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De modo a incorporar alguns aspectos da Sociologia ambiental que permeiam esta dissertação apontaremos aqui algumas reflexões que narram um pouco da discussão da Sociologia em torno do Meio Ambiente e seus desafios e servem de contraponto para a discussão do mercado de Seguros Ambientais. Entre estas questões tratamos do contexto de surgimento de uma Sociologia ambiental, os paradigmas possíveis para estes estudos, o risco na questão ambiental e a economia verde.

Considerando o Movimento ambiental Moderno (MATTEDI, 2015), a obra Primavera Silenciosa, da biologista Rachel Carson (1964) inaugurou uma crítica, também considerada como um manifesto, sobre os riscos à saúde através do questionamento do uso de pesticidas e a incidência de câncer e representou um pioneirismo na denúncia de riscos ambientais. Ela passou alguns anos recolhendo dados de toda a América e analisou a relação entre o uso de algumas substâncias químicas e o surgimento de doenças nas populações locais (CARSON, 1964).

Foi na década de setenta que surgiram movimentos de Proteção Ambiental que despertaram os sociólogos para a necessidade de um corpo teórico que tratasse das questões da relação da sociedade com a natureza. O dia da terra, ocorrido em 22 de abril de 1970, nos Estados Unidos, foi considerado como marco do movimento ambientalista, tendo reunido milhares de pessoas contra a poluição. A manifestação foi considerada o dia primeiro do ambientalismo (HANNINGAN, 1997 apud FLEURY, 2014).

É neste contexto histórico, que surge a temática Ambiental na academia, destacamos aqui, a Sociologia Ambiental que surge na década de setenta, nos

Estados Unidos da América, refletindo sobre os movimentos ecológicos e os marcos históricos referentes à questão ambiental, entre eles a Conferência da ONU37 de 1972 (ALMEIDA, 2014). Os movimentos sociais e as denúncias sobre riscos, poluições e degradação ambiental passaram a sensibilizar os Estados para a instituição de princípios legais de proteção ambiental, tanto os Estados Unidos, onde estes movimentos despontaram quanto os demais países membros da ONU, como o Brasil.

A questão ambiental desde então permanece atual e objeto de estudos da Sociologia que perpassam diferentes disciplinas e questionam a relação do homem com a natureza dialogando com outras temáticas que também fazem parte da questão ambiental. Neste trabalho, incorporamos a questão ambiental para tratarmos do mercado do risco ambiental numa perspectiva da Sociologia econômica que nos direciona ainda a Sociologia da avaliação e valoração dos riscos ambientais de modo a tornar o risco ambiental um produto. Atualmente a problemática ambiental ganha espaço no debate sociológico, conforme Mattedi:

A natureza converteu-se num produto histórico que passou a ser produzido através de um processo de construção material e simbólica. Consequentemente, a destruição da natureza converteu-se num componente essencial da dinâmica de reprodução social, econômica e política. (MATTEDI, 2015, p. 3).

As alterações ambientais agora em escala global modificam as relações sociais, assim surge à necessidade da Sociologia readequar os marcos teóricos do objeto de estudo entre a sociedade e a natureza (MATTEDI, 2015). O autor nos atenta para além do aperfeiçoamento do estudo das relações sociedade-natureza, o estudo da percepção do agravamento dos prejuízos ambientais decorrentes desta relação e inclui a percepção dos riscos que dialoga com o objeto deste estudo, os seguros.

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A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, estabeleceu princípios para questões ambientais internacionais, incluindo direitos humanos, gestão de recursos naturais, prevenção da poluição e relação entre ambiente e desenvolvimento, a necessidade de se abolir as armas de destruição em massa. A conferência levou à elaboração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que deu continuidade a esses esforços. SENADO. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/rio20/a-rio20/co. aspx>. Acesso em: 20 mar. 2017.

Assim, um novo paradigma ambiental surge do reconhecimento da dependência humana do ecossistema, o qual exige uma compreensão da complexidade das relações humanas na biosfera. Já, outro paradigma, o da excepcionalidade humana possibilitaria pensar que a sociedade seria capaz de solucionar todos os problemas ambientais por ela gerados, dentro de uma perspectiva de progresso (CATTON; DUNLAP, 1980 apud MATTEDI, 2015).

Nessa linha da ideia de progresso, em que há capacidade humana de criar soluções para os problemas ambientais, o mecanismo de seguro da natureza pode significar uma solução econômica para a degradação gerada, mas conforme observamos diante deste mercado, as soluções ficam limitadas ao sentido do que o dinheiro alcança recuperar38.

Já numa análise a partir do novo paradigma, em que se reconhece a dependência da natureza, se verifica que o Seguro Ambiental, não é capaz de solucionar estas questões de modo geral, em parte porque nem todas as empresas poluidoras estão aptas para contratar um seguro, como veremos adiante, o que depende da avaliação de risco e da complexidade das atividades desenvolvidas e mesmo empresas que contratam esta espécie de seguros, podem gerar danos e prejuízos, que não foram previstos ou segurados. Portanto, neste trabalho, não questionamos se os seguros como instrumentos de proteção são bons ou ruins, também não podemos generalizar a aplicação deste mecanismo de mercado para proteção ambiental e sim refletimos sobre em que situações ele pode ser útil, o que ele alcança e como pode prescrever riscos a partir das avaliações utilizadas.

Mattedi (2015) cita as duas estratégias epistemológicas propostas por Catton e Dunlap para a adoção de um novo paradigma epistemológico da Sociologia ambiental, uma delas a partir do estudo dos clássicos, Weber, Durkheim e Marx e outra, partir de Hanningam, considera os problemas ambientais como construções sociais onde se encaixam as visões dos conceitos de riscos (DOUGLAS; WILDAVSKI, 1982), e de sociedade de risco (BECK, 1996) e ainda de modernização ecológica (MATTEDI, 2015).

É neste sentido, da construção social dos riscos que filiamos o estudo dos Seguros Ambientais, o que fica demonstrado conforme conduzimos esta dissertação

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Em entrevista realizada com gestor de seguradora, este ressaltou os limites dos seguros ambientais e a incapacidade de serem aplicados a qualquer tipo de risco.

e apresentaremos a história das seguradoras, os elementos culturais e morais presentes no mercado e a utilização de padrões de classificação de riscos que se configuram em construções sociais.

O desafio do estudo da Sociologia ambiental sob um novo paradigma, conforme identificamos na bibliografia estudada, se dá em razão da multidimensionalidade do seu objeto que exige uma abordagem interdisciplinar.

O estudo da formação de um mercado vinculado à valoração monetária e simbólica dos bens naturais nos desafia a um diálogo com diferentes áreas do saber seja economia, Meio Ambiente, mercados, risco e exige a abordagem destes temas a partir de uma base epistemológica ainda em construção. Considerando que a legitimação do mercado também se dá por vários aspectos sociais, não buscamos encaixar este estudo em uma teoria especifica de estudos da Sociologia ambiental, mas reconhecemos a necessidade de todas estas reflexões e conexões históricas propostas que dialogam com a temática e auxiliam a construção de uma lógica de mercado.

Mas além dos estudos da questão ambiental considerarem o papel do risco na crise ambiental, ele também é analisado sobre as lentes especificas da Sociologia do risco investigada a partir da percepção do risco pela sociedade partindo da antropóloga britânica Mary Douglas, que na obra entitulada Risco e Cultura (1982), escrita conjuntamente com Aaron Wildavsky, trataram o risco como uma construção social coletiva, determinada por fatores culturais.

Isto é, os riscos são eleitos conforme as dinâmicas de cada sociedade, bem como através das próprias discordâncias dos cientistas sobre os riscos (DOUGLAS e WILDASKY, 2012).

Esta posição de uma construção culturalista do risco verifica as disputas de poder entre diferentes dimensões sociais e inclui o papel da ciência como agente institucional no que tange a construção do risco, o que no caso do estudo dos Seguros Ambientais fica claro, a partir da verificação das controvérsias surgidas sobre o risco na questão ambiental.

Vale ressaltar que o sociólogo Ulrich Beck (2010), tratou dos Seguros Ambientais, no artigo ―Política na Sociedade de Risco‖, em que considerou a fragilidade deste instrumento diante da crise ambiental, salientando o fato de que as

seguradoras se recusam a realizar a cobertura de riscos, por estes tornarem-se perigos incalculáveis monetariamente.

É o confronto da sociedade com o próprio potencial de autodestruição, criado artificialmente, que, de meu ponto de vista, marca a ruptura. Os perigos do átomo, os perigos químicos e ecológicos e os da manipulação genética constituem riscos que, em oposição ao primeiro período industrial, 1) não são limitáveis nem no espaço nem no tempo e tampouco no plano social, 2) não podem ser atribuídos a pessoas com base nas regras da causalidade, da culpabilidade e da responsabilidade em vigor, e 3) não podem ser objeto de compensação ou de alguma fiança. Onde as seguradoras privadas se recusam a cobrir riscos – tal é o caso para o desenvolvimento tecnológico que evocamos –, transpassamos o limiar entre riscos calculáveis e perigos incalculáveis. Dito de outra forma: à luz dos riscos incorridos, o sistema regulador que controla ―racionalmente‖ as destruições industriais, se assemelha aos freios de uma bicicleta montados em um avião supersônico. (BECK, 2010, p. 2)

No entanto é possível verificar-se no estudo do mercado de Seguros Ambientais que, em parte estes riscos são gerados e caracterizados como universais conforme a teoria da sociedade de risco de Beck (2010), que considerou a ideia de ―fim da natureza‖, aqui se considera a sociedade de risco a partir da ideia de uma modernização reflexiva de Beck, da capacidade de controle da natureza por dispositivos científicos e da possibilidade de melhoramento.

No entanto, o modo como estes riscos são percebidos, internalizados socialmente e influenciam de formas diferentes a criação de dispositivos, exige uma análise de viés mais culturalista conforme Douglas e Wildavisky (2012), principalmente quando se analisa ao final desta dissertação a utilização de questionários para avaliação dos riscos das empresas que se candidatam a contratação do seguro.

Verificamos que paralelamente a construção de um mercado de Seguros Ambientais, há uma construção social do risco ambiental, que passa a adquirir valores monetários, bem como o risco de poluição ou o dano ambiental.

Isso tudo importa ao passo que observamos que no Mercado de seguros quando se avaliam os riscos de atividades poluidoras, trata-se de calcular passivos ambientais que surgem com o não cumprimento de obrigações legais de conformidades exigidas em processos de licenciamento ou nas falhas de procedimentos de gestão ambiental destes riscos. Sendo que, a ideia de risco aqui é

determinada por normas técnicas consideradas as melhores práticas de acordo com estudos técnico-científicos que podem ou não estarem vinculados à legislação39.

Num segundo momento, estas referências e padrões técnicos, em não sendo observadas, representaram um custo monetário para as empresas que atuam em atividades de uso de recursos naturais. Este risco é calculado a partir da não observação da norma, nos casos de aplicações de multas ou do custo de reparação de dano e de pagamento por indenizações, bem como de ocorrência de sinistros ambientais40.

Voltando-se ao tema especifico de mercados e Meio Ambiente, a problemática do capitalismo verde fomentada no Brasil com a participação dos setores privados na Rio 2012 marca uma nova posição assumida pelas empresas responsável pela ressignificação do Meio Ambiente para o mercado, sob o ideal de sustentabilidade41

. Diante deste viés, o próprio mercado da crise ambiental a oportunidade para novos negócios.

É neste contexto que está inserido o Seguro para riscos ambientais, e ganham força diante do apelo de que o mercado crie soluções para os problemas criados. A ideia de um capitalismo verde trata desta nova dimensão do capitalismo que tenta se adaptar as exigências sociais e passa a vender soluções como mais ecológicas, mas que no processo como um todo podem não ter nenhuma relevância para proteção ambiental e apenas representar mais um produto no mercado.

Como contraposição, o modelo de economia verde propõe o pagamento por serviços ambientais como forma de proteção ambiental através de novos instrumentos de valoração econômica.

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Conforme observamos os padrões de normas técnicas do questionário de riscos. Anexo A. 40

Previsão de prestação pecuniária. Lei de Crimes Ambientais, Lei Nº 9605/98. 41

Disponível em:

<https://nacoesunidas.org/alem-da-rio20-avancando-rumo-a-um-futuro-sustentavel/>. Acesso em: 20 mai. 2017.

Entende-se por economia verde ―aquela que resulta na melhoria do bem- estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e as escassezes ecológicas‖. 7 Uma economia verde é aquela apoiada em três estratégias principais: (1) a redução das emissões de carbono, (2) uma maior eficiência energética e no uso de recursos e (3) a prevenção da perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. (PAVESE, 2011)

Considerando a perspectiva de avaliação do Meio Ambiente pela proposta de uma economia verde, a análise de riscos realizada pelas seguradoras no processo de venda de Seguros Ambientais incorpora padrões que se contrapõem a esta proposta de modo que se verifica que o discurso do mercado de Seguros Ambientais está bem mais próximo de práticas de um capitalismo verde. As bases de avaliação, valoração e precificação da natureza pela economia verde são vinculadas ao entendimento de valor da natureza enquanto serviços prestados a sociedade (MATTA, 2011), como por exemplo, o serviço de polinização realizado pelas abelhas (SILVA, 2014) ou mesmo o serviço ambiental enquanto a função de uma paisagem, ou de um bioma.

No entanto, conforme veremos no capítulo 5, a lógica do mercado de seguros é outra e está vinculada a compensação financeira dos danos e a avaliação dos riscos ambientais não inclui os serviços prestados pela natureza a sociedade, de modo que este pode ser um desafio para o setor o que exigiria a adoção de uma nova lógica a da economia verde, em substituição as praticas de um capitalismo verde.

Neste sentido, pelo que expomos, o estudo das lógicas de avaliação, valoração e precificação do Meio Ambiente exige uma interdisciplinariedade entre as perspectivas sociológicas e a elaboração epistemológica de novas dinâmicas para a discussão destas temáticas contemporâneas.

2.2 O Meio Ambiente recepcionado pela Lei e Judicializado. O papel do Estado