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3 O PROTAGONISMO DO COLETIVO ROSAS LIBERTÁRIAS NAS

3.1 A questão de gênero dentro do Coletivo Rosas Libertárias, da cidade de Delmiro

O debate sobre gênero tem sido constante nos movimentos sociais contemporâneos organizados por mulheres, assim como nas ações coletivas, pois, segundo Gohn, ―a generalização do uso da temática ‗gênero‘ nas últimas décadas do século XX teve ganhos

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PERROT, Michelle. ―Mulheres na Cidade‖ Minha história das mulheres. Tradução Ângela M. S. Côrrea. São Paulo: Contexto, 2007. p.162.

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GONZAGA, Juliane de Araujo. ―O retorno do feminismo no presente‖ Novo feminismo: acontecimento e

insurreição de saberes nas mídias digitais. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) –

Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, Faculdade de Ciências e Letras (Campus de Araraquara) 2018.

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qualitativos, mas também trouxe dificuldades para as mulheres‖108. Desse modo, a discussão de gênero ganhou relevância em alguns livros. Maria Aparecida Silva, em seu livro ―Trajetória de mulheres negras ativistas‖, faz uma reflexão sobre o conceito de gênero:

O conceito de gênero surgiu no contexto anglo-saxão, passando a ser utilizado no sentido de caracterizar uma relação. Foram as feministas de diferentes tendências políticas, nas suas diversas formas de manifestações para assegurar direitos a mulheres, que deram visibilidade a essa discussão em termos epistemológico e teóricos.109

Maria Silva observa que os movimentos sociais organizados por mulheres tiveram grandes visibilidades para o debate sobre gênero e, ―o termo ‗gênero‘ começou a ser utilizado no Brasil no final dos anos 1980, com o objetivo de compreender gênero como constituinte da identidade do indivíduo.‖110

A autora ainda aborda que:

As relações sociais são permeadas pela dinâmica da construção dos gêneros que marca o social, o político, o religioso e o cotidiano na desigual distribuição de responsabilidade nas sociedades. A desigualdade está pautada no estabelecimento de atribuições sociais aos gêneros.111

Entende-se, portanto, que a categoria gênero foi criada para impor uma hierarquia, fazendo com que o homem se mantenha sempre no poder, tornando a mulher um ser inferior.112 O sociólogo francês Pierre Bourdieu analisa que:

A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho.113

Dessa forma, as diferenças biológicas são usadas como desculpa para dar poder ao sexo masculino no âmbito social. O patriarcado114 tem um papel muito forte na transmissão

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GOHN, Maria da Gloria. ―Mulheres em movimento. Movimento de mulheres‖. Novas teorias dos

movimentos sociais. 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p.146.

109

SILVA, Maria Aparecida. ―Mulheres negras: movimentos de gênero e população negra‖ Trajetória de

mulheres negras ativistas. 1 ed. Curitiba: Appris, 2017. p.69.

110 Ibid., p.72. 111 Ibid., p.74-75. 112 Ibid., 2017. 113

BOURDIEU, Pierre. Uma imagem ampliada. In: A dominação masculina. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.20.

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SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani Patriarcado: a dominação do homem sobre a mulher nos variados aspectos de uma sociedade. In: Gênero, patriarcado, violências. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

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de um discurso cuja masculinidade impera nas relações sociais.115 Em seu artigo, Joan Scott faz duas análises sobre a definição de gênero e as relações de poder, sendo que, a segunda definição de gênero é a de que ―é uma forma primária de dar significado às relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre a mudanças nas representações do poder, mas a mudança não é unidirecional.‖ 116

Brígida Oliveira fala sobre esta questão:

É bem ampla essa discussão, né?! Mas acho que, no decorrer de tudo que a gente vem estudando, a gente descobriu, pelo menos eu descobri que gênero é uma construção social. Que gênero não quer dizer sexo, gênero não quer dizer condição sexual. Gênero é muito amplo, é um conceito muito patriarcal, porque o gênero é pensado de uma forma machista e capital. O gênero surge junto com o conceito de patriarcado e muito com o sistema, entendeu?! Mas é bem largo o conceito de gênero.117

Brígida observou que o gênero é uma maneira de impor às mulheres papéis de desigualdade na sociedade. Ainda segundo ela, seu interesse em formar um coletivo surgiu com o intuito de ―discutir mesmo, trazer essas questões pro sertão alagoano, sabe?! Questões que antigamente ninguém falava. Sobre aborto, ninguém falava sobre homoafetividade.‖118 Para Camila Cruz ―a questão de gênero é...eu particularmente penso muito na construção do ser social, né?! E por exemplo, tem pessoas que se dizem sem gênero, é muito do que você pensa enquanto ser social.‖119 Layanne Queiroz também traz seu posicionamento:

Para mim, gênero abrange assim a mulher, a mulher Cis, a mulher trans, gênero amplia assim. Acho que quando a gente vai falar de gênero ela amplia pra várias coisas assim. Não só a mulher Cis, não é só uma discussão sobre a mulher Cis, é uma discussão sobre a mulher trans, também a questão LGBT, gênero amplia.120

Portanto, por se tratar de uma questão ampla, gênero não abrange somente um determinado ser, há várias vertentes que envolvem a categoria gênero dentro do CRL, como poder ser observado nas análises das três integrantes do CRL expostas acima. Para Fernanda Meimes:

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SILVA, Célia Nonata da. ―Violência, gênero e cultura‖. Entre lobos: feminicídio e violência de gênero em Alagoas. (2008-2013) Célia Nonata da Silva, Eduardo Apolo Duarte de Lucena, Denilsson da Silva Santos. Maceió: Edufal, 2015.

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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Publicado em Educação & Realidade, v.lS, n.2, jul./dez. 1990. p.86.

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OLIVEIRA, Brígida de Souza. Entrevistado por Samyres da Silva Vieira 18/08/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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OLIVEIRA, Brígida de Souza. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 18/08/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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CRUZ, Camila Rodrigues da. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 03/05/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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QUEIROZ, Layanne Morais. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 17/09/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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Eu defendo desconstrução de gênero, sabe?! Porque tipo, não porque você nasceu com a genitália feminina que você tem que ficar é... e entrar em toda aquela caixinha que botam no feminino, né?! Que tem que usar salto alto, que tem que fechar as pernas.121

Com base no que foi exposto, Fernanda Meimes faz uma crítica à construção de gênero, construção essa que impôs à mulher a seguir um padrão de roupa, cabelo e até, mesmo, um modo de agir. E assim como Fernanda Miemes, Sergiana Santos também relata sobre essa discussão e aborda o seu entendimento sobre gênero, baseando-se na autora Simone Beauvoir:

Às vezes a gente acredita que esse tornar-se mulher que a Simone Beauvoir fala é esse tornar-se feminista, maluca. Mas ela diz o contrário, ela diz que nós nos tornamos mulheres a partir do que a sociedade nos imputa como ser mulher. Então, esse ‗não se nasce mulher, se torna‘ é porque apesar de termos o sexo biológico as tarefas, as roupas, os adereços tudo isso é socialmente construído.122

Com essa reflexão de Sergiana Santos, entende-se então que uma pessoa pode nascer com o sexo masculino ou feminino, porém pode não se identificar com este sexo, ou seja, uma mulher não é somente uma mulher por possuir um órgão genital feminino. Você pode nascer com o sexo feminino, mas pode não se identificar como uma mulher, pois parte para a questão da identidade. Camila Ramos traz seu posicionamento sobre gênero:

Gênero é um construto social, né?! É algo que é construído socialmente e que é imputado aos sujeitos bem antes do nascimento, porque quando a médica ou o médico, não sei, o profissional de medicina é... a profissional de medicina verificar se tá tudo bem com o feto e aí verifica a genitália, e de acordo com o que se tem a ideia do que se tem para a genitália, para o pênis ou para a vagina, de acordo com aquilo vai se criando todo um universo para aquele sujeito é de forma obrigatória, de forma imposta.123

Esse processo de construção social, segundo Camila, vem muito antes do nascimento. Vale ressaltar que uma criança também sofre com essa construção, a partir do momento em que a sociedade passa a determinar as cores de roupas para menino e menina, isso ocorre também com os brinquedos.

A partir dessas abordagens, o gênero é definido como uma construção social, e no Brasil essa discussão nos movimentos e nas ações coletivas só reforça o problema social envolvendo a história das mulheres. As mulheres do CRL, desse modo, defendiam que o

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MEIMES, Fernanda Telles. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 22/03/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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SANTOS, Sergiana Vieira dos. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 17/04/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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RAMOS, Camila Faustina Santos Pereira. Entrevistada por Samyres da Silva Vieira 06/09/2018 In: Acervo do Grupo de Estudos e de Pesquisa em História, Sociedade e Cultura –GEPHISC.

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gênero também é uma construção social, criada para definir como homens e mulheres devem se vestir, agir e viver.