técnico para Estudos Sócio-Ambientais - CTSA, que trata da questão ambiental nos empreendimentos setoriais.

Em 2003, foi criado o Comitê de Meio Ambiente do Grupo Eletrobrás – COMAGE como fórum de discussão das questões ambientais do grupo. Atualmente, o COMAGE vem atuando em quatro grupos de trabalho: Política Ambiental, Licenciamento, Clima e Custos Ambientais.

Como órgão integrante da nova estrutura do setor elétrico, foi criada, em março de 2004, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE com a finalidade de prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras. Dentre as atribuições da EPE estão: obter a licença prévia ambiental dos empreendimentos do setor elétrico e desenvolver estudos de impacto social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental.

As mudanças ocorridas no setor elétrico a partir da segunda metade da década de 90 podem indicar um movimento de retrocesso no trato da questão ambiental, também percebido no campo das políticas públicas, privilegiando o tratamento do meio ambiente unicamente como uma questão legal. Nesse contexto, a negociação entre o setor elétrico e a sociedade, é levada a ocorrer movida por instrumentos legais de pressão e negociação, como é o caso da Ação Civil Pública. O Ministério Público passa a assumir, cada vez mais, um papel de mediador nesse processo (BARBOSA, 2001).

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